Samurai X-Men

Capítulo 13: Corrida Contra o Tempo


Alvorecer do dia 1 de outubro do ano 11 da era Meiji (1878).

Alta madrugada. Faltava apenas uma hora para o amanhecer quando um morador de um distrito afastado de Tókio abre uma fresta da sua porta e cuidadosamente espia a rua. Uma voz feminina se faz ouvir no interior da casa:

- Está tudo calmo?

O homem ainda dá uma boa olhada nos dois lados da rua antes de responder:

- Acho que sim, graças a Kami-sama, parece que acabou.

Cautelosamente, o homem sai para a rua, logo a mulher o acompanha e juntos ficam a observar a rua vazia. No silêncio da madrugada, apenas os latidos esporádicos dos cães de rua se faziam ouvir.

- O que você acha que aconteceu? - perguntou a mulher agarrada ao braço do marido.

- Gangues. - respondeu o marido - Foi uma guerra de gangues. Duas facções rivais da Yakusa provavelmente.

- Eu quase morri de medo. Você ouviu o barulho, parecia uma batalha campal. Está vendo algum cadáver por aí?

- Não. Só pela manhã teremos uma idéia dos estragos. Mas não se preocupe, enquanto eu estiver aqui nada vai te acontecer.

Nesse exato momento uma figura vestida de negro contorna uma esquina e vem correndo a toda velocidade na direção do casal. Ao perceber a aproximação do estranho a mulher se põe a gritar como louca e se agarra ainda mais ao marido que mais apavorado ainda começa a gritar junto com a mulher.

E eles continuaram gritando quando Wolverine passou por eles como um raio, sem dar o menor sinal de ter notado a presença do casal.

Ele estava com muita pressa para dar atenção a quem quer que fosse. Já quase não sentia resquícios do envenenamento brutal a que fora submetido, mesmo assim já podia ser muito tarde. Enquanto corria, Logan pensava em Kaoru, Megumi e Yahiko e torcia para que Saitou e Chou pudessem segurar Dentes-de-Sabre ao menos até sua chegada.

 

Dentes-de-Sabre se encaminhou para o interior da casa. Ao passar pela porta lançou um rápido olhar na direção de Yahiko e Megumi que estavam no chão, desacordados. Com certeza num estado muito melhor do que Saitou, que jazia no pátio, à beira da morte com uma lâmina enterrada no abdome.

O ruído característico de uma espada saltando da bainha chamou sua atenção. Com um sorriso de antecipada satisfação o gigante canadense foi andando na direção do som.

No aposento contíguo, Kaoru Kamia segurava uma espada que pertencera a um dos policiais. Era com esforço que ela disfarçava o tremor nas mãos enquanto recuava lentamente, até sentir contra as costas o contato de uma parede. Victor Creed se aproximou até parar bem no meio da sala, a menos de cinco metros de Kaoru.

Naquele ambiente bem iluminado ela agora podia ver com clareza o rosto do assassino. De perto sua presença causava mais espanto ainda. Além do tamanho assustador eram os olhos que mais chamavam atenção: tinham uma fixidez maligna e perturbadora.

Foi com espanto que Kaoru constatou que já agora não havia sequer sinal do ferimento causado por Yahiko, tampouco do golpe certeiro de Saitou, que o havia empalado contra uma coluna.

- O que tu pretende fazer com esse troço? - perguntou Creed apontando para a espada que Kaoru segurava.

Kaoru segurou a arma com mais firmeza, seu cérebro trabalhava furiosamente, era preciso ganhar tempo.

- É tarde demais. - disse ela - Contei tudo o que eu ouvi. O plano de vocês está acabado.

O mutante cruzou os braços e começou a soltar um risinho de garganta.

- Ué. Eu podia jurar que ouvi tu dizer que tinha recém “lembrado de tudo” enquanto eu tava pendurado no poste. Será que me enganei?

Kaoru engoliu em seco. Era inútil continuar com aquela farsa. Creed se aproximou mais um passo.

- Pelo jeito não. - disse ele - Mas fica fria, no final, o resultado ia ser o mesmo.

Creed parou a menos de dois metros da jovem. Apesar de ter o adversário dentro do campo de ação de sua espada, ela não era capaz de fazer um movimento sequer. Já não fazia qualquer esforço para disfarçar a tremedeira e um suor frio e pegajoso escoria pelo rosto e começava a pingar no chão. Kaoru se limitava a olhar aqueles estranhos olhos fendidos, havia algo neles que parecia sugar toda sua força de vontade.

