JOHANNES  KEPLER
1571 - 1630 D.c.



          "Temos de construir uma nave que sulque o imenso oceano do universo!"

        Assim exclamou, há trezentos e cinqüenta anos, o astrônomo alemão Johannes Kepler. Aquele homem de constituição frágil, marcado pelas bexigas, não se surpreenderia se soubesse que hoje os homens estão a realizar precisamente o que ele desejou, orientando-se pelas leis do movimento dos astros que ele, com um esforço prodigioso, descobrira. A guerra, a intolerância e uma larga série de crises pessoais ensombraram a vida de Kepler. Mas ;"esse homem incomparável"; como lhe chamou Einstein, sobrepondo-se a toda a adversidade, tornou-se um autêntico gigante da Ciência, um pioneiro que dirigiu os passos do homem pelo caminho dos astros.

          Johannes Kepler nasceu em Weilder Stadt, na Alemanha, a 27 de Dezembro de 1571. O pai, militar de profissão, partiu pouco tempo depois para os Países Baixos, para lutar ao lado dos holandeses na guerra contra a Espanha. A esposa acompanhou-o e o menino permaneceu junto dos avôs paternos. Quando tinha quatro anos, um ataque de varíola deixou-o aleijado de uma das mãos e com uma fraqueza permanente na vista.

           Ainda criança, teve de abandonar os estudos das primeiras letras para se empregar, como criado, numa taberna. Ao completar treze anos, foi enviado para um colégio de religiosos, em Heidelberg, onde a sua aplicação lhe valeu uma bolsa para freqüentar a Universidade de Túbingen. O seu propósito era fazer-se pastor protestante, mas ao assistir, sem grande interesse de principio, a um curso de astronomia, entusiasmou-se com o estudo dos astros. Por outro lado, a leitura das obras de Nicolau Copérnico (o grande astrônomo polaco que mantinha, revolucionáriamente, que a Terra girava em volta do Sol) decidiu o futuro de Kepler como astrônomo. A parte o fato de se achar no centro do Universo, o Sol e o espírito que o anima; escreveu Kepler, quando era ainda estudante. "Proponho-me demonstrar que a máquina celeste se assemelha a um mecanismo de relojoaria no qual uma só peça move todas as engrenagens e que a totalidade do complexo movimento celeste obedece a uma só força magnética"

           É difícil imaginar, na nossa época, a coragem que era necessária para enunciar, naquele tempo, uma teoria que contrariava a que todos os bons cristãos aceitavam como a palavra de Deus. (O próprio Copérnico adiara a publicação das suas opiniões até 1543, já nos últimos dias da sua vida.) E, deixando de lado a questão de heresia, quem ia crer que a Terra fosse uma enorme esfera que corria em volta do Sol à velocidade de trinta quilômetros por segundo, ao mesmo tempo que girava vertiginosamente sobre si mesma? Até o mais ignorante sabia que, em tal caso, os castelos, as igrejas, as florestas, os oceanos e, portanto, as próprias pessoas que povoavam a Terra, tudo seria projetado da superfície de um planeta sujeito a um ritmo tão vertiginoso.

          A sua boa índole e o seu brilhante aproveitamento em Matemáticas e em Latim continuaram a granjear-lhe, no entanto, a simpatia e o aplauso dos mestres mas, dada a pouca ortodoxia das suas idéias, estava fora de causa a carreira de ministro da Igreja. Deste modo, quando surgiu uma vaga na Escola Protestante de Graz, na distante Áustria, Kepler, então com vinte e três anos, foi chamado para ocupar a cátedra de Matemáticas.

          A tormenta das lutas religiosas que ensombrariam a vida de Kepler estava prestes a desencadear-se. Em 1600, todos os protestantes foram expulsos de Graz. (Nesse mesmo ano, na Itália, Giordano Bruno foi condenado a morrer na fogueira, por ter sustentado que o espaço é infinito e está povoado de estrelas tão grandes como o Sol.) Kepler teve de pagar um elevado resgate para poder escapar; na confusão daqueles momentos angustiosos foi obrigado a vender por baixo preço as propriedades de sua mulher. Em Praga, chegando ele doente e sem recursos, o seu amigo Tycho Brahe ofereceu-lhe hospitalidade.

