A Figura de D. João VI - O Clemente

Condensado da figura de D. João VI por A.H. de Oliveira Marques

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    D. João VI
D. João VI
 
Segundo filho de D. Maria I e de D. Pedro III, o futuro D. João VI - João Maria José Francisco Xavier de Paula Luís António Domingos Rafael - nasceu no Palácio Real da Ajuda, perto de Lisboa - o chamado "Paço Velho" -, a 13 de Maio de 1767. Foi seu padrinho de baptismo, por procuração, o rei de França, Luís XV. 
 
Teve vários irmãos, José, outro João, Mariana Vitória, Clementina e Isabel, três dos quais morreram de tenra idade. De seu irmão mais velho, José, herdeiro da Coroa, fazia quase seis anos de diferença.
 
De sua irmã mais nova, Mariana Vitória Josefa, de quem o separavam ano e meio apenas, poderia ter sido companheiro de infância, não fora a diferença de sexos, sempre importante, e muito mais numa época de preconceitos e etiquetas que enquadravam a nobreza em geral e a Corte em particular. 
 
 
Conhece-se pouco da sua educação a qual, embora menos cuidada do que a do herdeiro da Coroa, parece ter sido regular para um príncipe filho segundo da época: teve como professores de Letras e Ciências o afamado franciscano D. Frei Manuel do Cenáculo, António Domingues do Paço e o matemático Miguel Franzini, como professores de Música o organista João Cordeiro da Silva e o compositor João de Sousa Carvalho, ambos de nível e, como mestre de Equitação, o sargento-mor Carlos António Ferreira Monte. 
 
Do aproveitamento sabe-se ainda menos. Os testemunhos mais credíveis sugerem pouca inclinação quer para Letras quer para Ciências. Redigiu sempre mal, com erros de ortografia e de sintaxe. A sua corte, quando regente e quando rei, jamais se mostrou um centro de cultura, como tantas outras do tempo. 
 
Em compensação, todas as fontes indicam um grande apreço pela música, nomeadamente pela música sacra. Também se deleitava com cerimónias eclesiásticas, habituado aliás como estava pela tradição de uma corte devota e frequentadora amiudada de igrejas, procissões e eventos religiosos de qualquer tipo. Serviram-lhe igualmente as lições de picaria já que, pelo menos até ser trintão, caçava a cavalo com regularidade e gosto.
 
Todos os testemunhos coincidem em o definir como indolente, timorato e indeciso, ainda que muitos exemplos de "indecisão" se pudessem antes considerar actos de ponderação e de prudência. De inteligência média, não descurava os assuntos de Estado, propendendo para um autoritarismo e um intervencionismo aliás mais teóricos do que práticos, dado que muitos assuntos se mostravam complexos de mais para a sua capacidade e que, por timidez, excesso de confiança, ou falta de interesse, questionava pouco ministros e servidores. 
 
Era, no entanto, desconfiado por natureza, jamais concedendo valimento pleno a uma só pessoa. Mantinha estabilidade sem exageros. Se distinguiu claramente com a sua preferência alguns secretários de Estado - como, numa primeira fase, Luís Pinto de Sousa Coutinho, o marquês de Ponte de Lima ou o marquês de Aguiar e, numa segunda, o conde de Subserra ou o marquês de Loulé - nunca teve à frente dos negócios do Estado um Pombal ou um Metternich como primeiros-ministros únicos e indisputados, gozando da confiança cega do seu monarca. 
 
Esta desconfiança alargou-se até aos confessores, de que mudou várias vezes embora atendo-se aos Franciscanos arrábidos, e aos íntimos da casa civil e militar. De aspecto era incontestavelmente feio, acentuando-se a fealdade com o aumento dos anos e com o acréscimo de gordura. Médio na estatura, podia ser considerado obeso, flácido, cuidando pouco da aparência, vestindo-se mal e sem elegância.
 
Comia muito. Todos, no entanto, se referem à sua bondade e ao seu afastamento de condutas extremas. No seu governo houve a registar poucas perseguições e poucas execuções, em contraste com os reinados do seu avô ou de seus filhos. Até os Liberais o respeitaram e apreciaram.
 

Vila Viçosa

 

Durante este seu primeiro governo em terras portuguesas, o príncipe D. João e a sua família mostraram-se, em geral, sedentários. Para além de uma viagem a Badajoz, em Janeiro de 1796, onde o príncipe se encontrou com Carlos IV de Espanha, as excursões mais distantes limitaram-se a uma ida a Vila Viçosa, em finais de 1805, onde se demorou algum tempo por razões de saúde, e a uns passeios a Samora Correia e a Salvaterra de Magos, Tejo acima. 

No mais, o príncipe e a Corte oscilavam entre Lisboa, Queluz e Mafra, permanecendo meses sem de lá saírem. Até Novembro de 1794, a residência oficial do príncipe foi o Paço da Ajuda (então, arredores de Lisboa), edifício em madeira, improvisado desde o terramoto de 1755 e que veio a arder totalmente naquele mês e ano. Como segunda residência havia o Palácio de Queluz, muito frequentado também. 

A partir de Novembro de 1794, deixou de existir em Lisboa um paço real em condições. As obras do novo Palácio da Ajuda, iniciadas em 1795, suspensas tempos depois e só recomeçadas em 1802, arrastaram-se. O chamado "Paço da Rainha", à Bemposta (Lisboa), onde às vezes o príncipe estacionava, tinha poucas condições de habitabilidade real. O mesmo sucedia com os palácios das Necessidades e de Belém. 

 
 

Palácio de Queluz

 
Queluz tornou-se, assim, a sede habitual da Corte. Desde começos do novo século, Mafra passou a ser visitada cada vez mais. No Outono de 1805, após a descoberta da conspiração dos nobres e da rainha, o Regente, paranóico e emocionalmente perturbado, abandonou Queluz, instalando-se em Mafra nos começos do ano seguinte e convertendo o palácio-convento em residência por assim dizer oficial até à partida para o Brasil.

Para além das reuniões com os ministros, o príncipe D. João dava audiências públicas uma vez por semana de manhã, onde recebia e tratava bondosamente todos aqueles que o procuravam. Aos sábados, dava audiências particulares à fidalguia. 