- Tive uma idéia, - continuou o mutante - depois de matar você e o moleque, vou levar aquela sua amiga comigo, ela vai dar um bom divertimento.

Aquelas palavras tiveram o efeito de uma chicotada. Num movimento desesperado, Kaoru cerrou os dentes e avançou. Sem se importar com nada além da própria sobrevivência e dos amigos golpeou horizontalmente, visando o abdome de Creed.

Mas sua espada foi detida no meio do caminho com um impacto que percorreu todo o seu corpo. Creed bloqueou o golpe com nada mais do que seu antebraço.

Aturdida pela súbita perda de equilíbrio Kaoru caiu de joelhos e se dobrou. O movimento brusco machucou suas costelas fraturadas. Ao vê-la no chão, Creed se limitou a rir como se aquilo fosse a coisa mais engraçada do mundo.

Para se erguer novamente a garota usou a espada como apoio, e ao olhar a lâmina verificou com espanto que ela estava amassada no local do choque. Creed ainda ria com gosto.

- Há, há, há, muito lento. Mas gostei de ver, tu tem coragem.

O espanto de Kaoru só não era maior que o medo. Ao olhar para o braço do mutante ela pôde ver nitidamente um corte onde seu golpe o acertara, cerca de dez centímetros abaixo do cotovelo. Quase não havia sangue, e em poucos segundos a ferida se fechou como que por encanto, não deixando o mais leve sinal. Kaoru olhou mais uma vez para a lâmina da espada, e em seguida encarou Creed.

- D-do que você é feito afinal?

A pergunta apenas serviu para aumentar o acesso de gargalhadas de Creed, que teve de fazer algum esforço para se conter.

- Ué. Aquele dedo-duro do Logan não te disse? De todos, ele é o mais idiota.

A menção do nome de Logan pegou Kaoru de surpresa.

- Onde ele está? - perguntou ela - O que você fez com ele?

- O que importa? Nem mesmo ele ia poder te salvar, cadela.

Com um grito Kaoru ergueu a espada acima da cabeça e investiu mais uma vez. Com enorme facilidade Creed se esquivou lateralmente ao mesmo tempo em que com uma mão agarrou o pulso da jovem. Se aproveitando do próprio impulso de Kaoru, Creed a lançou através do aposento com uma força espantosa.

Tudo o que Kaoru pôde fazer foi largar a espada e proteger a cabeça com os braços enquanto voava por quase dez metros. Sua sorte foi encontrar uma divisória shoji em seu caminho. Ao atravessar a frágil estrutura de madeira e papel, Kaoru desacelerou o suficiente para conseguir amortecer a queda com um habilidoso rolamento.

Mesmo assim ela não pôde evitar de se chocar com uma pilha de objetos que estava apoiada contra uma parede, eles vieram abaixo com estardalhaço, muitos caindo por cima de Kaoru. Ela tentou se levantar rápido, mas não conseguiu. A dor em suas costelas era agora quase insuportável, cada respiração equivalia a uma pontada aguda. Haviam novos cortes e hematomas nos seus braços e gosto de sangue em sua boca. Mas ainda estava viva.

Desesperada, Kaoru olhou em volta em busca de algo com que pudesse se defender. Foi com incredulidade que ela se deu conta de sobre o que tinha caído. As armas dos policiais mortos ou feridos no combate contra os ninjas se espalhavam a sua volta. Espadas, revólveres, fuzis e até algumas carabinas de repetição que não puderam ser transportadas junto com os feridos e tinham ficado trancados naquele aposento esperando por transporte.

De algum jeito ela tinha que aproveitar aquela oportunidade.

Os passos pesados do assassino se aproximaram. O impulso inicial de Kaoru foi pegar a primeira arma que estivesse a seu alcance, fazer pontaria na direção da entrada do quarto e puxar o gatilho assim que o visse entrando. Kaoru já se havia convencido de que na situação atual só restavam duas alternativas: Matar ou ser morta. Mesmo assim ela hesitou.

Ela tinha quase certeza de que mesmo se tivesse sucesso em conseguir disparar uma arma e acertar um tiro, nada garantia que isso desse resultado, já que nem o gatotsu de Saitou foi o bastante para deter aquele monstro.

