A Figura de D. João VI - O Clemente
Condensado
da figura de D. João VI por A.H. de Oliveira Marques
Veja este site também em
http://es.geocities.com/atoleiros e um resumo em
http://historiadeportugal.blogspot.com
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D. João VI
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- D. João VI
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- Segundo filho
de D. Maria I e de D. Pedro III, o futuro D. João VI - João Maria José
Francisco Xavier de Paula Luís António Domingos Rafael - nasceu no Palácio
Real da Ajuda, perto de Lisboa - o chamado "Paço Velho" -, a
13 de Maio de 1767. Foi seu padrinho de baptismo, por procuração, o
rei de França, Luís XV.
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- Teve vários
irmãos, José, outro João, Mariana Vitória, Clementina e Isabel, três
dos quais morreram de tenra idade. De seu irmão
mais velho, José, herdeiro da Coroa, fazia quase seis anos de diferença.
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- De sua irmã mais nova, Mariana Vitória Josefa, de quem o separavam ano
e meio apenas, poderia ter sido companheiro de infância, não fora a
diferença de sexos, sempre importante, e muito mais numa época de
preconceitos e etiquetas que enquadravam a nobreza em geral e a Corte em
particular.
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- Conhece-se pouco
da sua educação a qual, embora menos cuidada do que a do herdeiro da
Coroa, parece ter sido regular para um príncipe filho segundo da
época: teve como professores de Letras e Ciências o afamado
franciscano D. Frei Manuel do Cenáculo, António Domingues do Paço
e o
matemático Miguel Franzini, como professores de Música o organista
João Cordeiro da Silva e o compositor João de Sousa Carvalho, ambos de
nível e, como mestre de Equitação, o sargento-mor Carlos António
Ferreira Monte.
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- Do aproveitamento
sabe-se ainda menos. Os testemunhos mais credíveis sugerem pouca
inclinação quer para Letras quer para Ciências. Redigiu sempre mal,
com erros de ortografia e de sintaxe. A sua corte, quando regente e
quando rei, jamais se mostrou um centro de cultura, como tantas outras
do tempo.
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- Em compensação,
todas as fontes indicam um grande apreço pela música, nomeadamente
pela música sacra. Também se deleitava com cerimónias eclesiásticas,
habituado aliás como estava pela tradição de uma corte devota e
frequentadora amiudada de igrejas, procissões e eventos religiosos de
qualquer tipo. Serviram-lhe igualmente as lições de picaria já que,
pelo menos até ser trintão, caçava a cavalo com regularidade e gosto.
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- Todos os
testemunhos coincidem em o definir como indolente, timorato e indeciso,
ainda que muitos exemplos de "indecisão" se pudessem antes
considerar actos de ponderação e de prudência. De inteligência
média, não descurava os assuntos de Estado, propendendo para um
autoritarismo e um intervencionismo aliás mais teóricos do que
práticos, dado que muitos assuntos se mostravam complexos de mais para
a sua capacidade e que, por timidez, excesso de confiança, ou falta de
interesse, questionava pouco ministros e servidores.
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- Era, no entanto,
desconfiado por natureza, jamais concedendo valimento pleno a uma só
pessoa. Mantinha estabilidade sem exageros. Se distinguiu claramente com
a sua preferência alguns secretários de Estado - como, numa primeira
fase, Luís Pinto de Sousa Coutinho, o marquês de Ponte de Lima ou o
marquês de Aguiar e, numa segunda, o conde de Subserra ou o
marquês de
Loulé - nunca teve à frente dos negócios do Estado um Pombal ou um Metternich como primeiros-ministros únicos e indisputados, gozando da
confiança cega do seu monarca.
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- Esta
desconfiança alargou-se até aos confessores, de que mudou várias
vezes embora atendo-se aos Franciscanos arrábidos, e aos íntimos da
casa civil e militar. De aspecto era
incontestavelmente feio, acentuando-se a fealdade com o aumento dos anos
e com o acréscimo de gordura. Médio na estatura, podia ser considerado
obeso, flácido, cuidando pouco da aparência, vestindo-se mal e sem
elegância.
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- Comia muito. Todos, no entanto, se referem à sua bondade e ao seu afastamento
de condutas extremas. No seu governo houve a registar poucas
perseguições e poucas execuções, em contraste com os reinados do seu
avô ou de seus filhos. Até os Liberais o respeitaram e apreciaram.
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Vila Viçosa |
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Durante este seu
primeiro governo em terras portuguesas, o príncipe D. João e a sua família
mostraram-se, em geral, sedentários. Para além de uma viagem a
Badajoz, em Janeiro de 1796, onde o príncipe se encontrou com Carlos IV
de Espanha, as excursões mais distantes limitaram-se a uma ida a Vila
Viçosa, em finais de 1805, onde se demorou algum tempo por razões de
saúde, e a uns passeios a Samora Correia e a Salvaterra de Magos, Tejo
acima.
No mais, o príncipe e a Corte oscilavam entre
Lisboa, Queluz e
Mafra, permanecendo meses sem de lá saírem. Até Novembro de 1794, a
residência oficial do príncipe foi o Paço da Ajuda (então, arredores
de Lisboa), edifício em madeira, improvisado desde o terramoto de 1755
e que veio a arder totalmente naquele mês e ano. Como segunda residência
havia o Palácio de Queluz, muito frequentado também.
A partir de
Novembro de 1794, deixou de existir em Lisboa um paço real em condições.
As obras do novo Palácio da Ajuda, iniciadas em 1795, suspensas tempos
depois e só recomeçadas em 1802, arrastaram-se. O chamado "Paço
da Rainha", à Bemposta (Lisboa), onde às vezes o príncipe
estacionava, tinha poucas condições de habitabilidade real. O mesmo
sucedia com os palácios das Necessidades e de Belém.
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Palácio de Queluz
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- Queluz tornou-se,
assim, a sede habitual da Corte. Desde começos do novo século, Mafra
passou a ser visitada cada vez mais. No Outono de 1805, após a
descoberta da conspiração dos nobres e da rainha, o Regente, paranóico
e emocionalmente perturbado, abandonou Queluz, instalando-se em
Mafra
nos começos do ano seguinte e convertendo o palácio-convento em residência
por assim dizer oficial até à partida para o Brasil.
