"Senso moral" e "dever"



 
 
 
 
 

          SEM QUASE nenhum antecedente experimental, falou-se muito, no fim do século XVIII, em um complicado disparate a que se chamava frenologia. Isso começou com Franz Joseph Gail, fisiologista vienense, ao afirmar que as protuberâncias e reentrâncias do crânio do homem representavam várias áreas de seu cérebro particularmente bem desenvolvidas. Hipótese sem base, pois não há relação entre as protuberâncias e reentrâncias cerebrais e a forma do crânio. Apesar disso, Gall acreditava que a personalidade do homem podia ser "lida" nas formas do crânio. Dividiu o cérebro em 37 áreas, ligando-as a coisas como "senso moral", "amor-próprio" e "dever". Suas idéias foram muito populares. Os europeus se amontoavam para leitura de crânios, e sociedades frenológicas floresceram na rota das conferências de Gail.

          Mas a ciência foi exigindo mais em suas técnicas e necessidades de provas, e as teorias de Gaíl foram tomando ares de charlatanice aos olhos de seus colegas. Pierre Flourens, fisiologista francês, tentou contestar Gall por métodos científicos sérios. Removia partes de cérebros de pombos vivos para ver o que acontecia. Sua conclusão de que o cérebro funcionava como unidade global foi uma supersimplificação, mas ajudou a refutar Gail.

          Em 1861, Pierre Paul Broca, cirurgião francês, autopsiou o cérebro de um paciente afásico. Os afasicos tem o aparelho vocal e a inteligência normais, mas não podem usar palavras, nem faladas nem escritas. Broca achou uma lesão,  uma área de células visivelmente alteradas. Esta descoberta memorável identificou uma arca particular do cérebro, hoje conhecida corno área de Broca, com a função bem especifica da expressão verbal.
 

À técnica de Flourens — remover partes de cérebro de animais vivos—— frutificou. e muitos a usaram depois. Aos poucos as áreas especializadas do cérebro começaram a ser traçadas.


          Os hemisférios cerebrais, além de muito mais interessantes, eram a mais acessível às partes do cérebro para estudo. Os experimentadores descobriram logo que a descerebração — remover os dois hemisférios ou partes deles — causava efeitos mais radicais no comportamento dos animais superiores do que nos inferiores.

          Um animal simples como a rã, descerebrado, pode ver, saltar e ter atividade sexual, embora perca sua atuação espontânea. Um gato, descerebrado, perde maior numero de funções. Conforme a área retirada, fica totalmente rígido e perde o tato. Pode recobrar sua capacidade de andar, mas parece relutar nisso. Pode ficar onde está, até que o façam mover-se. O homem, retirados os hemisférios cerebrais, morre.

          Esses achados indicaram de maneira clara que a estrutura nervosa dos animais varia profundamente de espécie a espécie. Os circuitos nervosos que controlam muitas funções nos animais inferiores seguem apenas para a medula espinhal ou para os centros inferiores do cérebro, mas, na organização da inteligência superior, os circuitos que controlam as mesmas funções abrangem todas as vias do e para o córtex.

          Tentou-se fazer um mapa do córtex humano com exatidão científica tão logo surgiram equipamentos elétricos. Em 1870 dois médicos de Berlim realizaram os primeiros experimentos de estimulação do córtex com eléctrodos, mais em cães que em homens. Desde então, tem-se explorado muito esta técnica. Com anestesia local, o Dr. Wilder Penfield, neurocirurgião do Instituto Neurológico de Montreal, estimulou várias partes do córtex de pacientes epilépticos para localizar lesões cerebrais, e divulgou o depoimento verbal deles sobre os efeitos.
 
 

O cérebro especializado.
          COMO RESULTADO destes e de outros experimentos, ficou positivado que os impulsos nervosos que fluem por diferentes áreas do córtex produzem efeitos diversos, dependendo da área.
Urna faixa do córtex em cada hemisfério, quando estimulada, dirige respostas motoras; lesada, a área perde a função motora. Outra area do córtex relaciona-se com as sensações táteis, outras, respectivamente com a visão e a audição.