Por outro lado, não havia outra alternativa, tinha que resistir até o fim, usando qualquer meio a sua disposição. É bem provável que se arrependesse muito depois caso conseguisse matá-lo, mas para isso tinha primeiro que sobreviver.

Enquanto todos estes pensamentos passavam por sua cabeça em frações de segundo, Kaoru apoiou as costas contra a parede e olhava de um lado para o outro, indecisa sobre que arma pegar. Até que seu olhar caiu sobre um revólver bem ao alcance da mão.

Com um pontapé, Creed acabou de derrubar a frágil divisória e entrou. Mas estacou mal havia dado um passo dentro do aposento. Para sua surpresa, viu Kaoru apanhar um grande revólver do chão, onde se espalhavam várias armas e apontá-lo direto para ele.

Victor Creed sorriu. Mesmo depois de ser arremessada daquele jeito, a jovem a sua frente não só tinha sobrevivido como ainda mantinha o espírito de luta intacto. Mesmo na situação em que estava, sentada no chão, provavelmente ferida, aquela garota agora o encarava como um animal selvagem encurralado. Era o tipo de presa que mais o excitava.

- Sabe usar essa coisa? - perguntou ele em tom de deboche.

- Se der mais um passo eu atiro.

- He, he, cuidado nenê, nunca te ensinaram que é perigoso brincar com armas de fogo?

- O único que corre perigo aqui é você!

Kaoru estava fazendo um esforço tremendo para manter a voz firme, mesmo segurando com as duas mãos, a arma parecia pesada e desajeitada. Ela nunca sequer tinha pegado uma arma daquelas em toda a sua vida, mas sabia o que fazer.

Creed por sua vez estava achando aquilo muito divertido. Sentia um prazer sádico em saber que poderia tirar a arma da mão dela a qualquer momento. Sabia também que mesmo que fosse alvejado, seu fator de cura mutante o curaria em questão de segundos. Acima de tudo, estava curioso para saber até que ponto ela podia chegar.

- E então? - zombou ele - Ta esperando o que? É quase impossível errar dessa distância.

- Não se mexa! Estou avisando.

- Escuta aqui presunto ambulante! - rosnou Creed - Se tu tivesse mesmo a intenção de atirar já teria mandado bala há muito tempo.

Kaoru engatilhou a arma.

- Ora! - espantou-se Creed - Parece que a vadia sabe o que está fazendo. Mas duvido que aperte o gatilho.

- Se duvida dê um passo a frente. - desafiou Kaoru, pondo todo o veneno que podia na voz e no olhar.

Creed parou de sorrir quando encarou os olhos dela, pareciam dois pontos flamejantes na semi-obscuridade do quarto. “Essa eu pago pra ver” pensou enquanto erguia um pé e dava um passo a frente.

CLIK!!!

Ao invés do som ensurdecedor, a fumaça e o impacto que Kaoru esperava, o som do percussor atingindo uma câmara vazia soou para ela como um dobre fúnebre.

Durante um breve momento os dois apenas se encararam, respirações contidas e músculos retesados. Até que com um suspiro Creed soltou o ar dos pulmões e começou a avançar lentamente pelo aposento. Seu sorriso cínico havia voltado.

- Que peninha. - disse ele - De todas as armas a tua volta tu foi escolher logo uma sem balas.

Como que despertando de um devaneio, Kaoru começou a engatilhar e acionar o gatilho do revólver desesperadamente. Houve cinco cliques antes de Dentes-de-Sabre chegar perto o suficiente para tirar a arma das mãos de Kaoru e atirá-la com descaso por sobre o ombro.

- Chega de palhaçada, guria. - em seguida ele a segurou pela gola do kimono e a ergueu do chão com facilidade, até ficarem com os rostos no mesmo nível - Tenho que admitir que tu tem mais coragem que muito macho por aí, mas só isso não vai me impedir te matar.

O mutante passava suavemente o dorso de uma de suas garras pelo rosto de Kaoru que se limitava a encará-lo com um olhar cheio de ódio. Em seguida ela começou a se debater e golpear com os pés e punhos, mas logo desistiu. Além de não surtir nenhum efeito, sua agitação serviu apenas para piorar a dor nos braços e costelas. Dentes-de-Sabre esperou pacientemente até Kaoru se acalmar, e então ergueu seu queixo a obrigando a encará-lo nos olhos.

- Hora de morrer.

- ....

- Que foi? O gato comeu tua língua? Perdeu a coragem?