Para além das
reuniões com os ministros, o príncipe D. João dava audiências públicas
uma vez por semana de manhã, onde recebia e tratava bondosamente todos
aqueles que o procuravam. Aos sábados, dava audiências particulares à
fidalguia.
De quando em vez, reunia e escutava o
Conselho de Estado,
composto pelo cardeal-patriarca de Lisboa e por um número variável de
titulares e de validos, oscilando entre as dez e as catorze pessoas.
Podia ainda dar beija-mão em dias de grande gala (festas eclesiásticas,
aniversários da real família), que os havia em número de treze ao
longo do ano.
O pessoal na sua
dependência incluía gentis-homens da Câmara, guarda-roupas, moços da
Câmara, reposteiros, servidores da toalha, guardas reais, médicos,
cirurgiões e outros, num total de umas duas centenas de pessoas.
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Carlota Joaquina |
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- 2. D. João
viu-se projectado na ribalta política mesmo antes da morte de seu irmão
mais velho (1788). A ausência de filhos após vários anos de matrimónio
do príncipe D. José com a sua tia Maria Benedita, devida quer à
esterilidade de qualquer deles quer ao pouco interesse sexual entre
ambos, levou o governo de D. Maria I a preocupar-se com a sucessão da
Coroa e com o casamento do filho segundo, considerado um virtual
herdeiro do trono.
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- O casamento
em Espanha, no prosseguimento da política de aproximação com o país
vizinho que timbrou o governo mariano, foi julgado o mais conveniente.
João, com 18 anos, viu-se consorciado com a pequenina Carlota
Joaquina, de 10, filha do rei Carlos IV de Espanha.
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- A criança
era viva, má e vingativa, sem nunca perder em esperteza e determinação.
O casamento só foi consumado cinco anos depois e as dissensões entre
o casal não tardaram a surgir, avolumando-se com o tempo.
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- Apesar de
tudo, João e Carlota Joaquina cumpriram o seu dever, gerando quase
uma dezena de infantes durante treze anos (1793-1806), embora o
desprezo e o ódio crescentes e mútuos levassem a suspeitar e a dizer
que os filhos nascidos após 1801 só eram da rainha.
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- De facto,
Carlota Joaquina, mau grado a sua fealdade, ganhou fama de leviana e
adúltera, variando aliás as paixões que ia sentindo por alguns que
a rodeavam ou que encontrava. (Os métodos científicos actuais
poderiam, eventualmente, resolver de uma vez por todas esta questão
que tem feito correr tanta tinta).
A
separação de facto entre D. João e Carlota Joaquina criou graves
problemas não só pessoais mas também políticos. Os cônjuges
passaram a viver em palácios separados e a encontrar-se raras vezes.
Tanto ela como ele encararam a ideia de um regresso a Espanha ou de um
desterro para fora de Lisboa que viria, aliás, a consumar-se embora
durante curtos prazos.
Pior do que
tudo, porém, foram os projectos políticos diferentes que cada qual
acarinhou, pondo em perigo interesses nacionais e levando a
conspirações, assassinatos, golpes de Estado e até guerras civis. A
união matrimonial com Carlota Joaquina foi, sem dúvida, um
acontecimento nefasto na vida de D. João VI e a frenética actividade
da princesa um facto deplorável na história de Portugal do tempo.
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D. Miguel I |
- Dos nove
filhos do casamento - Maria Teresa (1793), António (1795), Maria
Isabel (1797), Pedro (1798), Maria Francisca (1800), Isabel Maria
(1801), Miguel (1802), Maria da Assunção (1805) e Ana de Jesus Maria
(1806) - só um, D. António, morreu em criança. Três das raparigas
ligaram-se matrimonialmente à família real espanhola onde exerceram
alguma influência, uma casou com o 2.º marquês de Loulé e duas
ficaram solteiras.
Pedro e
Miguel foram, como se sabe, soberanos no Brasil e em Portugal. As
fontes sugerem, se não uma família feliz, dadas as desavenças entre
pai e mãe, pelo menos muito afecto entre pais e filhos na infância e
adolescência destes. Também os irmão se estimavam, até aos
"desatinos do mano Miguel", como desabafava Pedro em carta a
seu pai.
Os
acontecimentos mais tardios, se confirmam a ligação entre D. Pedro e
D. João VI até ao fim, revelam em contrapartida um afastamento
gradual entre o rei e D. Miguel e uma aproximação maior entre este
último e sua mãe.
Apesar de
pacato e comedido, atribuíram-se a D. João algumas aventuras
amorosas fora do casamento. A mais grave respeitaria a D. Eugénia
José de Meneses, dama da Casa de D. Carlota Joaquina, que o príncipe
teria engravidado em começos de 1803, fazendo-a depois raptar e levar
para o estrangeiro pelo seu médico e confidente, Dr. João Francisco
de Oliveira. Destes "amores" resultou uma filha.
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- 3. Se,
desde pelo menos 1785, o príncipe D. João começou a ser encarado
como futuro herdeiro da Coroa e, consequentemente, com maior atenção
por parte de todos, foi no entanto a morte inesperada de seu irmão
mais velho, em 11 de Setembro de 1788, que o projectou na cena política
nacional e internacional.
Durante quatro anos, João gozou das honras
e dos deveres da primogenitura sendo, com probabilidade, iniciado a
pouco e pouco em tarefas governativas. Já adulto, terá acaso mudado
alguns hábitos de juventude para cumprir eventuais obrigações como
futuro rei. Foi-lhe instituída uma Casa própria, com catorze
gentis-homens da Câmara, onde se contavam alguns dos representantes
da maior nobreza do País, sendo dois marqueses, oito condes e quatro
outros não titulares.
Além destes, achavam-se sob as suas ordens
directas ou ao seu serviço guarda-roupas, médicos, cirurgiões, um
confessor próprio, etc. Algumas instituições pensaram na sua pessoa
como protector, como sucedeu talvez com a própria Maçonaria, então
em fase de pré-estruturação.
O príncipe
fundou, em 1791, o Seminário de Cernache do Bonjardim (Sertã), com
inauguração dos trabalhos escolares no mesmo ano. A
partir de Outubro de 1791, com antecedentes remontando à morte do
filho primogénito, três anos atrás, a rainha D. Maria I começou a
sofrer ataques demorados de perturbação mental.