De quando em vez, reunia e escutava o Conselho de Estado, composto pelo cardeal-patriarca de Lisboa e por um número variável de titulares e de validos, oscilando entre as dez e as catorze pessoas. Podia ainda dar beija-mão em dias de grande gala (festas eclesiásticas, aniversários da real família), que os havia em número de treze ao longo do ano.

O pessoal na sua dependência incluía gentis-homens da Câmara, guarda-roupas, moços da Câmara, reposteiros, servidores da toalha, guardas reais, médicos, cirurgiões e outros, num total de umas duas centenas de pessoas.

 

Carlota Joaquina

 
2. D. João viu-se projectado na ribalta política mesmo antes da morte de seu irmão mais velho (1788). A ausência de filhos após vários anos de matrimónio do príncipe D. José com a sua tia Maria Benedita, devida quer à esterilidade de qualquer deles quer ao pouco interesse sexual entre ambos, levou o governo de D. Maria I a preocupar-se com a sucessão da Coroa e com o casamento do filho segundo, considerado um virtual herdeiro do trono. 
 
O casamento em Espanha, no prosseguimento da política de aproximação com o país vizinho que timbrou o governo mariano, foi julgado o mais conveniente. João, com 18 anos, viu-se consorciado com a pequenina Carlota Joaquina, de 10, filha do rei Carlos IV de Espanha. 
A criança era viva, má e vingativa, sem nunca perder em esperteza e determinação. O casamento só foi consumado cinco anos depois e as dissensões entre o casal não tardaram a surgir, avolumando-se com o tempo. 
 
Apesar de tudo, João e Carlota Joaquina cumpriram o seu dever, gerando quase uma dezena de infantes durante treze anos (1793-1806), embora o desprezo e o ódio crescentes e mútuos levassem a suspeitar e a dizer que os filhos nascidos após 1801 só eram da rainha. 
 
De facto, Carlota Joaquina, mau grado a sua fealdade, ganhou fama de leviana e adúltera, variando aliás as paixões que ia sentindo por alguns que a rodeavam ou que encontrava. (Os métodos científicos actuais poderiam, eventualmente, resolver de uma vez por todas esta questão que tem feito correr tanta tinta).

 

A separação de facto entre D. João e Carlota Joaquina criou graves problemas não só pessoais mas também políticos. Os cônjuges passaram a viver em palácios separados e a encontrar-se raras vezes. Tanto ela como ele encararam a ideia de um regresso a Espanha ou de um desterro para fora de Lisboa que viria, aliás, a consumar-se embora durante curtos prazos. 

Pior do que tudo, porém, foram os projectos políticos diferentes que cada qual acarinhou, pondo em perigo interesses nacionais e levando a conspirações, assassinatos, golpes de Estado e até guerras civis. A união matrimonial com Carlota Joaquina foi, sem dúvida, um acontecimento nefasto na vida de D. João VI e a frenética actividade da princesa um facto deplorável na história de Portugal do tempo.

D. Miguel I

Dos nove filhos do casamento - Maria Teresa (1793), António (1795), Maria Isabel (1797), Pedro (1798), Maria Francisca (1800), Isabel Maria (1801), Miguel (1802), Maria da Assunção (1805) e Ana de Jesus Maria (1806) - só um, D. António, morreu em criança. Três das raparigas ligaram-se matrimonialmente à família real espanhola onde exerceram alguma influência, uma casou com o 2.º marquês de Loulé e duas ficaram solteiras. 

Pedro e Miguel foram, como se sabe, soberanos no Brasil e em Portugal. As fontes sugerem, se não uma família feliz, dadas as desavenças entre pai e mãe, pelo menos muito afecto entre pais e filhos na infância e adolescência destes. Também os irmão se estimavam, até aos "desatinos do mano Miguel", como desabafava Pedro em carta a seu pai. 

Os acontecimentos mais tardios, se confirmam a ligação entre D. Pedro e D. João VI até ao fim, revelam em contrapartida um afastamento gradual entre o rei e D. Miguel e uma aproximação maior entre este último e sua mãe.

Apesar de pacato e comedido, atribuíram-se a D. João algumas aventuras amorosas fora do casamento. A mais grave respeitaria a D. Eugénia José de Meneses, dama da Casa de D. Carlota Joaquina, que o príncipe teria engravidado em começos de 1803, fazendo-a depois raptar e levar para o estrangeiro pelo seu médico e confidente, Dr. João Francisco de Oliveira. Destes "amores" resultou uma filha.

 
3. Se, desde pelo menos 1785, o príncipe D. João começou a ser encarado como futuro herdeiro da Coroa e, consequentemente, com maior atenção por parte de todos, foi no entanto a morte inesperada de seu irmão mais velho, em 11 de Setembro de 1788, que o projectou na cena política nacional e internacional. 

Durante quatro anos, João gozou das honras e dos deveres da primogenitura sendo, com probabilidade, iniciado a pouco e pouco em tarefas governativas. Já adulto, terá acaso mudado alguns hábitos de juventude para cumprir eventuais obrigações como futuro rei. Foi-lhe instituída uma Casa própria, com catorze gentis-homens da Câmara, onde se contavam alguns dos representantes da maior nobreza do País, sendo dois marqueses, oito condes e quatro outros não titulares. 

Além destes, achavam-se sob as suas ordens directas ou ao seu serviço guarda-roupas, médicos, cirurgiões, um confessor próprio, etc. Algumas instituições pensaram na sua pessoa como protector, como sucedeu talvez com a própria Maçonaria, então em fase de pré-estruturação.

O príncipe fundou, em 1791, o Seminário de Cernache do Bonjardim (Sertã), com inauguração dos trabalhos escolares no mesmo ano. A partir de Outubro de 1791, com antecedentes remontando à morte do filho primogénito, três anos atrás, a rainha D. Maria I começou a sofrer ataques demorados de perturbação mental. 