- Sabe de uma coisa?

- Humm? O que?

- De perto você é mais feio ainda

- Há, Há, Há. É isso aí. Gostei de ver, ferroando até o fim.

Dentes-de-Sabre ergueu a mão livre. Suas garras relampejaram. Kaoru fechou os olhos e esperou pelo golpe. De algum jeito tentou se preparar para o que estava por vir. Serenar o espírito. Se desapegar de tudo. Mas era inútil. A culpa do que poderia acontecer com Yahiko e Megumi, do que tinha acontecido com Saitou e todos os policiais que morreram... Enfim, de toda aquela situação a atormentava.

Mas também, ela sentiu uma tristeza avassaladora ao se dar conta de que morreria sem ter conseguido fazer muita coisa:

Reerguer o dojô e o estilo Kamiya Kashin.

Ver Yahiko, a quem considerava quase um filho crescer e se tornar um homem de valor.

Fazer as pazes definitivamente com Megumi.

Implicar com Sanosuke.

Rever novamente Misao, de preferência se dando bem com Aoshi.

Comer doces, ver as flores de cerejeira da próxima primavera.

Coisas importantes, coisas fúteis, ela se entristeceu por ter que deixar tudo isso. Mas o que mais doía na verdade, o que realmente importava, era partir sem ter dito três simples palavras a alguém muito especial.

“Eu te amo Kenshin.”

Durante segundos que pareceram durar uma eternidade, Kaoru manteve os olhos cerrados e o pensamento firme em Kenshin Himura.

Mas o golpe fatal não veio.

Fazendo um esforço quase sobre-humano para retornar da beira do abismo, Kaoru entreabriu os olhos.

Dente-de-Sabre havia virado a cabeça e olhava por cima do ombro. Ele farejava o ar como um cão perdigueiro. Muito confusa, Kaoru apenas observava, sem saber o que aquilo poderia significar.

O assassino reconheceu o cheiro imediatamente. Victor Creed fechou a cara. Ao que tudo indicava as coisas não tinham saído exatamente como ele havia planejado.

A questão era: O que fazer agora?

Podia muito bem cumprir com seu objetivo e escapar facilmente, havia tempo para isso. No entanto, aquela também era uma ótima oportunidade para se divertir mais um pouco, ele tinha feito por merecer.

Ainda olhando por sobre o ombro, o mutante refletiu por alguns momentos sobre as suas alternativas, até que se virou novamente para Kaoru com um sorriso perverso no rosto.

- Temos visita. - disse ele - Vem gatinha. Vamos dar as boas vindas.

Ainda segurando Kaoru facilmente a uma boa altura do chão, Dentes-de-Sabre se encaminhou para a parte da frente da casa.

Kaoru se deixou levar em silêncio. Ainda um pouco atordoada, ela lutava pra pôr as idéias em ordem. Se ela ouviu bem, o assassino havia dito que alguém estava chegando. Na sua cabeça essa pessoa só poderia ser uma:

- Kenshin!!!

Dentes-de-Sabre apenas sorriu e não disse nada.

Só podia ser ele. Tinha que ser ele. Rompendo de vez o estupor, a vida voltou a pulsar com força em suas veias. Sentiu o corpo aquecer, e nesse estado de espírito, até a dor dos ferimentos foi bem vinda. Era também uma prova de que ela estava viva, de que queria viver. Reprimindo com esforço as lágrimas de alegria, Kaoru se permitiu ter mais uma vez esperanças. “Como fui tola!” - pensou - “Devia saber que Kenshin nunnca iria me abandonar.”

Por sua vez Dentes-de-Sabre já imaginava com prazer o que estava por vir. “Não há nada de mal em um pouco de diversão” - pensou ele - “Afinal, eu to com a faca e o queijo na mão mesmo.”

Assim, os dois passaram pela sala da frente, onde Megumi e Yahiko ainda permaneciam desacordados. Kaoru lançou um olhar preocupado para eles antes de ser carregada para a varanda. Lá os dois pararam. As tochas que iluminavam o pátio já estavam quase apagadas, mas ao leste, uma claridade difusa anunciava que a aurora não tardaria a chegar.

Kaoru recebeu com indiferença a brisa fria e o orvalho da madrugada. Seu olhar se deteve por alguns segundos sobre Saitou que jazia imóvel perto dali antes de fixar com expectativa no portão de entrada.