Estes ataques
amiudaram-se nos meses seguintes e, em finais de Janeiro de 1792, um
estado de completa loucura declarou-se na soberana. Após parecer de
uma junta médica, o governo solicitou ao príncipe D. João, em 10 de
Fevereiro, que assumisse a direcção da administração do Reino. O
príncipe anuiu, por despacho do mesmo dia, iniciando assim um longo
governo de trinta e quatro anos.
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4.
A soberania de D. João articulou-se em quatro grandes fases, todas
elas bem definidas e bem separadas umas das outras. A primeira, de
1792 a 1807, desenrolou-se em Portugal e sob a égide do chamado
despotismo esclarecido. A segunda, de 1808 a 1821, teve lugar no
Brasil, convertido em metrópole. A terceira, de 1821 a 1823,
correspondeu ao Vintismo, à primeira experiência liberal e à
consequente independência do Brasil.
Finalmente a quarta, de 1823 a
1826, significou o regresso ao absolutismo e a um tentativa impossível
de restaurar o antigo sistema em toda a sua pureza. Em todas elas D.
João, quer como príncipe quer como rei, foi sempre o protagonista
principal, o centro das grandes atenções, o eixo em torno do qual
girou toda a história do País, mau grado a importância conjuntural
de ministros, embaixadores e outros representantes estrangeiros,
Cortes e deputados, a sua mulher Carlota Joaquina e seus filhos Pedro
e Miguel.
Durante
sete anos, D. João - como herdeiro da Coroa, Príncipe do Brasil -,
governou Portugal em nome de D. Maria I. Perdidas todas as esperanças
de recuperação da saúde da rainha, D. João aceitou, em 15 de Julho
de 1799, o título de Príncipe Regente. Mas a mudança de governante
não correspondeu a qualquer alteração no governo.
Os ministros só
pontualmente foram sendo substituídos. Os quatro existentes à data
do enlouquecimento da soberana mantiveram-se em funções, saindo
apenas um - Martinho de Melo e Castro - e por morte, em 1795. Em 1799
foi demitido um segundo, José de Seabra da Silva.
Os outros dois, o
marquês de Ponte de Lima e Luís Pinto de Sousa Coutinho só
abandonaram funções em 1800 e 1804, respectivamente, e o primeiro
uma vez mais por falecimento. Assim, apenas doze anos depois de ter
tomado as rédeas do poder, pôs o Regente termo às nomeações de
sua mãe, governando com ministros de escolha própria. O que
traduzia, se não hesitação e receio perante mudanças e
necessidades de recrutamento, pelo menos vontade de continuação
governativa com gente já experimentada.
A
passagem dos anos, aliás, traria mais alterações. A época,
conturbada, assim o exigia. Em 1801, o Regente constituiu um ministério
com três caras novas, com o duque de Lafões à frente, secundado por
D. João de Almeida e Melo e Castro, o visconde da Anadia e os já
ministros Luís Pinto e D. Rodrigo de Sousa Coutinho.
Fez-lhe modificações
em 1804 e 1806, nomeando Ministros Assistentes ao Despacho - isto é,
primeiros-ministros - o conde de Vila Verde e António de Araújo de
Azevedo, respectivamente, mas nunca se desfaz da totalidade do elenco.
Tendeu, no entanto, a reduzir o ministério, concentrando pastas numa
só pessoa.
Assim, em 1807, o governo compunha-se apenas de três
secretários de Estado: António de Araújo de Azevedo (futuro conde
da Barca), que acumulava a Presidência com o Reino e com os Negócios
Estrangeiros e Guerra, o Visconde da Anadia, titular da Marinha e
Conquistas, e Luís de Vasconcelos e Sousa, titular da Fazenda. A prática
continuaria e até se acentuaria, quer em Portugal quer no Brasil, até
ao advento do Liberalismo.
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Napoleão Bonaparte |
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A Revolução Francesa
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5. As
questões e as dificuldades governativas até 1807 foram, sem dúvida,
muitas e complexas. A Revolução Francesa e suas sequelas sentiram-se
em Portugal como em todo o mundo, obrigando um príncipe algo timorato e
um ministério muitas vezes pouco adequado a enfrentar vários problemas
novos.
A guerra com a França foi, sem discussão, a questão mais grave
e recorrente, com manifestações em 1793-1795 (Guerra do Rossilhão),
1801 (Guerra das Laranjas) e 1807-1814 (Invasões Francesas). Se,
aquando da primeira, portugueses e espanhóis combateram aliados e longe
das fronteiras de Portugal, já a guerra de 1801 e a invasão de 1807
duplicaram o inimigo, mesmo que teoricamente.
Mas em todos os casos, se
a compreensão dos governantes, a estratégia dos generais, o valor dos
combatentes e a argúcia dos diplomatas não corresponderam aos do
adversário, diga-se em abono de Portugal que outro tanto acontecia na
demais Europa. O príncipe, logo regente, não fez pior figura do que
seu sogro, o rei Carlos IV de Espanha e, pelo menos, não se deixou
aprisionar por Napoleão, como este último.
Mas é óbvio que o medo
inspirado pelo terror revolucionário e pelas proezas de
Bonaparte-Napoleão contagiou muita gente, incluindo o Príncipe do
Brasil e toda a sua família. Faltou, sem dúvida, ao governo português,
quer o de 1793 quer o de 1801 ou o de 1807, uma direcção régia forte
e determinada. D. João não servia, é óbvio. Mas quantos, na Europa,
mais preparados e mais fortes de carácter, serviram?
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Os momentos de
conflito armado não esgotaram a questão com a França ou com a França
e a Espanha. Foram entremeados de uma diplomacia activíssima, plena de
golpes de teatro e de volte-face repentinos e insuspeitados. À preocupação
hegemónica de Napoleão Bonaparte aliava-se a ambição, mais ou menos
desvendada, do governo espanhol, de pôr fim à independência
portuguesa, reunificando a Península.
O Tratado de Fontainebleau
(1807), aliás de efémera duração e nula exequibilidade, colocaria à
luz uma parte daquelas ambições. Em Paris, em Madrid e em Londres, só
para mencionar os principais palcos, os representantes portugueses foram
vítima constante das indecisões do governo e das pressões, quantas
vezes agressivas, das potências estrangeiras.
Também aqui o príncipe
D. João tendia a manter os seus diplomatas em funções, insistindo na
continuidade e na experiência, nem sempre com resultados satisfatórios.