Estes ataques amiudaram-se nos meses seguintes e, em finais de Janeiro de 1792, um estado de completa loucura declarou-se na soberana. Após parecer de uma junta médica, o governo solicitou ao príncipe D. João, em 10 de Fevereiro, que assumisse a direcção da administração do Reino. O príncipe anuiu, por despacho do mesmo dia, iniciando assim um longo governo de trinta e quatro anos.

 

4. A soberania de D. João articulou-se em quatro grandes fases, todas elas bem definidas e bem separadas umas das outras. A primeira, de 1792 a 1807, desenrolou-se em Portugal e sob a égide do chamado despotismo esclarecido. A segunda, de 1808 a 1821, teve lugar no Brasil, convertido em metrópole. A terceira, de 1821 a 1823, correspondeu ao Vintismo, à primeira experiência liberal e à consequente independência do Brasil. 

Finalmente a quarta, de 1823 a 1826, significou o regresso ao absolutismo e a um tentativa impossível de restaurar o antigo sistema em toda a sua pureza. Em todas elas D. João, quer como príncipe quer como rei, foi sempre o protagonista principal, o centro das grandes atenções, o eixo em torno do qual girou toda a história do País, mau grado a importância conjuntural de ministros, embaixadores e outros representantes estrangeiros, Cortes e deputados, a sua mulher Carlota Joaquina e seus filhos Pedro e Miguel.

Durante sete anos, D. João - como herdeiro da Coroa, Príncipe do Brasil -, governou Portugal em nome de D. Maria I. Perdidas todas as esperanças de recuperação da saúde da rainha, D. João aceitou, em 15 de Julho de 1799, o título de Príncipe Regente. Mas a mudança de governante não correspondeu a qualquer alteração no governo.

 Os ministros só pontualmente foram sendo substituídos. Os quatro existentes à data do enlouquecimento da soberana mantiveram-se em funções, saindo apenas um - Martinho de Melo e Castro - e por morte, em 1795. Em 1799 foi demitido um segundo, José de Seabra da Silva. 

Os outros dois, o marquês de Ponte de Lima e Luís Pinto de Sousa Coutinho só abandonaram funções em 1800 e 1804, respectivamente, e o primeiro uma vez mais por falecimento. Assim, apenas doze anos depois de ter tomado as rédeas do poder, pôs o Regente termo às nomeações de sua mãe, governando com ministros de escolha própria. O que traduzia, se não hesitação e receio perante mudanças e necessidades de recrutamento, pelo menos vontade de continuação governativa com gente já experimentada.

A passagem dos anos, aliás, traria mais alterações. A época, conturbada, assim o exigia. Em 1801, o Regente constituiu um ministério com três caras novas, com o duque de Lafões à frente, secundado por D. João de Almeida e Melo e Castro, o visconde da Anadia e os já ministros Luís Pinto e D. Rodrigo de Sousa Coutinho. 

Fez-lhe modificações em 1804 e 1806, nomeando Ministros Assistentes ao Despacho - isto é, primeiros-ministros - o conde de Vila Verde e António de Araújo de Azevedo, respectivamente, mas nunca se desfaz da totalidade do elenco. Tendeu, no entanto, a reduzir o ministério, concentrando pastas numa só pessoa. 

Assim, em 1807, o governo compunha-se apenas de três secretários de Estado: António de Araújo de Azevedo (futuro conde da Barca), que acumulava a Presidência com o Reino e com os Negócios Estrangeiros e Guerra, o Visconde da Anadia, titular da Marinha e Conquistas, e Luís de Vasconcelos e Sousa, titular da Fazenda. A prática continuaria e até se acentuaria, quer em Portugal quer no Brasil, até ao advento do Liberalismo.

Napoleão Bonaparte

 

A Revolução Francesa

 

5. As questões e as dificuldades governativas até 1807 foram, sem dúvida, muitas e complexas. A Revolução Francesa e suas sequelas sentiram-se em Portugal como em todo o mundo, obrigando um príncipe algo timorato e um ministério muitas vezes pouco adequado a enfrentar vários problemas novos. 

A guerra com a França foi, sem discussão, a questão mais grave e recorrente, com manifestações em 1793-1795 (Guerra do Rossilhão), 1801 (Guerra das Laranjas) e 1807-1814 (Invasões Francesas). Se, aquando da primeira, portugueses e espanhóis combateram aliados e longe das fronteiras de Portugal, já a guerra de 1801 e a invasão de 1807 duplicaram o inimigo, mesmo que teoricamente. 

Mas em todos os casos, se a compreensão dos governantes, a estratégia dos generais, o valor dos combatentes e a argúcia dos diplomatas não corresponderam aos do adversário, diga-se em abono de Portugal que outro tanto acontecia na demais Europa. O príncipe, logo regente, não fez pior figura do que seu sogro, o rei Carlos IV de Espanha e, pelo menos, não se deixou aprisionar por Napoleão, como este último. 

Mas é óbvio que o medo inspirado pelo terror revolucionário e pelas proezas de Bonaparte-Napoleão contagiou muita gente, incluindo o Príncipe do Brasil e toda a sua família. Faltou, sem dúvida, ao governo português, quer o de 1793 quer o de 1801 ou o de 1807, uma direcção régia forte e determinada. D. João não servia, é óbvio. Mas quantos, na Europa, mais preparados e mais fortes de carácter, serviram?

 
 

 

Os momentos de conflito armado não esgotaram a questão com a França ou com a França e a Espanha. Foram entremeados de uma diplomacia activíssima, plena de golpes de teatro e de volte-face repentinos e insuspeitados. À preocupação hegemónica de Napoleão Bonaparte aliava-se a ambição, mais ou menos desvendada, do governo espanhol, de pôr fim à independência portuguesa, reunificando a Península. 

O Tratado de Fontainebleau (1807), aliás de efémera duração e nula exequibilidade, colocaria à luz uma parte daquelas ambições. Em Paris, em Madrid e em Londres, só para mencionar os principais palcos, os representantes portugueses foram vítima constante das indecisões do governo e das pressões, quantas vezes agressivas, das potências estrangeiras. 

Também aqui o príncipe D. João tendia a manter os seus diplomatas em funções, insistindo na continuidade e na experiência, nem sempre com resultados satisfatórios. A mudança repentina não era, claramente, o seu forte, e só muito instado acedia a substitui-los. 