Dentes-de-Sabre notou a agitação da garota. Chegou a cogitar em revelar a identidade de quem estava chegando, mas isso ia estragar a surpresa.

- Aí vem ele. - disse Creed - Atrasado como sempre.

Sem dar importância às últimas palavras do assassino, Kaoru se limitava a olhar para o portão, esperando que a qualquer segundo Kenshin irrompesse por ele como um anjo salvador. Seu coração quase saiu pela boca quando o som de passadas aceleradas chegou aos seus ouvidos.

Porém, no momento seguinte, o mesmo coração quase parou. Kaoru teve a sensação de que caía num precipício. A mente em vão tentava negar o que seus olhos viam.

Ao invés de Kenshin, um homem vestido de preto entrou correndo pelo portão e freou derrapando no caminho de cascalho que levava à casa. Mesmo sob a luz imprecisa do amanhecer e das tochas quase apagadas, Kaoru o reconheceu imediatamente.

- L-Logan?!

 

A uma distância razoável dali, Sanosuke observava atônito, a luta de Kenshin contra os ninjas. Como que hipnotizado, Sano se viu de repente reduzido ao papel de expectador. Ele tinha certeza absoluta de que só atrapalharia se resolvesse se meter.

Do grupo numeroso que os cercava, só restava um punhado. Desde que Kenshin julgou ver Logan os observando de cima de um telhado, ocorreu uma transformação assustadora em seu comportamento.

Desse momento em diante, Kenshin começou a lutar com uma fúria poucas vezes vista por Sanosuke. Se movendo numa velocidade atordoante, ele foi derrubando os adversários como se fossem peças de dominó. Os golpes eram tão violentos que quebravam espadas, lanças, ossos, rompiam articulações ou esmigalhavam músculos e tendões. Os poucos oponentes que não caíam inconscientes, se espalhavam pela rua gemendo e se contorcendo de dor.

Kenshin por sua vez parecia não se importar nem um pouco com a integridade física dos adversários e continuava atacando impiedosamente. Seus olhos tinham assumido aquele brilho frio e implacável que só surgia nos momentos em que a personalidade de Battousai - que a tanto custo mantinha sob controle - começava a emergir do fundo da sua alma. Neste estado de espírito, Kenshin chegou ao ponto de quase esquecer por que lutava.

E este ímpeto selvagem só foi refreado quando Kenshin percebeu que restavam poucos inimigos. Um pouco assustado com a força desproporcional que tinha usado, Kenshin se repreendeu por ter se deixado levar pela fúria.

O espadachim estava agora frente a frente com os sete últimos ninjas. Shiro estava entre eles e considerava seriamente a possibilidade de virar as costas e fugir. Nunca em toda a sua vida tinha testemunhado tamanha habilidade por parte de um espadachim. “Então essa é a força de Battousai o Retalhador?” - pensou com um calafrio - “Se ele estivesse usando uma espada normal...”. No entanto, ao invés de atacar, Kenshin abaixou a sakabatou e se dirigiu ao grupo:

- Este é o último aviso. Saiam do caminho. Eu.... Este servo não vai persegui-los.

Com um suspiro de alívio, Sanosuke se aproximou de Kenshin. Era bom vê-lo retomando o controle mais uma vez.

- Vocês ouviram! - gritou ele - Caiam fora se não quiseram acabar como os seus comparsas.

Os ninjas nada disseram, apenas se mantiveram em guarda, impassíveis. Shiro no entanto, já havia tomado uma decisão. A situação se tornara insustentável. Tudo o que poderiam fazer era fugir e torcer para que a distração que proporcionaram tenha dado a Dentes-de-Sabre tempo suficiente para que pudesse cumprir a missão.

Shiro já ia dar um comando silencioso aos outros quando o som de passadas apressadas se fez ouvir às suas costas. Rapidamente os ninjas assumiram uma formação circular para lidar com a situação.

Kenshin e Sanosuke também ouviram os passos e observavam a rua além dos ninjas com expectativa. Logo uma figura vestida de vermelho surgiu. Ao enxergar o agrupamento, o homem de cabelos espetados parou abruptamente.

Era Chou.

- Ufa! Até que enfim. - disse ele enquanto apoiava as mãos sobre os joelhos e procurava retomar o fôlego - Achei que não ia alcançar vocês nunca. - em seguida lançou um olhar guloso para o grupo de ninjas - Hummm, pelo jeito fizeram a gentileza de deixar uns peixinhos pra mim.