A mudança repentina não era, claramente, o seu forte, e só muito
instado acedia a substitui-los.
Nessa diplomacia, já de si claudicante
e pouco determinada, desempenhou por vezes um papel ambíguo a própria
Carlota Joaquina, cujas ambições de governo foram manifestas, pelo
menos desde que o corte de relações com o marido se mostrou irreversível.
Às questões
políticas externas acresciam os muitos problemas ultramarinos e
internos. No Brasil registaram-se os primeiros episódios precursores do
movimento de independência - a Inconfidência Mineira (1789-1792), a
Inconfidência Baiana (1798) e a Inconfidência Pernambucana (1801) -
com prisões, desterros, execuções e uma consciência crescente do
perigo de separatismo que poderá ter ajudado à decisão de transferir
a Corte para o Rio.
Em Portugal, o sossego de muitos anos foi perturbado
pelos motins de Campo de Ourique, em Lisboa (1803), que puseram face a
face tendências francófilas e anglófilas e, sobretudo, pela chamada
Conspiração de Mafra (1805), movimento ainda obscuro que visaria
transferir a regência de D. João para Carlota Joaquina e onde parte da
nobreza teve papel relevante.
Na interpretação do príncipe D. Pedro -
futuro rei-imperador do Brasil e rei de Portugal -, expendida anos mais
tarde, fora a incipiente maçonaria portuguesa quem salvara a autoridade
de D. João. Prenúncios de 1817 e 1820? A nossa informação mostra-se
ainda escassa, conquanto seja bem conhecido o impacte que o
acontecimento teve na personalidade do Regente.
Guerra,
diplomacia, casamentos de príncipes, sumptuária, obras pias e
culturais, burocracia crescente, modernização de estruturas custam
sempre muito caro. O País endividou-se, criando novos e odiados
impostos - o do papel selado, em 1797, foi o pior -, introduzindo-se o
papel moeda e contraindo-se empréstimos.
Mas se as finanças não
florescem, já a economia esteve mais próspera. As exportações
superaram quase constantemente as importações. Sobretudo no porto de
Lisboa mas também nos demais portos de Portugal eram intensos o
movimento e o número de embarcações, tanto estrangeiras quanto
nacionais.
O vinho, o azeite, o sal, os couros e a fruta e mesmo
artefactos industriais, aliados aos produtos ultramarinos, mormente os
brasileiros, faziam Portugal conhecido em toda a Europa e além dela.
Embora a maior parte da navegação comercial se efectuasse com navios
estrangeiros, a frota portuguesa mostrava-se ainda importante.
Os vários
estaleiros disseminados pela Metrópole e pelas colónias lançavam ao
mar sucessivas embarcações, incluindo navios de guerra. Com quase 200
000 habitantes, e embora superada pelas principais capitais europeias,
Lisboa, extensa e vistosa, fazia ainda figura de grande cidade
internacional, tal como Portugal e o seu império, mau grado o evidente
declínio, tinham ainda algum significado no conjunto das nações.
As demoradas e
ambíguas negociações diplomáticas com a França, em que Portugal,
passado o ímpeto anti-revolucionário, pretendeu adoptar uma posição
de neutralidade, conservando o status quo com a Inglaterra e o respeito
para com o astro napoleónico, chegaram ao seu termo em meados de 1807.
Decretado por Napoleão o bloqueio continental em 21 de Novembro de
1806, o governo do príncipe D. João tentou desesperadamente
furtar-se-lhe, já que as consequências para a economia portuguesa
seriam desastrosas.
Mas Napoleão, triunfante militarmente em toda a
Europa e dispondo do apoio espanhol, não tolerou por mais tempo a política
dissuasória da Regência. Em Julho de 1807 enviou-lhe uma nota diplomática
bem clara sobre o encerramento dos portos aos Ingleses, o confisco dos
navios e bens britânicos e a quebra de relações com o governo do
Reino Unido.
Em Agosto, vendo que prosseguiam as manobras habituais de
compromisso e apaziguamento, os enviados diplomáticos francês e
espanhol em Lisboa apresentaram um ultimatum: ou Portugal declarava
guerra à Inglaterra até 1 de Setembro ou os exércitos franco-espanhóis
invadiam o País.
A angústia do
Regente e, de uma maneira geral, de todos os responsáveis governativos,
pode bem ser imaginada. Não se pensava, sequer, em resistir aos
franceses. A única solução vislumbrada foi a retirada para o Brasil,
plano já delineado por Pombal cerca de cinquenta anos antes, aquando da
Guerra dos Sete Anos, e sugerido de novo por diferentes personalidades
em 1801 e 1803.
Decidiu-se, primeiro, fazer partir apenas o herdeiro da
Coroa, D. Pedro, então criança de 9 anos, permanecendo em Portugal a
demais família. Mas, quase à última hora, o Príncipe Regente,
receoso pela sorte do filho e não desejando separar-se dele, resolveu
impedir a partida.
Por uma vez de acordo com Carlota Joaquina, decidiu
então (Setembro) que toda a família fugisse ao invasor,
transferindo-se para o Brasil a sede do reino. Os preparativos para o
embarque, com o empacotamento do necessário e do supérfluo, ocuparam
os meses de Outubro e de Novembro.
Mas, até ao último momento, houve a
esperança de que Napoleão desistisse da guerra e aceitasse as
contrapropostas portuguesas. O Decreto de 21 de Outubro de 1807 fechou
mesmo, em teoria, os portos a todos os navios ingleses, já depois de
quatro grandes comboios de propriedade móvel britânica terem
abandonado o País.
Entretanto, pelo Tratado de Fontainebleau (29 de
Outubro de 1807) celebrado com a Espanha, Napoleão destronava a
dinastia de Bragança e suprimia Portugal do mapa da Europa, dividindo-o
em três partes:
Entre Douro e Minho, constituído em reino com o nome
de Lusitânia Setentrional, seria entregue hereditariamente ao rei da
Etúria
(então o jovem duque de Parma, Luís II, aliado da França e seu
"protegido");
Trás-os-Montes, a Beira e a Estremadura teriam
o seu destino decidido quando fosse estabelecida a paz geral;
O Alentejo
e o Algarve, constituídos em principado com o nome de
"Algarves", seriam hereditariamente confiados ao
primeiro-ministro espanhol, Manuel Godoy, o chamado "Príncipe da
Paz".