          Por conseguinte, o cérebro é um instrumento com peças especializadas. Mas sua maior utilidade como centro de múltiplos circuitos é a de poder escolher, coordenar e integrar. Os neurologistas conseguiram ver as células nervosas sensitivas da retina. Seguiram o nervo óptico até a área visual do córtex. Podem mesmo calcular a resistência elétrica de uma determinada fibra por seu diâmetro, e, assim, o tempo que o impulso nervoso gasta para percorrê-la. Podem também estimular com um eléctrodo a área motora do córtex, examinar as terminações da fibra nervosa num músculo do olho. e vê-lo mover-se. Mas o que a pessoa percebe, e porque prefere mover os olhos para cá ou para lá, são fatos determinados por acontecimentos no cérebro, dos quais pouco ou nada sabemos.

          Coube aos psicólogos, mais que aos neurólogos, mostrar como funciona o cérebro totalizador, que entretece os vários processos nervosos numa rede única da experiência. Eles não estudam os impulsos nervosos, mas procuram analisar a trama da consciência por meio de experimentos em laboratórios, com animais e pessoas. Um de seus maiores campos de estudo tem sido a nossa consciência do mundo exterior. Eles o encontram tão elaborado que hesitam em usar palavras simples como "ver" e "ouvir". Preferem o termo "percepção" para descrever uma impressão consciente do mundo exterior. Usam esta palavra para indicar que algo complexo ocorreu, muitíssimo mais complicado que o simples recebimento de informações dos nervos sensoriais.

          Por exemplo, quando vemos dois homens, um a 1,50 m e outro a 3 m, a figura deste tem metade do tamanho da figura do outro. Mas é fácil perceber que ambos são da mesma altura. Para ver isso nos valemos de um sentido e, mais, uma experiência inteira num mundo tridimensional — e esta nos ensinou a interpretar tamanhos em função de distância. Isso parece banal — mas só porque a perícia em fazê-lo veio da longa prática.

          Cada percepção é uma trama complexa de estímulos do mundo exterior do passado imediato (um limão é mais azedo se for provado logo depois de um pedaço de doce); da longa experiência, dos interesses e até dos desejos. Quer dizer, a percepção requer fatores físicos, mentais e emocionais.

          Muitos experimentos psicológicos têm provado à farta que, em geral, vemos como pensamos que vemos. Exemplos:

          · Um revisor vendo num texto sobre eletricidade a palavra "cheque" poderá ler "choque", e num texto sobre modas poderá ler "chique".

          · A oficiais do exército foram mostrados dois blocos de madeira, um maior que e outro, mas de peso igual. Disseram-lhes o peso do maior, e pediram-lhes que calculassem e do menor. Surpreenderam-se ao achar que o menor era mais pesado do que pensavam, a julgar pelo tamanho, mais pesado até do que o maior. E a impressão do que o menor pesava mais persistiu mesmo depois que eles pesaram pessoalmente ambos os blocos.

          · Vemos mais o que queremos ver. A atitude emocional influi até na fisiologia da visão. Verificou-se que se pode medir a dilatação das pupilas quando se olha para algo agradável. Em um experimento, mostraram o retrato de um bebê a homens e a mulheres. As pupilas delas se dilataram mais. E ainda mais ante o retrato de uma mãe com o filhinho. Mas as pupilas dos homens se abriram ao máximo quando viram a foto de uma mulher nua.

          · Pessoas com fome viram mais imagens de comida em borrões de tinta do que outras depois de comer.

          · Um grupo ele crianças ricas calculou o tamanho de várias moedas um pouco maior do que era. O grupo de crianças pobres deu-lhes o dobro do tamanho o exagero foi maior com os quartos de dólar.

          Grande parte do trabalho realizado nos laboratórios de psicologia levanta hoje perguntas de largo alcance que o fisiologista vindouro terá de responder.


 
 
 
 
 
 
Quer seja a mente estudada por meio do tecido nervoso, no organismo vivo, quer por meio de suas manifestações externas, na conduta. ela nunca parece ser simples. Nem o microscópio nem o laboratório experimental puderam reduzi-la a uma mecânica previsível. Entre os que a respeitam mais estão os cientistas que a conhecem melhor e têm consciência de que ainda sabem pouco.

 

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