Nessa diplomacia, já de si claudicante e pouco determinada, desempenhou por vezes um papel ambíguo a própria Carlota Joaquina, cujas ambições de governo foram manifestas, pelo menos desde que o corte de relações com o marido se mostrou irreversível.

Às questões políticas externas acresciam os muitos problemas ultramarinos e internos. No Brasil registaram-se os primeiros episódios precursores do movimento de independência - a Inconfidência Mineira (1789-1792), a Inconfidência Baiana (1798) e a Inconfidência Pernambucana (1801) - com prisões, desterros, execuções e uma consciência crescente do perigo de separatismo que poderá ter ajudado à decisão de transferir a Corte para o Rio. 

Em Portugal, o sossego de muitos anos foi perturbado pelos motins de Campo de Ourique, em Lisboa (1803), que puseram face a face tendências francófilas e anglófilas e, sobretudo, pela chamada Conspiração de Mafra (1805), movimento ainda obscuro que visaria transferir a regência de D. João para Carlota Joaquina e onde parte da nobreza teve papel relevante. 

Na interpretação do príncipe D. Pedro - futuro rei-imperador do Brasil e rei de Portugal -, expendida anos mais tarde, fora a incipiente maçonaria portuguesa quem salvara a autoridade de D. João. Prenúncios de 1817 e 1820? A nossa informação mostra-se ainda escassa, conquanto seja bem conhecido o impacte que o acontecimento teve na personalidade do Regente.

Guerra, diplomacia, casamentos de príncipes, sumptuária, obras pias e culturais, burocracia crescente, modernização de estruturas custam sempre muito caro. O País endividou-se, criando novos e odiados impostos - o do papel selado, em 1797, foi o pior -, introduzindo-se o papel moeda e contraindo-se empréstimos. 

Mas se as finanças não florescem, já a economia esteve mais próspera. As exportações superaram quase constantemente as importações. Sobretudo no porto de Lisboa mas também nos demais portos de Portugal eram intensos o movimento e o número de embarcações, tanto estrangeiras quanto nacionais. 

O vinho, o azeite, o sal, os couros e a fruta e mesmo artefactos industriais, aliados aos produtos ultramarinos, mormente os brasileiros, faziam Portugal conhecido em toda a Europa e além dela. Embora a maior parte da navegação comercial se efectuasse com navios estrangeiros, a frota portuguesa mostrava-se ainda importante. 

Os vários estaleiros disseminados pela Metrópole e pelas colónias lançavam ao mar sucessivas embarcações, incluindo navios de guerra. Com quase 200 000 habitantes, e embora superada pelas principais capitais europeias, Lisboa, extensa e vistosa, fazia ainda figura de grande cidade internacional, tal como Portugal e o seu império, mau grado o evidente declínio, tinham ainda algum significado no conjunto das nações.

As demoradas e ambíguas negociações diplomáticas com a França, em que Portugal, passado o ímpeto anti-revolucionário, pretendeu adoptar uma posição de neutralidade, conservando o status quo com a Inglaterra e o respeito para com o astro napoleónico, chegaram ao seu termo em meados de 1807. 

Decretado por Napoleão o bloqueio continental em 21 de Novembro de 1806, o governo do príncipe D. João tentou desesperadamente furtar-se-lhe, já que as consequências para a economia portuguesa seriam desastrosas. 

Mas Napoleão, triunfante militarmente em toda a Europa e dispondo do apoio espanhol, não tolerou por mais tempo a política dissuasória da Regência. Em Julho de 1807 enviou-lhe uma nota diplomática bem clara sobre o encerramento dos portos aos Ingleses, o confisco dos navios e bens britânicos e a quebra de relações com o governo do Reino Unido.

Em Agosto, vendo que prosseguiam as manobras habituais de compromisso e apaziguamento, os enviados diplomáticos francês e espanhol em Lisboa apresentaram um ultimatum: ou Portugal declarava guerra à Inglaterra até 1 de Setembro ou os exércitos franco-espanhóis invadiam o País.

A angústia do Regente e, de uma maneira geral, de todos os responsáveis governativos, pode bem ser imaginada. Não se pensava, sequer, em resistir aos franceses. A única solução vislumbrada foi a retirada para o Brasil, plano já delineado por Pombal cerca de cinquenta anos antes, aquando da Guerra dos Sete Anos, e sugerido de novo por diferentes personalidades em 1801 e 1803. 

Decidiu-se, primeiro, fazer partir apenas o herdeiro da Coroa, D. Pedro, então criança de 9 anos, permanecendo em Portugal a demais família. Mas, quase à última hora, o Príncipe Regente, receoso pela sorte do filho e não desejando separar-se dele, resolveu impedir a partida. 

Por uma vez de acordo com Carlota Joaquina, decidiu então (Setembro) que toda a família fugisse ao invasor, transferindo-se para o Brasil a sede do reino. Os preparativos para o embarque, com o empacotamento do necessário e do supérfluo, ocuparam os meses de Outubro e de Novembro. 

Mas, até ao último momento, houve a esperança de que Napoleão desistisse da guerra e aceitasse as contrapropostas portuguesas. O Decreto de 21 de Outubro de 1807 fechou mesmo, em teoria, os portos a todos os navios ingleses, já depois de quatro grandes comboios de propriedade móvel britânica terem abandonado o País. 

Entretanto, pelo Tratado de Fontainebleau (29 de Outubro de 1807) celebrado com a Espanha, Napoleão destronava a dinastia de Bragança e suprimia Portugal do mapa da Europa, dividindo-o em três partes: 

Entre Douro e Minho, constituído em reino com o nome de Lusitânia Setentrional, seria entregue hereditariamente ao rei da Etúria (então o jovem duque de Parma, Luís II, aliado da França e seu "protegido"); 

Trás-os-Montes, a Beira e a Estremadura teriam o seu destino decidido quando fosse estabelecida a paz geral; 

O Alentejo e o Algarve, constituídos em principado com o nome de "Algarves", seriam hereditariamente confiados ao primeiro-ministro espanhol, Manuel Godoy, o chamado "Príncipe da Paz"

Os dois novos Estados ficariam, contudo, sob a "protecção" do rei de Espanha, prevendo-se uma sua eventual devolução à casa de Bragança mas sob a mesma condição de "protegidos" pelo monarca espanhol. 