          Brahe era, então, matemático do imperador Rodolfo II, De família nobre, de caráter impetuoso, de engenho agudo, entusiasta da alquimia, distinguira-se principalmente pelas suas observações astronômicas, as mais notáveis realizadas depois de Aristarco de Samos, na Antigüidade. Durante vários anos de cálculos a vista desarmada, auxiliado unicamente pelo seu gigantesco quadrante (só em 1608 veio a ser inventado o telescópio), levou a cabo milhares de acertadas medições da mudança de posição dos planetas em relação ás estrelas.
Brahe conseguiu obter autorização do Imperador para que Kepler passasse a trabalhar como seu assistente. Acima de tudo, o cientista dinamarquês pôs à disposição do colega as suas tábuas astronômicas incompletas, que serviriam a Kepler para formular as três leis relativas ao movimento dos astros que têm o seu nome. As três leis enunciam-se do seguinte modo:

          a) As órbitas dos planetas são elípticas;
          b) As áreas descritas por um planeta são proporcionais    aos tempos;
          c) Os quadrados dos tempos da revolução dos planetas são proporcionais aos cubos da sua distância média ao Sol.

          Estas leis demonstraram a falsidade do sistema de Ptolomeu, que colocava a Terra no centro do Universo; confirmaram a teoria de Copérnico, segundo a qual a Terra girava em volta do Sol, e iniciaram a era da astronomia moderna.

          Determinar com exatidão a órbita dos planetas tinha sido, desde a mais remota Antigüidade. um problema que desafiava solução. Por terem sido feitas a partir da Terra, planeta em movimento, todas as cuidadosas observações dos séculos anteriores só eram válidas para assinalar o movimento aparente dos astros. Assim como quando o comboio em que viajamos ultrapassa outro que segue a menor velocidade nos parece que este último vai em direção contrária à que leva o nosso, também os habitantes da Terra vêem Marte e os outros planetas moverem-se para trás quando a Terra os alcança. Para evitar esta ilusão visual, Kepler teve de transportar-se, em imaginação, para fora do nosso sistema planetário, a fim de observar de um ponto fixo do espaço.

          Mas como determinar este ponto num Universo sempre em movimento? Marte leva 687 dias a percorrer a sua órbita em volta do Sol. Kepler tomou como ponto de referência a posição de Marte no espaço, no primeiro dia do ano marciano. Colocando-se nesse ponto, deu inicio às observações e cálculos, a que consagrou cinco anos de angustiosos esforços.

          Chegaram até nós parte das folhas em que este gênio laborioso desenvolveu os seus cálculos para determinar as sucessivas posições de Marte em cada um dos 360 graus da sua órbita e verificou, seguidamente, quarenta vezes a exatidão de cada um dos resulta dos que ia obtendo. Em certa ocasião, deixou passar um erro aritmético, fato que o obrigou a repetir o trabalho de várias semanas.

          "Cão apressado dá cachorros cegos", comentou, com um sorriso amargo e aplicou-se, de novo, ao trabalho. Houve vezes em que o fogão se conservava apagado, por falta de dinheiro para comprar lenha. Quando Brahe morreu, em 1601, Kepler sucedeu-lhe no cargo que ocupara na corte de Rodolfo. O Imperador, porém, raras vezes lhe pagava o alto salário prometido, pois Kepler interessava-lhe sobretudo como astrólogo, e os seus trabalhos científicos pareciam-lhe, antes, uma perda de tempo. No entanto, Kepler dedicou ao excêntrico monarca a sua Nova Astronomia, obra que, com De revolutionibus de Copérnico, e os Principia de Newton, marca um passo decisivo no campo da Astronomia. Referindo-se a esse livro, Kepler escreveu, cheio de júbilo: "Alcancei o cume"!

          Infelizmente, a obra passou quase despercebida entre os sábios da época e não trouxe qualquer lucro ao autor. Em 1612, a mulher, o segundo filho e o Imperador que o tinha protegido faleceram, no espaço de poucas semanas. Acabrunhado pela adversidade, Kepler mudou-se para Linz, onde conseguiu ocupar um modesto cargo de professor.