Os dois novos Estados ficariam, contudo, sob a "protecção"
do rei de Espanha, prevendo-se uma sua eventual devolução à casa de
Bragança mas sob a mesma condição de "protegidos" pelo
monarca espanhol.
Todo o Ultramar seria igualmente partilhado entre a
França e a Espanha, assumindo Carlos IV o título de imperador das
Duas
Américas.
Embora este
tratado fosse mantido secreto e nunca tivesse entrado em vigor, quer
pelos desejos e ambições dos invasores franceses quer pelo próprio
destronamento e prisão dos Bourbons espanhóis (5 de Maio de 1808) e de
Manuel Godoy, quer ainda pela anexação da Etúria pelo Império Francês
(1808), ele revelava sem disfarces os objectivos do país vizinho e o
nenhum respeito de Napoleão pela nação portuguesa.
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Junot |
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- Sob o comando
supremo de Junot, os exércitos invasores transpuseram a fronteira
portuguesa em 19 de Novembro de 1807, avançando sobre Lisboa em marchas
forçadas. A decisão do embarque só se tomou poucos dias antes da
chegada dos invasores à capital.
A família real, que se encontrava em
Mafra, foi mandada vir à pressa, embarcando imediatamente (27 de
Novembro) no Restelo, aonde a aguardava uma esquadra portuguesa de
quinze navios, ao lado de uma esquadra protectora inglesa.
No meio de
grande confusão, o Regente despediu-se, em lágrimas, dos seus súbditos,
tomando lugar na nau Príncipe Real, em companhia da rainha louca e do
príncipe herdeiro D. Pedro. Carlota Joaquina, com a demais prole,
embarcou na nau Rainha de Portugal, enquanto outros membros da família
real, ministros e demais comitiva ocupavam os outros navios.
A ausência
de ventos favoráveis fez demorar a partida dois dias, pelo que Junot,
chegando a Lisboa em 30 de Novembro e correndo para São Julião da
Barra, ainda a avistou à distância...com um binóculo, claro !.
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Treze anos da
estadia de D. João VI no Brasil
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6.
Tratados noutra parte, não nos ocuparemos em pormenor dos treze anos da
estada de D. João no Brasil. Bastará dizer que, depois de alguns
percalços no mar, que levaram à dispersão da frota, o Príncipe
Regente aportou à Baía em 23 de Janeiro de 1808. Depois de se demorar
aí cerca de um mês, reembarcou em 26 de Fevereiro, pondo pé na cidade
do Rio de Janeiro em 8 de Março seguinte. No Brasil e no Rio, onde
estabeleceu a Corte e a sede do governo, se demoraria até 26 de Abril
de 1821.
No Brasil
ascendeu formalmente à realeza, visto que a pobre D. Maria I, quase
sempre louca, veio a morrer em 20 de Março de 1816. Mas já um ano
antes passara a Príncipe Regente do Reino Unido de Portugal, Brasil e
Algarve, novo título e nova designação derivados do estatuto de reino
concedido ao Brasil por carta régia de 16 de Dezembro de 1815. O facto
seria oficializado pela aclamação solene do monarca, no Rio de
Janeiro, em 6 de Fevereiro de 1818.
Para o Brasil
levou D. João os seus principais validos e a mais gente de confiança:
os irmãos Lobatos, que generosamente protegeria, distinguindo dois
deles com títulos de nobreza (barão e logo visconde de Vila Nova da
Rainha ao Francisco; barão e depois visconde de Magé ao Matias); o médico
preferido, Manuel Vieira da Silva e Abreu, feito barão de Avaiázere; o
secretário particular, José Egídio Álvares de Almeida; e outros
ainda.
Tudo indica que
se tenha adaptado bem ao novo meio, gostando do Brasil e dos
luso-americanos e demorando, tanto quanto pôde, o regresso a Portugal -
viável desde a paz de 1815 -, até porque receava o mar e as viagens
marítimas. Tornou-se assim popular na nova metrópole, sendo estimado
pelos Brasileiros e apreciado como o monarca que impulsionara o
crescimento da colónia e a convertera em monarquia autónoma.
As questões com
Carlota Joaquina continuaram, embora talvez amortecidas pelo ambiente
novo e pelos planos grandiosos da princesa-rainha de se tornar soberana
de um Estado autónomo de língua castelhana, já que seu pai e seu irmão
haviam abdicado do trono espanhol.
A instrução
dos filhos, mormente dos rapazes, foi descurada, como todos reconheciam,
incluindo os próprios D. Pedro e D. Miguel. Mas houve sempre a preocupação
de os ligar pelo casamento a famílias reais ilustres, o que sucedeu com
a infanta D. Maria Teresa, casada (1810) com o seu tio D. Pedro Carlos,
irmão de Fernando VII de Espanha, com D. Maria Isabel, matrimoniada
(1816) com o próprio Fernando VII, igualmente seu tio, com D. Maria
Francisca, ligada (1816) ao infante D. Carlos, outrossim seu tio e,
enfim, com o herdeiro D. Pedro, solenemente casado (1817) com Maria
Leopoldina, filha do imperador da Áustria, Francisco I.
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A
revolução liberal
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7. A
revolução liberal eclodiu no Porto em 24 de Agosto de 1820 e, em
Lisboa, a 15 de Setembro seguinte. Fora precedida por uma lenta revolução
nas mentes e por um acumular de descontentamentos que a tornavam inevitável:
contra os militares ingleses que controlavam o exército português,
simbolizados pelo detestado marechal Beresford, feito marquês de Campo
Maior e autêntico vice-rei de Portugal; contra a permanência do rei no
Brasil, o que acarretava a condição, de facto, do País, a colónia;
contra a constante drenagem de dinheiro para a possessão americana na
forma de rendas e contribuições; contra o declínio do comércio e os
malefícios do tratado com a Inglaterra de 1810; contra o despotismo e a
alegada incapacidade da regência e do governo existentes em Portugal;
etc.
Uma tentativa para modificar, no todo ou em parte, este estado de
coisas, levara à conspiração de 1817 e à repressão sangrenta que a
sua descoberta implicara: o enforcamento de doze pessoas, incluindo o
prestigiado general Gomes Freire de Andrade.