Todo o Ultramar seria igualmente partilhado entre a França e a Espanha, assumindo Carlos IV o título de imperador das Duas Américas.

Embora este tratado fosse mantido secreto e nunca tivesse entrado em vigor, quer pelos desejos e ambições dos invasores franceses quer pelo próprio destronamento e prisão dos Bourbons espanhóis (5 de Maio de 1808) e de Manuel Godoy, quer ainda pela anexação da Etúria pelo Império Francês (1808), ele revelava sem disfarces os objectivos do país vizinho e o nenhum respeito de Napoleão pela nação portuguesa.

 

Junot

 
Sob o comando supremo de Junot, os exércitos invasores transpuseram a fronteira portuguesa em 19 de Novembro de 1807, avançando sobre Lisboa em marchas forçadas. A decisão do embarque só se tomou poucos dias antes da chegada dos invasores à capital. 

A família real, que se encontrava em Mafra, foi mandada vir à pressa, embarcando imediatamente (27 de Novembro) no Restelo, aonde a aguardava uma esquadra portuguesa de quinze navios, ao lado de uma esquadra protectora inglesa. 

No meio de grande confusão, o Regente despediu-se, em lágrimas, dos seus súbditos, tomando lugar na nau Príncipe Real, em companhia da rainha louca e do príncipe herdeiro D. Pedro. Carlota Joaquina, com a demais prole, embarcou na nau Rainha de Portugal, enquanto outros membros da família real, ministros e demais comitiva ocupavam os outros navios. 

A ausência de ventos favoráveis fez demorar a partida dois dias, pelo que Junot, chegando a Lisboa em 30 de Novembro e correndo para São Julião da Barra, ainda a avistou à distância...com um binóculo, claro !.

 

 

Treze anos da estadia de D. João VI no Brasil

 

6. Tratados noutra parte, não nos ocuparemos em pormenor dos treze anos da estada de D. João no Brasil. Bastará dizer que, depois de alguns percalços no mar, que levaram à dispersão da frota, o Príncipe Regente aportou à Baía em 23 de Janeiro de 1808. Depois de se demorar aí cerca de um mês, reembarcou em 26 de Fevereiro, pondo pé na cidade do Rio de Janeiro em 8 de Março seguinte. No Brasil e no Rio, onde estabeleceu a Corte e a sede do governo, se demoraria até 26 de Abril de 1821.

No Brasil ascendeu formalmente à realeza, visto que a pobre D. Maria I, quase sempre louca, veio a morrer em 20 de Março de 1816. Mas já um ano antes passara a Príncipe Regente do Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarve, novo título e nova designação derivados do estatuto de reino concedido ao Brasil por carta régia de 16 de Dezembro de 1815. O facto seria oficializado pela aclamação solene do monarca, no Rio de Janeiro, em 6 de Fevereiro de 1818.

Para o Brasil levou D. João os seus principais validos e a mais gente de confiança: os irmãos Lobatos, que generosamente protegeria, distinguindo dois deles com títulos de nobreza (barão e logo visconde de Vila Nova da Rainha ao Francisco; barão e depois visconde de Magé ao Matias); o médico preferido, Manuel Vieira da Silva e Abreu, feito barão de Avaiázere; o secretário particular, José Egídio Álvares de Almeida; e outros ainda.

Tudo indica que se tenha adaptado bem ao novo meio, gostando do Brasil e dos luso-americanos e demorando, tanto quanto pôde, o regresso a Portugal - viável desde a paz de 1815 -, até porque receava o mar e as viagens marítimas. Tornou-se assim popular na nova metrópole, sendo estimado pelos Brasileiros e apreciado como o monarca que impulsionara o crescimento da colónia e a convertera em monarquia autónoma.

As questões com Carlota Joaquina continuaram, embora talvez amortecidas pelo ambiente novo e pelos planos grandiosos da princesa-rainha de se tornar soberana de um Estado autónomo de língua castelhana, já que seu pai e seu irmão haviam abdicado do trono espanhol.

A instrução dos filhos, mormente dos rapazes, foi descurada, como todos reconheciam, incluindo os próprios D. Pedro e D. Miguel. Mas houve sempre a preocupação de os ligar pelo casamento a famílias reais ilustres, o que sucedeu com a infanta D. Maria Teresa, casada (1810) com o seu tio D. Pedro Carlos, irmão de Fernando VII de Espanha, com D. Maria Isabel, matrimoniada (1816) com o próprio Fernando VII, igualmente seu tio, com D. Maria Francisca, ligada (1816) ao infante D. Carlos, outrossim seu tio e, enfim, com o herdeiro D. Pedro, solenemente casado (1817) com Maria Leopoldina, filha do imperador da Áustria, Francisco I.

 

 

A revolução liberal

 

7. A revolução liberal eclodiu no Porto em 24 de Agosto de 1820 e, em Lisboa, a 15 de Setembro seguinte. Fora precedida por uma lenta revolução nas mentes e por um acumular de descontentamentos que a tornavam inevitável: contra os militares ingleses que controlavam o exército português, simbolizados pelo detestado marechal Beresford, feito marquês de Campo Maior e autêntico vice-rei de Portugal; contra a permanência do rei no Brasil, o que acarretava a condição, de facto, do País, a colónia; contra a constante drenagem de dinheiro para a possessão americana na forma de rendas e contribuições; contra o declínio do comércio e os malefícios do tratado com a Inglaterra de 1810; contra o despotismo e a alegada incapacidade da regência e do governo existentes em Portugal; etc. 

Uma tentativa para modificar, no todo ou em parte, este estado de coisas, levara à conspiração de 1817 e à repressão sangrenta que a sua descoberta implicara: o enforcamento de doze pessoas, incluindo o prestigiado general Gomes Freire de Andrade

Beresford, os regentes e os ministros haviam sido os grandes responsáveis pelas execuções mas a culpabilidade de D. João VI manifestara-se e continuava a manifestar-se na confiança depositada no marechal e nos governantes, e traduzida por reforços de poderes sempre que estes o solicitavam. 