- Chou?! - espantou-se Sanosuke - O que ce ta fazendo por aqui ô cabeça de vassoura?

- CUIDADO!!! - gritou Kenshin.

Obedecendo a um único gesto de Shiro, os ninjas executaram um movimento rápido e sincronizado. Retiraram pequenos objetos de dentro das vestes e os atiraram no chão. Sete explosões simultâneas se fizeram ouvir.

Instintivamente Chou, Kenshin e Sano saltaram para trás. Quase simultaneamente às explosões, uma densa nuvem de fumaça se ergueu e tomou conta de toda a rua.

- Não se preocupem! - gritou Kenshin em meio à fumaça branca - Não é tóxica, isso é apenas uma distração.

A brisa da madrugada se encarregou de dissipar a fumaça rapidamente, apesar de não ser tóxica, ela tinha um forte cheiro de enxofre e magnésio e provocou acessos de tosse principalmente em Sano e Chou. Quando a fumaça se dissipou por completo, os três se encontravam no lugar anteriormente ocupado pelos ninjas do Tentáculo. Não havia nem sombra deles agora.

- Aqueles salafrários! - esbravejou Chou enquanto embainhava uma espada que tinha tomado de um ninja - Eu estava doido pra testar a lâmina dessa espada neles.

Kenshin se virou na direção de um grande barracão e apontou.

- Eles estão nos observando de cima daquele depósito.

- Oba, - disse Chou enquanto já se dirigia para lá - esperem aqui um instante enquanto vou bater um papinho com eles.

Sem mais nem menos, Kenshin embainhou a espada e se colocou no caminho de Chou.

- Esqueça-os! - disse brusco - O que você está fazendo aqui?

- Isso mesmo. - ecoou Sanosuke - Você não devia estar ajudando a proteger a Kaoru e os outros?

Chou suspirou e pôs as duas mãos na cintura.

- Ei! Isso é jeito de tratar um cara trazendo boas notícias.

Os olhos de Kenshin relampejaram.

- Fale de uma vez!

Chou teve que engolir em seco ao encarar os olhos de Kenshin. Para disfarçar desviou o olhar e tossiu mais uma vez antes de responder em tom queixoso.

- Poxa! Eu estou do seu lado. Eu corri como louco atrás de vocês pra avisar que está tudo acabado por hoje.

- Como assim? - impacientou-se Sanosuke - Quer falar claro, seu porco espinho oxigenado.

O ex-membro da jupongatana já ia começar mais uma discussão infrutífera com Sanosuke, mas bastou mais um olhar pra cara de Kenshin para mudar de idéia e ir logo direto ao assunto.

- Enquanto vocês se divertiam por aqui, - começou fazendo um gesto que abrangia a área em volta, onde se espalhavam dezenas de ninjas desacordados ou feridos demais para se levantarem - nós rechaçamos o ataque principal contra a casa. Demos uma surra naqueles trastes e os botamos pra correr.

- E com estão nosso amigos? - perguntou Sanosuke sôfrego - Tudo bem com eles?

- Relaxa crista de galo. - Chou exibiu um sorriso zombeteiro - Até a hora que eu saí estavam todos bem. Os ninjas não conseguiram chegar nem perto deles.

Longe de ficar tranqüilo com o que ouvira, Kenshin avançou e agarrou Chou pela gola. Sua voz tinha um tom urgente:

- E o Logan? Onde ele está? Vamos responda!

Intimidado e confuso pela veemência da pergunta, Chou teve que responder da melhor maneira que podia.

- N-não sei. Ele desapareceu pouco depois da meia noite, não vimos nem sombra dele ou do tal de Dentes-de-Sabre.

Ao ouvir isso, Kenshin arregalou os olhos. Largou Chou e fez menção de disparar a correr sem mais nem menos. Sanosuke porém, o deteve segurando sua manga. Já fazia algum tempo que ele não conseguia entender as atitudes estranhas do amigo.

- O que ta pegando Kenshin? - perguntou Sano preocupado - O Chou ta dizendo que ta tudo bem por lá! E porque a preocupação com o gaijin baixinho de repente? Isso não faz sentido.

Kenshin olhou por cima do ombro e encarou o amigo.

- Era ele Sano! Foi ele que eu vi em cima de um telhado naquela hora em que você me salvou!

- Ele quem droga!

- LOGAN! E ELE ESTAVA VESTIDO DE NINJA!