Beresford, os regentes e os
ministros haviam sido os grandes responsáveis pelas execuções mas a
culpabilidade de D. João VI manifestara-se e continuava a manifestar-se
na confiança depositada no marechal e nos governantes, e traduzida por
reforços de poderes sempre que estes o solicitavam.
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A ausência e a
distância do poder central implicavam o desconhecimento daquilo que, na
realidade, se passava no País e possibilitavam toda a espécie de
injustiças e desmandos, tal como os vice-reis praticavam nas colónias,
à revelia de Lisboa.
Em começos de
Novembro de 1820, chegou ao Brasil a notícia dos acontecimentos de
Portugal. Não tardou a que os ânimos se exaltassem e a que o exemplo
fosse secundado. O Pará pronunciou-se em começos de Janeiro de 1821, a
Baía um mês depois e o Rio a partir de 17 de Fevereiro.
Pressionado
pelos acontecimentos e aconselhado por muitos que o rodeavam, D. João
VI viu-se obrigado a pactuar. Resolveu primeiro enviar o príncipe D.
Pedro para Lisboa, acompanhado das bases fundamentais de uma carta
constitucional. Mas o projecto foi logo abandonado, não só devido à
recusa do príncipe e à resistência dos corpos militares como também
por a ideia de uma carta dever ser posta de parte pela marcha da revolução
portuguesa.
O rei decidiu-se então a aprovar a futura Constituição
(26 de Fevereiro), resolvendo dez dias depois, regressar a Portugal.
Pode supor-se o estado de ânimo de D. João VI, receoso de
acontecimentos que lhe faziam lembrar a odiada Revolução Francesa,
temeroso de uma nova e demorada travessia do oceano, pouco disposto a
mudar uma vez mais de vida e de hábitos, numa idade mais propensa à
quietação do que à modificação.
Contudo, a opção era clara já
que o governo de Lisboa exigia firmemente o regresso. Ou o rei ficava no
Brasil, perdendo com probabilidade a Coroa de Portugal, ou voltava a
Portugal, sendo então possível - mas não ainda provável - a perda do
Brasil. Com profundo desagrado dos Brasileiros, D. João VI escolheu a
segunda alternativa. Em 26 de Abril de 1821, embarcava no Rio, deixando
no Brasil como regente o príncipe D. Pedro.
A chegada ao
Tejo teve lugar a 3 de Julho, mas D. João VI só desembarcou no dia
seguinte. Embora fosse tratado com respeito e alguma cordialidade pelas
autoridades liberais, a que correspondeu de igual maneira, houve o propósito
claro de lhe mostrar que a realidade era agora outra e que os poderes
absolutos do passado não existiam mais.
O soberano, contudo,
submeteu-se com aparente bom grado às novas regras do jogo, o que lhe
valeu alguma popularidade na opinião pública liberal. Na verdade,
tanto as Bases da Constituição (9 de Março de 1821) como a própria
Constituição (23 de Setembro de 1822), juradas ambas pelo soberano,
retiravam-lhe extensos poderes e direitos, usados desde havia longos séculos.
A autoridade do rei declarava-se provir da Nação, cabendo a esta
elaborar a própria constituição, sem dependência da sanção régia.
O poder legislativo passava a residir nas Cortes, concedendo-se apenas
ao soberano um veto suspensivo que nem sequer se aplicava às primeiras
Cortes.
Era interdita ao monarca a assistência às deliberações
parlamentares. O rei não podia prorrogar nem dissolver as Cortes.
Somente a estas pertencia aprovar tratados de aliança, de subsídios e
de comércio, fixar impostos e despesas públicas, e determinar o valor
da moeda.
O novo Conselho de Estado seria nomeado pelo rei mas de entre
um elenco escolhido pelas Cortes. E, porventura o pior dos vexames,
caberia às Cortes assignar ao rei e à família real uma dotação por
elas votada e os palácios para sua residência. Como única compensação,
dava-se--lhe o poder de nomear e demitir livremente, sem aprovação nem
prévia audição das Cortes ou do Conselho de Estado, os ministros, os
comandantes das forças armadas e os cônsules no estrangeiro.
Nenhum monarca
absoluto aceitaria de bom grado uma transformação tão radical nos
seus hábitos e formas de governar. D. João VI, contudo, fosse por medo
fosse por prudência, acatou-a sem protesto visível.
Acaso lhe teriam
expressado os representantes diplomáticos estrangeiros ou alguns
portugueses bem informados e precavidos a convicção de que semelhante
estado de coisas não poderia durar muito tempo e que, com maior ou
menor latitude, o monarca recobraria os seus direitos num futuro próximo.
É verdade que muitos houve, incluindo o próprio D. Pedro, que
consideravam o rei coacto e sequestrado pela facção vintista, o que
parece hoje difícil de comprovar.
Razões de
natureza pessoal podem também ter empurrado D. João VI para uma aceitação
prática da causa liberal ou, pelo menos, dos seus princípios mais
moderados. Com efeito, não tardou que Carlota Joaquina se arvorasse em
cabeça do partido absolutista, promovendo conspirações contra o
regime, recusando jurar a Constituição e sendo, por isso, punida com
residência fixa, na perspectiva de uma expulsão do Reino que nunca se
chegou a concretizar.
Adversário natural da rainha, D. João VI
sentir-se-ia naturalmente aliado da facção que a contrariasse. Outro
tanto se poderia dizer do seu afastamento do filho D. Miguel, claramente
instrumentalizado pela soberana.
Ao regressar do
Brasil, D. João VI foi-se instalar no Palácio de Queluz. Aí residiu
durante a maior parte do ano de 1821, com poucas ausências, a não ser
para Lisboa, quando o chamavam cerimónias oficiais ou outros deveres do
cargo.
Nos começos de Dezembro desse ano, talvez por se sentir mais
velho e doente e menos disposto às deslocações a Lisboa, transferiu
residência para o Paço da Bemposta, na capital. Ocasionalmente ia a
Mafra, ao Alfeite ou a Salvaterra de Magos, mas sempre com pouca demora.
Os seus validos
e confidentes mudaram em parte. Entre os ministros, afeiçoou-se
sobretudo a Manuel Inácio Martins Pamplona - ex-membro da Legião
Portuguesa ao serviço de Napoleão -, que fez conde de Subserra, e que
chamou várias vezes ao poder. Também apreciou o conde de Palmela e
mais alguns outros, sem propriamente os considerar seus amigos.