 
 

 

A ausência e a distância do poder central implicavam o desconhecimento daquilo que, na realidade, se passava no País e possibilitavam toda a espécie de injustiças e desmandos, tal como os vice-reis praticavam nas colónias, à revelia de Lisboa.

Em começos de Novembro de 1820, chegou ao Brasil a notícia dos acontecimentos de Portugal. Não tardou a que os ânimos se exaltassem e a que o exemplo fosse secundado. O Pará pronunciou-se em começos de Janeiro de 1821, a Baía um mês depois e o Rio a partir de 17 de Fevereiro. 

Pressionado pelos acontecimentos e aconselhado por muitos que o rodeavam, D. João VI viu-se obrigado a pactuar. Resolveu primeiro enviar o príncipe D. Pedro para Lisboa, acompanhado das bases fundamentais de uma carta constitucional. Mas o projecto foi logo abandonado, não só devido à recusa do príncipe e à resistência dos corpos militares como também por a ideia de uma carta dever ser posta de parte pela marcha da revolução portuguesa. 

O rei decidiu-se então a aprovar a futura Constituição (26 de Fevereiro), resolvendo dez dias depois, regressar a Portugal. Pode supor-se o estado de ânimo de D. João VI, receoso de acontecimentos que lhe faziam lembrar a odiada Revolução Francesa, temeroso de uma nova e demorada travessia do oceano, pouco disposto a mudar uma vez mais de vida e de hábitos, numa idade mais propensa à quietação do que à modificação. 

Contudo, a opção era clara já que o governo de Lisboa exigia firmemente o regresso. Ou o rei ficava no Brasil, perdendo com probabilidade a Coroa de Portugal, ou voltava a Portugal, sendo então possível - mas não ainda provável - a perda do Brasil. Com profundo desagrado dos Brasileiros, D. João VI escolheu a segunda alternativa. Em 26 de Abril de 1821, embarcava no Rio, deixando no Brasil como regente o príncipe D. Pedro.

A chegada ao Tejo teve lugar a 3 de Julho, mas D. João VI só desembarcou no dia seguinte. Embora fosse tratado com respeito e alguma cordialidade pelas autoridades liberais, a que correspondeu de igual maneira, houve o propósito claro de lhe mostrar que a realidade era agora outra e que os poderes absolutos do passado não existiam mais. 

O soberano, contudo, submeteu-se com aparente bom grado às novas regras do jogo, o que lhe valeu alguma popularidade na opinião pública liberal. Na verdade, tanto as Bases da Constituição (9 de Março de 1821) como a própria Constituição (23 de Setembro de 1822), juradas ambas pelo soberano, retiravam-lhe extensos poderes e direitos, usados desde havia longos séculos. 

A autoridade do rei declarava-se provir da Nação, cabendo a esta elaborar a própria constituição, sem dependência da sanção régia. O poder legislativo passava a residir nas Cortes, concedendo-se apenas ao soberano um veto suspensivo que nem sequer se aplicava às primeiras Cortes. 

Era interdita ao monarca a assistência às deliberações parlamentares. O rei não podia prorrogar nem dissolver as Cortes. Somente a estas pertencia aprovar tratados de aliança, de subsídios e de comércio, fixar impostos e despesas públicas, e determinar o valor da moeda. 

O novo Conselho de Estado seria nomeado pelo rei mas de entre um elenco escolhido pelas Cortes. E, porventura o pior dos vexames, caberia às Cortes assignar ao rei e à família real uma dotação por elas votada e os palácios para sua residência. Como única compensação, dava-se--lhe o poder de nomear e demitir livremente, sem aprovação nem prévia audição das Cortes ou do Conselho de Estado, os ministros, os comandantes das forças armadas e os cônsules no estrangeiro.

Nenhum monarca absoluto aceitaria de bom grado uma transformação tão radical nos seus hábitos e formas de governar. D. João VI, contudo, fosse por medo fosse por prudência, acatou-a sem protesto visível. 

Acaso lhe teriam expressado os representantes diplomáticos estrangeiros ou alguns portugueses bem informados e precavidos a convicção de que semelhante estado de coisas não poderia durar muito tempo e que, com maior ou menor latitude, o monarca recobraria os seus direitos num futuro próximo. É verdade que muitos houve, incluindo o próprio D. Pedro, que consideravam o rei coacto e sequestrado pela facção vintista, o que parece hoje difícil de comprovar.

Razões de natureza pessoal podem também ter empurrado D. João VI para uma aceitação prática da causa liberal ou, pelo menos, dos seus princípios mais moderados. Com efeito, não tardou que Carlota Joaquina se arvorasse em cabeça do partido absolutista, promovendo conspirações contra o regime, recusando jurar a Constituição e sendo, por isso, punida com residência fixa, na perspectiva de uma expulsão do Reino que nunca se chegou a concretizar.

Adversário natural da rainha, D. João VI sentir-se-ia naturalmente aliado da facção que a contrariasse. Outro tanto se poderia dizer do seu afastamento do filho D. Miguel, claramente instrumentalizado pela soberana.

Ao regressar do Brasil, D. João VI foi-se instalar no Palácio de Queluz. Aí residiu durante a maior parte do ano de 1821, com poucas ausências, a não ser para Lisboa, quando o chamavam cerimónias oficiais ou outros deveres do cargo. 

Nos começos de Dezembro desse ano, talvez por se sentir mais velho e doente e menos disposto às deslocações a Lisboa, transferiu residência para o Paço da Bemposta, na capital. Ocasionalmente ia a Mafra, ao Alfeite ou a Salvaterra de Magos, mas sempre com pouca demora.

Os seus validos e confidentes mudaram em parte. Entre os ministros, afeiçoou-se sobretudo a Manuel Inácio Martins Pamplona - ex-membro da Legião Portuguesa ao serviço de Napoleão -, que fez conde de Subserra, e que chamou várias vezes ao poder. Também apreciou o conde de Palmela e mais alguns outros, sem propriamente os considerar seus amigos. 