          Este novo emprego ofereceu-lhe, no entanto, um lenitivo, na medida em que lhe deixava tempo livre para se dedicar a observações astronômicas, em que utilizava um telescópio emprestado. Havia tempo que acreditava que devia haver vida noutros planetas e foi ao observa-los pela primeira vez através desse instrumento que falou em construir uma nave para viajar pelo espaço.

          A sua segunda mulher estava à espera de um filho quando uma, nova calamidade o atingiu: acusada de feitiçaria, sua mãe encontrava-se presa numa povoação de Wurtemberg, ameaçada de torturas e condenada a morrer na fogueira. Acudiu, imediatamente, a socorrê-la e, ao cabo de muitos meses de diligências e rogos, conseguiu, em Outubro de 1621, a sua libertação.

          Enquanto lutava pela vida de sua mãe, Kepler conseguiu concluir a terceira das suas grandes obras: A Harmonia do Mundo. Nela formulava a terceira das suas leis, segundo a qual a distância média de um planeta ao Sol pode calcular-se pelo tempo que demora a percorrer a órbita. Cem anos depois, seria um dos fundamentos em que Newton assentou a sua lei da gravidade.

          A Guerra dos Trinta Anos, tremendo conflito religioso e político, ameaçou, com os seus embates, o humilde lar de Kepler.

          Quando Linz foi sitiada, em 1626, as autoridades eclesiásticas, considerando-o suspeito de heresia, colocaram-no sob severa vigilância e selaram-lhe a biblioteca. Ao cruzarem-se na rua com o homem a que Emmanuel Kant viria a chamar "o mais profundo dos pensadores", as pessoas cuspiam e murmuravam: "astrólogo".

          Assim, Kepler, que só buscava paz para se dedicar à sua obra, uma vez mais se viu obrigado a fugir. Numa noite chuvosa e gelada, fugiu, numa carroça, com a mulher e os seis filhos. Entre os poucos objetos que levava consigo na fuga contava-se uma caixa que continha varias placas de chumbo: as fichas do que viria a ser a sua obra monumental As Tabelas Rodolfinas.

          Nos anos seguintes, o vasto campo que os conhecimentos de Kepler abarcavam manifestou-se em grande diversidade de obras. Fundou a ciência da óptica geométrica; fez um estudo sobre a anatomia do olho humano; escreveu uma obra de ficção científica; estudou as manchas solares. Restava-lhe ainda cumprir a promessa feita a Tycho Brahe: terminar as tabelas astronômicas que este tinha começado.

          Em Ulm, nas margens do Danúbio, Kepler completou os laboriosos cálculos sobre a posição das 777 estrelas observadas por Brahe, às quais acrescentou 228, fruto da sua própria observação. Quando da publicação, as Tabelas Rodolfinas foram atribuídas a Tycho Brahe. Precursoras dos modernos almanaques náuticos, tornaram-se de uso geral na navegação durante um século.

          As sombras do infortúnio deveriam, contudo, envolvê-lo de novo. Doente e desejoso de assegurar o futuro de sua mulher e dos filhos, viajou nos rigorosos dias do Outono para Regensburgo, onde se achava reunido o Parlamento, com a esperança de conseguir que lhe pagassem os onze mil oitocentos e dezassete florins que lhe eram devidos havia tantos anos. Chegou a Ratisbona doente, e faleceu treze dias depois, a 15 de Novembro de 1630. Nem mesmo depois de morto alcançou a paz. Sendo luterano, foi-lhe negada sepultura dentro do recinto da cidade. Três anos depois do seu enterro, os soldados arrancaram as lapides do cemitério para serem usadas em obras de fortificação, e, assim, desapareceu toda a possibilidade de identificação do túmulo de Kepler.

           Mais duradouro do que qualquer monumento destinado a perpetuar a memória do sábio foi o legado das suas descobertas. A vida de Kepler, tão cheia de esforços e dificuldades, pode sintetizar-se no provérbio latino: Per aspera ad astra. ("Através das dificuldades, a caminho das estrelas".)

          Como cristão, foi firme na sua crença. Ainda hoje se recorda esta oração, de que é autor:

          "Meu Deus, graças Vos sejam dadas por nos guiardes para a luz da Vossa glória pela luz da Natureza. Realizei a tarefa que me destes e regozijo-me na Vossa criação, cujas maravilhas me permitistes que revelasse aos homens. Amen."


 


 
 

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