O marquês
de Loulé, Agostinho de Mendonça, de novo um antigo membro da Legião
Portuguesa, foi outro dos seus confidentes, de tal forma o escutava que
lhe causou, indirectamente, a morte, visto que o tornou odiado pela facção
ultra-absolutista.
Estimou ainda Silva Carvalho e outros liberais, tanto
vintistas quanto moderados, curiosamente todos ou quase todos
pedreiros-livres, sem esquecer os "conselhos" e as advertências
recebidos de seu filho predilecto, D. Pedro, que o alertava para os
perigos das facções extremistas e para o apoio que, em seu entender, a
Maçonaria prestara à causa do Regente aquando da conspiração de
1805.
Entre as pessoas de confiança de D. João VI durante o seu
segundo período de governo em Portugal contaram-se ainda os médicos
barão de Alvaiázere e Dr. Bernardo de Abrantes e Castro, o cirurgião
Teodoro Ferreira de Aguiar, os eternos irmãos Lobatos e o secretário
particular, José Egídio Álvares de Almeida.
As Cortes e o
novo regime ficaram altamente desprestigiados com a independência do
Brasil (Setembro de 1822) e a aprovação do texto constitucional. Ao trágico
golpe sofrido pela economia e pelo brio nacionais juntou-se o
descontentamento da nobreza e do clero, humilhados e ofendidos pelo seu
apagamento oficial da vida pública.
O retorno ao absolutismo, com a
devolução ao monarca dos seus "inauferíveis direitos",
passou a ser encarado como a solução mais rápida e viável para pôr
termo aos males da Pátria. As potências europeias, aliás, remavam no
mesmo sentido, conduzidas pelo chanceler austríaco Metternich.
Era
preciso pôr termo às Constituições de raiz popular e aos perigos que
elas representavam para a ordem internacional. Liquidadas pela intervenção
estrangeira as experiências liberais italianas, faltava agora restaurar
o absolutismo na Península Ibérica. Em Portugal, a partir do final de
1822, o movimento antiliberal ganhou força crescente.
O procedimento
legal contra a rainha mostrou-se altamente impopular. Em Fevereiro de
1823 revoltou-se em Trás-os-Montes o conde de Amarante, sendo necessário
um mês para debelar a rebelião. Em Abril, as tropas francesas
invadiram a Espanha com o fim de derrubar o regime liberal aí vigente
desde 1820 também. Solidário com o liberalismo espanhol, o governo
português foi ao ponto de cortar relações diplomáticas com a França
( 20 de Abril).
Contudo, os liberais tinham plena consciência do perigo
que corriam. Em 15 de Maio, face aos progressos da invasão da Espanha,
foi decidida uma convocação extraordinária das Cortes. Madrid caiu em
23 de Maio. Quatro dias mais tarde, o infante D. Miguel, apoiado em vários
corpos do exército, revolta-se em Vila Franca de Xira, proclamando a
necessidade de "liberar" o rei e de lhe restituir a
autoridade.
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8. O
momento era difícil para D. João VI. Resistindo e apoiando as Cortes e
as autoridades, como fez nos três primeiros dias da rebelião,
arriscava-se a perder o trono em proveito de Carlota Joaquina e de D.
Miguel. Os eventos sopravam da direita e, mesmo que a Inglaterra se
opusesse a uma invasão de Portugal por forças estrangeiras, o
liberalismo tinha por então os seus dias contados.
Secundar a
Vilafrancada era, por outro lado, pactuar com o inimigo de sempre e
submeter-se à sua tutela. De "prisioneiro" dos liberais o
monarca passava a "prisioneiro" dos absolutistas, ou seja, da
própria mulher.
Consciente da
impopularidade momentânea da causa liberal e da gravidade da cena
internacional, D. João VI deu um pequeno golpe de Estado. Em 30 de Maio
deslocou-se a Vila Franca e apoiou os intuitos do infante, colocando-se
ele próprio à frente do movimento anticonstitucional.
Nomeou novo
ministério, reintegrou Carlota Joaquina nos seus direitos, dissolveu as
Cortes e restabeleceu a "Constituição" tradicional do Reino,
prometendo para breve uma reunião de Cortes à maneira antiga e outorga
de uma Carta Constitucional.
Nomeou ainda D. Miguel comandante em chefe
do Exército. Em 5 de Junho de 1823 reentrava triunfalmente em Lisboa,
num coche puxado à mão por absolutistas exaltados e rejubilantes.
Nos meses
seguintes, rei e governo deram mostras de querer cumprir um programa
absolutista puro. Foram abolidas a legislação e as instituições
liberais, com poucas excepções (o Banco de Lisboa entre estas).
Restabeleceram-se a censura, o antigo Conselho de Estado e vários
outros organismos do Antigo Regime.
Discriminou-se contra os maçons,
sendo publicada uma lei contra as sociedades secretas. Entrou
triunfalmente em Lisboa o conde de Amarante, premiado com o título de
marquês de Chaves. Centenas ou mesmo milhares de liberais foram
demitidos, presos, desterrados ou expulsos do País. Muitos outros
fugiram. Pela imprensa saiu uma avalancha de pasquins antiliberais e
antimaçónicos, exaltando o regresso ao Antigo Regime e as figuras da
rainha e do infante D. Miguel.
Não tardaram,
porém, os ultra-absolutistas a compreender que o novo regime não lhes
servia. A tolerância e o bom senso do rei entravam em conflito com a
intransigência e o radicalismo dos ultraconservadores. O odiado
Pamplona era, não só ministro mas também chefe do governo. Muitos
pedreiros-livres ou havidos como tais continuavam em funções. Os
trabalhos conducentes à Carta Constitucional prosseguiam.
Logo em Outubro
de 1823 houve conhecimento de mais uma conspiração, aparentemente
urdida pela rainha. Em Dezembro, a Polícia descobriu um plano para forçar
D. João VI à abdicação, verdadeiro objectivo quer de Carlota
Joaquina quer de D. Miguel. Em 1824, os acontecimentos precipitaram-se.
Por um lado, conseguiu-se o regresso do marechal Beresford, que D. João
VI ouvia com atenção e que era um partidário decidido do absolutismo
"forte". Por outro, a preocupação de isolar o rei levou ao
assassinato do marquês de Loulé, em Salvaterra de Magos (finais de
Fevereiro), e à tentativa de assassinato de Pamplona, em Abril.