O marquês de Loulé, Agostinho de Mendonça, de novo um antigo membro da Legião Portuguesa, foi outro dos seus confidentes, de tal forma o escutava que lhe causou, indirectamente, a morte, visto que o tornou odiado pela facção ultra-absolutista. 

Estimou ainda Silva Carvalho e outros liberais, tanto vintistas quanto moderados, curiosamente todos ou quase todos pedreiros-livres, sem esquecer os "conselhos" e as advertências recebidos de seu filho predilecto, D. Pedro, que o alertava para os perigos das facções extremistas e para o apoio que, em seu entender, a Maçonaria prestara à causa do Regente aquando da conspiração de 1805. 

Entre as pessoas de confiança de D. João VI durante o seu segundo período de governo em Portugal contaram-se ainda os médicos barão de Alvaiázere e Dr. Bernardo de Abrantes e Castro, o cirurgião Teodoro Ferreira de Aguiar, os eternos irmãos Lobatos e o secretário particular, José Egídio Álvares de Almeida.

As Cortes e o novo regime ficaram altamente desprestigiados com a independência do Brasil (Setembro de 1822) e a aprovação do texto constitucional. Ao trágico golpe sofrido pela economia e pelo brio nacionais juntou-se o descontentamento da nobreza e do clero, humilhados e ofendidos pelo seu apagamento oficial da vida pública. 

O retorno ao absolutismo, com a devolução ao monarca dos seus "inauferíveis direitos", passou a ser encarado como a solução mais rápida e viável para pôr termo aos males da Pátria. As potências europeias, aliás, remavam no mesmo sentido, conduzidas pelo chanceler austríaco Metternich. 

Era preciso pôr termo às Constituições de raiz popular e aos perigos que elas representavam para a ordem internacional. Liquidadas pela intervenção estrangeira as experiências liberais italianas, faltava agora restaurar o absolutismo na Península Ibérica. Em Portugal, a partir do final de 1822, o movimento antiliberal ganhou força crescente. 

O procedimento legal contra a rainha mostrou-se altamente impopular. Em Fevereiro de 1823 revoltou-se em Trás-os-Montes o conde de Amarante, sendo necessário um mês para debelar a rebelião. Em Abril, as tropas francesas invadiram a Espanha com o fim de derrubar o regime liberal aí vigente desde 1820 também. Solidário com o liberalismo espanhol, o governo português foi ao ponto de cortar relações diplomáticas com a França ( 20 de Abril). 

Contudo, os liberais tinham plena consciência do perigo que corriam. Em 15 de Maio, face aos progressos da invasão da Espanha, foi decidida uma convocação extraordinária das Cortes. Madrid caiu em 23 de Maio. Quatro dias mais tarde, o infante D. Miguel, apoiado em vários corpos do exército, revolta-se em Vila Franca de Xira, proclamando a necessidade de "liberar" o rei e de lhe restituir a autoridade.

 

8. O momento era difícil para D. João VI. Resistindo e apoiando as Cortes e as autoridades, como fez nos três primeiros dias da rebelião, arriscava-se a perder o trono em proveito de Carlota Joaquina e de D. Miguel. Os eventos sopravam da direita e, mesmo que a Inglaterra se opusesse a uma invasão de Portugal por forças estrangeiras, o liberalismo tinha por então os seus dias contados. 

Secundar a Vilafrancada era, por outro lado, pactuar com o inimigo de sempre e submeter-se à sua tutela. De "prisioneiro" dos liberais o monarca passava a "prisioneiro" dos absolutistas, ou seja, da própria mulher.

Consciente da impopularidade momentânea da causa liberal e da gravidade da cena internacional, D. João VI deu um pequeno golpe de Estado. Em 30 de Maio deslocou-se a Vila Franca e apoiou os intuitos do infante, colocando-se ele próprio à frente do movimento anticonstitucional. 

Nomeou novo ministério, reintegrou Carlota Joaquina nos seus direitos, dissolveu as Cortes e restabeleceu a "Constituição" tradicional do Reino, prometendo para breve uma reunião de Cortes à maneira antiga e outorga de uma Carta Constitucional. 

Nomeou ainda D. Miguel comandante em chefe do Exército. Em 5 de Junho de 1823 reentrava triunfalmente em Lisboa, num coche puxado à mão por absolutistas exaltados e rejubilantes.

Nos meses seguintes, rei e governo deram mostras de querer cumprir um programa absolutista puro. Foram abolidas a legislação e as instituições liberais, com poucas excepções (o Banco de Lisboa entre estas). Restabeleceram-se a censura, o antigo Conselho de Estado e vários outros organismos do Antigo Regime. 

Discriminou-se contra os maçons, sendo publicada uma lei contra as sociedades secretas. Entrou triunfalmente em Lisboa o conde de Amarante, premiado com o título de marquês de Chaves. Centenas ou mesmo milhares de liberais foram demitidos, presos, desterrados ou expulsos do País. Muitos outros fugiram. Pela imprensa saiu uma avalancha de pasquins antiliberais e antimaçónicos, exaltando o regresso ao Antigo Regime e as figuras da rainha e do infante D. Miguel.

Não tardaram, porém, os ultra-absolutistas a compreender que o novo regime não lhes servia. A tolerância e o bom senso do rei entravam em conflito com a intransigência e o radicalismo dos ultraconservadores. O odiado Pamplona era, não só ministro mas também chefe do governo. Muitos pedreiros-livres ou havidos como tais continuavam em funções. Os trabalhos conducentes à Carta Constitucional prosseguiam.

Logo em Outubro de 1823 houve conhecimento de mais uma conspiração, aparentemente urdida pela rainha. Em Dezembro, a Polícia descobriu um plano para forçar D. João VI à abdicação, verdadeiro objectivo quer de Carlota Joaquina quer de D. Miguel. Em 1824, os acontecimentos precipitaram-se. 

Por um lado, conseguiu-se o regresso do marechal Beresford, que D. João VI ouvia com atenção e que era um partidário decidido do absolutismo "forte". Por outro, a preocupação de isolar o rei levou ao assassinato do marquês de Loulé, em Salvaterra de Magos (finais de Fevereiro), e à tentativa de assassinato de Pamplona, em Abril. 