Em seguida, Kenshin se livrou de Sano e disparou pela rua escura levantando uma pequena nuvem de poeira.

Sanosuke ficou onde estava, sem reação, como que em estado de choque. Chou, que estava ao seu lado, tinha a mesma expressão vazia no rosto.

Sem nenhuma combinação prévia os dois se encararam. Como que por obra de um elo telepático ambos fecharam a cara e cerraram os punhos. Perfeitamente sintonizados, acenaram um para o outro e dispararam rua afora.

Teriam que correr muito para alcançar Kenshin.

 

Shiro e os seis ninjas restantes estavam deitados de bruços sobre um telhado próximo e observaram Sano e Chou até que tivessem desaparecido. Em seguida um deles lançou uma pergunta em voz baixa:

- Foi impressão minha ou Battousai apontou para nossa direção?

- Eu também vi. - disse outro - Tive a nítida sensação de que ele sabia onde estávamos. Meu sangue gelou nas veias.

Depois de um desconfortável intervalo, outro ninja comentou.

- Vocês viram os olhos dele durante a luta? Parecia um demônio!

- É verdade. - confirmou o colega ao lado estremecendo perceptivelmente - Mas ele não estava assim antes, o que teria provocado a mudança em Battousai?

- Até o companheiro dele se surpreendeu. - comentou outro ninja - Por falar nisso ele também não era nada fraco. Vi alguns homens voarem mais de dez metros depois de serem golpeados por ele.

- Vocês reconheceram aquele de cabelos espetados que chegou por último? - perguntou outro.

- O nome dele era Chou. - respondeu Shiro - Ex-membro da Jupongatana.

Exclamações abafadas de espanto se fizeram ouvir em meio ao grupo, ao que tudo indicava todos já tinham ouvido falar de Chou.

- Será que o gaijin já matou a moça? - perguntou o primeiro ninja que tinha falado

- Espero que sim. - disse Shiro - Ou todo o nosso esforço terá sido em vão.

- Outra coisa me preocupa Shiro-san. O que houve com o terceiro grupo? Pelo que eu entendi, o gaijin os tinha designado para emboscar um único homem. Porque o exagero? E onde eles estão? Deviam ter se juntado a nós há muito tempo.

- Eu sei tanto quanto vocês. - respondeu Shiro com impaciência - Agora se calem, eu preciso pensar.

Shiro se concentrou por alguns momentos. Sua cabeça estava a mil, havia ainda muito que fazer até considerar aquela missão terminada.

- Agora ouçam. - disse ele depois de um tempo e se erguendo - Temos que agir rápido.

Shiro deu as ordens. Rapidamente os homens se espalharam para cumpri-las.

Um deles foi despachado imediatamente para o Q. G. do Tentáculo para relatar os acontecimentos recentes.

Outro foi destacado para averiguar a situação do grupo que tinha por missão emboscar o misterioso homem chamado Logan e de lá deveria partir para a base.

Shiro e os quatro restantes se encarregaram da “limpeza”. Enquanto os demais se ocupavam de recolher rapidamente as armas e equipamentos espalhados, Shiro se encarregou pessoalmente de ir de ferido em ferido e aplicar em cada um, sem exceções, um único golpe de adaga. Direto no coração.

Enquanto morriam sem soltar um único gemido, nenhum dos ninjas que estava consciente protestou ou tentou resistir, calmamente soltavam seu último suspiro e logo depois evaporavam deixando para trás apenas as roupas e um desagradável cheiro de enxofre no ar. Todos eles sabiam que não havia misericórdia para homens derrotados e feridos no Tentáculo.

Depois de até mesmo ter recolhido as roupas dos mortos, Shiro despachou os homens de volta para a base. Apesar de carregarem pesados fardos às costas, se moviam com a agilidade e a sutileza de sombras.

Shiro por sua vez, se deixou ficar onde estava até vê-los desaparecer. Logo em seguida se virou e começou a correr na direção contrária, enveredou pelo caminho que o levaria de volta para o casarão. Para ele coube a tarefa mais arriscada. Testemunhar se Dentes-de-Sabre teve ou não sucesso.

 

A corrida de Wolverine estava quase no fim. Logan acelerou como um corredor que dá a arrancada final antes da linha de chegada. Mas neste caso o prêmio podia ser muito amargo.