Em 30
deste mês, D. Miguel revoltou-se pela segunda vez, agora em Lisboa
(Abrilada), com o pretexto de que "o excelso rei, o senhor D. João
VI, cercado de facciosos", continuava em opressão e de que era
necessário salvá-lo, à real família e à nação dos "malvados
pedreiros-livres", causa de todos os males. Uma pastoral do
cardeal-patriarca, datada do mesmo dia, acusava os maçons de, na noite
anterior, terem tentado matar a família real.
Durante mais de
uma semana, D. João VI esteve praticamente sequestrado pelos golpistas
no seu Palácio da Bemposta enquanto, por ordem de D. Miguel, centenas
de pessoas iam sendo presas, fugindo muitas outras. O corpo diplomático
resolveu intervir e, a conselho seu, foi concebido um plano de fuga do
monarca.
Em 9 de Maio, conseguindo autorização para um passeio de
barco até Caxias, o monarca fez desviar o escaler para o navio de
guerra inglês Windsor Castle, aonde se refugiou. Aí recobrou a sua
plena autoridade, destituindo D. Miguel do comando do Exército,
fazendo-o sair do Reino (13 de Maio), mandando libertar todos os presos
políticos e desterrando ou expulsando de Portugal os principais
executores do golpe.
Procurou uma vez mais conseguir o exílio de
Carlota Joaquina, indo ao ponto de a denunciar ao irmão, Fernando VII
de Espanha, mas sem resultado prático.
A última fase
do reinado de D. João VI foi de relativa acalmia política. Expulso D.
Miguel e detida, na prática, a rainha - o que não evitou nova conjura,
descoberta pela Polícia em Outubro de 1824 -, prevaleceu um absolutismo
moderado e temperado pela perspectiva da outorga de uma Carta
Constitucional.
A influência inglesa aumentou, devendo-se o ministério
de Janeiro de 1825, que sacrificou Pamplona, às pressões do embaixador
britânico. Também em grande parte por pressão inglesa foi resolvida a
questão do Brasil, com reconhecimento da independência por parte de
Portugal (29 de Agosto de 1825), o pagamento de uma indemnização pelo
Brasil e a concessão nominal do título de "imperador" a D.
João VI, durante a sua vida. Os implicadores na Abrilada receberam
amnistia, com poucas excepções.
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9. No último
ano de vida do monarca, a grande questão que se pôs foi a da sucessão.
Para a maior parte dos portugueses, o herdeiro legítimo era, sem sombra
de dúvida, o imperador do Brasil, D. Pedro. O que se perguntava era se
as duas coroas voltariam a unir-se, regressando-se à situação de
1815-1822, embora com autonomia de cada uma das partes.
Parece ter sido
este o sonho de D. João VI e, porventura, do próprio D. Pedro. Uma regência
de D. Miguel em Portugal permitiria uma solução de compromisso. Não há,
todavia, provas suficientes para converter todas estas hipóteses em
verdades indiscutíveis. E a intervenção das Parcas veio colocar os
dois países perante realidades súbitas e incontornáveis.
D. João VI
gozava de pouca saúde. Nos começos de 1826, o inchaço nas pernas
aumentara, revelando uma insuficiência cardíaca acentuada. Em 4 de Março
o rei sofreu o primeiro de vários ataques, com vómitos e tremuras
nervosas.
Conseguiu ainda, num período em que experimentou melhoras,
nomear uma regência para tomar conta dos negócios do Reino durante a
enfermidade ou se lhe sobreviesse a morte. À cabeça colocou a infanta
D. Isabel Maria, filha solteira mais velha, em quem o monarca,
aparentemente, confiava. Omitiam-se do elenco os nomes da rainha e do
infante D. Miguel.
Os ataques físicos do monarca continuaram
intermitentemente até que, em 10 de Março, um derradeiro e mais forte
motivou o seu falecimento no Paço da Bemposta, com quase
59 anos de idade. Não faltaram os boatos de que fora vítima de veneno, atribuído
tanto a absolutistas quanto a liberais, o que hoje parece fora de questão.
( Análises recentes às suas vísceras, provaram a presença de
arsénico)
Poucos reinados
terão sido tão difíceis e complexos em problemas como o de D. João
VI, quer como regente quer como rei.
Loucura de sua mãe, casamento
infeliz e pleno de consequências, invasões de um país estrangeiro,
refúgio na América, instauração de uma nova e subversiva ordem política,
regresso a um Portugal diferente, traição de dois filhos, conspirações
da mulher visando a sua abdicação ou, porventura, a morte, tudo o
monarca teve de suportar e procurar resolver.
Mal preparado para o poder
e pouco interessado nele, mediano na inteligência, hesitante e timorato
por natureza, lá foi dando conta do recado, aos tropeços, sem alma e
sem convicção. Não o condenemos nem reabilitemos. Lastimemo-lo
somente.
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- Nota - D. João VI faleceu
em Março de 1826 após adoecer por alguns dias. De sua "causa mortis",
suspeitou-se ter sido por envenenamento. Recentemente uma equipa de
pesquisadores exumou o pote de cerâmica chinesa que continha as suas
vísceras e que se encontrava enterrado sob as lajes da capela dos Meninos
da Palhavã no mosteiro de São Vicente de Fora.
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- Pedaços do seu coração foram
re-hidratados e submetidos a análises, num estudo dirigido pelo Prof.
Doutor Armando Santinho Cunha, o que veio a comprovar a suspeita de
envenenamento por arsénico.
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Nota - Teve
segundo a opinião de muitos latino americanos de "habla
castellana" uma grande virtude.
A sua fuga para o Brasil, forjou
uma grande Nação, metade da América do Sul, evitou o seu
desmembramento, e muitos intelectuais da América do Sul não
brasileira, lamentam hoje que o rei de Espanha não tivesse feito o
mesmo.
Não o fez,
deixou-se prender por Napoleão, deixando a América do
Sul, que não fala português, dividida em cerca de treze países, erro
que nem mais tarde, e com todo o seu prestígio, nem Bolívar conseguiu unir.
Essa é a razão
principal, porque ainda hoje tanta gente na América do Sul procura
informação para estudar e escrever sobre D. João VI.
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