Em 30 deste mês, D. Miguel revoltou-se pela segunda vez, agora em Lisboa (Abrilada), com o pretexto de que "o excelso rei, o senhor D. João VI, cercado de facciosos", continuava em opressão e de que era necessário salvá-lo, à real família e à nação dos "malvados pedreiros-livres", causa de todos os males. Uma pastoral do cardeal-patriarca, datada do mesmo dia, acusava os maçons de, na noite anterior, terem tentado matar a família real.

Durante mais de uma semana, D. João VI esteve praticamente sequestrado pelos golpistas no seu Palácio da Bemposta enquanto, por ordem de D. Miguel, centenas de pessoas iam sendo presas, fugindo muitas outras. O corpo diplomático resolveu intervir e, a conselho seu, foi concebido um plano de fuga do monarca. 

Em 9 de Maio, conseguindo autorização para um passeio de barco até Caxias, o monarca fez desviar o escaler para o navio de guerra inglês Windsor Castle, aonde se refugiou. Aí recobrou a sua plena autoridade, destituindo D. Miguel do comando do Exército, fazendo-o sair do Reino (13 de Maio), mandando libertar todos os presos políticos e desterrando ou expulsando de Portugal os principais executores do golpe. 

Procurou uma vez mais conseguir o exílio de Carlota Joaquina, indo ao ponto de a denunciar ao irmão, Fernando VII de Espanha, mas sem resultado prático.

A última fase do reinado de D. João VI foi de relativa acalmia política. Expulso D. Miguel e detida, na prática, a rainha - o que não evitou nova conjura, descoberta pela Polícia em Outubro de 1824 -, prevaleceu um absolutismo moderado e temperado pela perspectiva da outorga de uma Carta Constitucional. 

A influência inglesa aumentou, devendo-se o ministério de Janeiro de 1825, que sacrificou Pamplona, às pressões do embaixador britânico. Também em grande parte por pressão inglesa foi resolvida a questão do Brasil, com reconhecimento da independência por parte de Portugal (29 de Agosto de 1825), o pagamento de uma indemnização pelo Brasil e a concessão nominal do título de "imperador" a D. João VI, durante a sua vida. Os implicadores na Abrilada receberam amnistia, com poucas excepções.

 

9. No último ano de vida do monarca, a grande questão que se pôs foi a da sucessão. Para a maior parte dos portugueses, o herdeiro legítimo era, sem sombra de dúvida, o imperador do Brasil, D. Pedro. O que se perguntava era se as duas coroas voltariam a unir-se, regressando-se à situação de 1815-1822, embora com autonomia de cada uma das partes. 

Parece ter sido este o sonho de D. João VI e, porventura, do próprio D. Pedro. Uma regência de D. Miguel em Portugal permitiria uma solução de compromisso. Não há, todavia, provas suficientes para converter todas estas hipóteses em verdades indiscutíveis. E a intervenção das Parcas veio colocar os dois países perante realidades súbitas e incontornáveis.

D. João VI gozava de pouca saúde. Nos começos de 1826, o inchaço nas pernas aumentara, revelando uma insuficiência cardíaca acentuada. Em 4 de Março o rei sofreu o primeiro de vários ataques, com vómitos e tremuras nervosas. 

Conseguiu ainda, num período em que experimentou melhoras, nomear uma regência para tomar conta dos negócios do Reino durante a enfermidade ou se lhe sobreviesse a morte. À cabeça colocou a infanta D. Isabel Maria, filha solteira mais velha, em quem o monarca, aparentemente, confiava. Omitiam-se do elenco os nomes da rainha e do infante D. Miguel. 

Os ataques físicos do monarca continuaram intermitentemente até que, em 10 de Março, um derradeiro e mais forte motivou o seu falecimento no Paço da Bemposta, com quase 59 anos de idade. Não faltaram os boatos de que fora vítima de veneno, atribuído tanto a absolutistas quanto a liberais, o que hoje parece fora de questão. ( Análises recentes às suas vísceras, provaram a presença de arsénico)

Poucos reinados terão sido tão difíceis e complexos em problemas como o de D. João VI, quer como regente quer como rei. 

Loucura de sua mãe, casamento infeliz e pleno de consequências, invasões de um país estrangeiro, refúgio na América, instauração de uma nova e subversiva ordem política, regresso a um Portugal diferente, traição de dois filhos, conspirações da mulher visando a sua abdicação ou, porventura, a morte, tudo o monarca teve de suportar e procurar resolver.

Mal preparado para o poder e pouco interessado nele, mediano na inteligência, hesitante e timorato por natureza, lá foi dando conta do recado, aos tropeços, sem alma e sem convicção. Não o condenemos nem reabilitemos. Lastimemo-lo somente.

 
Nota - D. João VI faleceu em Março de 1826 após adoecer por alguns dias. De sua "causa mortis", suspeitou-se ter sido por envenenamento. Recentemente uma equipa de pesquisadores exumou o pote de cerâmica chinesa que continha as suas vísceras e que se encontrava enterrado sob as lajes da capela dos Meninos da Palhavã no mosteiro de São Vicente de Fora.
 
Pedaços do seu coração foram re-hidratados e submetidos a análises, num estudo dirigido pelo Prof. Doutor Armando Santinho Cunha, o que veio a comprovar a suspeita de envenenamento por arsénico.
 

 

Nota - Teve segundo a opinião de muitos latino americanos de "habla castellana" uma grande virtude. 

A sua fuga para o Brasil, forjou uma grande Nação, metade da América do Sul, evitou o seu desmembramento, e muitos intelectuais da América do Sul não brasileira, lamentam hoje que o rei de Espanha não tivesse feito o mesmo.

Não o fez, deixou-se prender por Napoleão, deixando a América do Sul, que não fala português, dividida em cerca de treze países, erro que nem mais tarde, e com todo o seu prestígio, nem Bolívar conseguiu unir.

Essa é a razão principal, porque ainda hoje tanta gente na América do Sul procura informação para estudar e escrever sobre D. João VI.

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