Ele já podia ver o muro e os portões, a entrada aberta e a ausência dos policiais era outro mau sinal. Um clarão rubro no horizonte indicava que o sol não tardaria a nascer. Como estava se aproximando a favor do vento, não fazia sentido entrar sorrateiramente. Temendo já ser tarde demais, Logan passou a toda velocidade pelos portões escancarados.

O que viu quando entrou no pátio o fez parar abruptamente, sentindo uma estranha mistura de alívio e preocupação.

Kaoru estava viva!

Em poder de Dentes-de-Sabre, mas viva.

- L-Logan?!

Kaoru o encarava com uma mistura de incredulidade e tristeza no rosto. Num átimo Logan se deu conta de que ainda vestia as roupas de ninja. Ela provavelmente estava tendo idéias erradas.

Antes que Logan pudesse dar qualquer explicação ou palavra de conforto, a voz cavernosa Victor Creed se fez ouvir.

- Irashai-masse[1] anão-san. Estávamos à tua espera.

Logan apertou os olhos e dirigiu um olhar assassino para Creed. Era óbvio agora que Kaoru só estava viva por um capricho dele. Ele queria se divertir às suas custas antes de matá-la. Ainda arfando pelo esforço da corrida, Logan sentiu o velho e arraigado ódio crescer dentro dele com força total. Finalmente estava frente a frente com seu pior e mais antigo inimigo.


Comentários:

Posso dizer com certeza que este capítulo é para mim um marco importante no andamento deste fanfic. Eu havia escrito a versão original há mais de um ano atrás, mas as conseqüências dos eventos que eu tinha imaginado a princípio, acabaram me levando a um beco sem saída. A história tinha tomado um rumo que não me agradava, e esse era o preço que eu paguei por não ter planejado melhor no começo.

Só me restou uma alternativa. Praticamente reescrever tudo, desde o cap. 9. No entanto era difícil para mim me desfazer de algumas seqüências e diálogos de que havia gostado. Mas logo vi que é muito mais difícil enxertar essas partes num novo contexto do que simplesmente reescrever tudo desde o começo. Isso me custou muito tempo e dores de cabeça.

Mas valeu a pena, graças a essa “reforma”, o meu interesse pelo fic, que andava meio morno, voltou a esquentar. E as mudanças que fiz, me deram a inspiração para imaginar um final bem mais interessante do que o que eu tinha imaginado a princípio.

Dito isto, vamos a este capítulo em questão. Como o próprio título sugere tudo gira em torno de uma corrida desesperada para salvar Kaoru das mãos de Dentes-de-Sabre. Mas de jeito nenhum minha intenção foi a de retratar a mestra do estilo Kashim como uma pobre donzela em perigo. Tentei fazer ela o mais “durona” possível, com certeza se o adversário não fosse quem fosse ela teria sim uma possibilidade real de sobreviver sem contar com a ajuda de ninguém.

Um ponto que rendeu muitos ajustes e reformulações foi com certeza aquela parte em que ela pega uma arma. Cheguei a mencionar que o pai dela havia dado algumas aulas de tiro quando ela era criança. Felizmente tirei isso fora. Mesmo assim ficou estranho. Uma mestra espadachim pegando um revólver?! É bem provável que ela nem saberia como usar um. Apesar disso, rendeu uma seqüência boa, minha intenção era mostrar o quanto Kaoru estava determinada em sobreviver e ao mesmo tempo dar suporte ao desfecho do capítulo seguinte.

Ficou bem claro que Kenshin e os outros acham que Logan é na verdade um agente do Tentáculo, talvez até o próprio assassino que visa à vida de Kaoru. Este mal entendido é bem compreensível se levarmos em conta alguns fatos: a desconfiança inicial que Logan gerou no grupo; seu súbito desaparecimento pouco antes do ataque dos ninjas; e principalmente devido àquele momento em que se deixou ver por Kenshin, vestido de ninja e se dirigindo para o local onde Kaoru estava. Esta situação só vai se resolver no próximo episódio.

Na seqüência: Mutante contra mutante. O sangue vai jorrar, e Wolverine terá pela frente uma difícil escolha.

Quero agradecer mais uma vez a incomparável Juli-chan por revisar este capítulo e me ajudar com algumas sugestões. Valeu mesmo.

Domo arigatou gozaimashita a todos e gomen nasai pelo longo comentário.

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[1] Irashai-masse - Seja bem vindo.

Capítulo 14

Capítulo 12

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