Identificação
de um país antigo
NO MOMENTO
em que Portugal passa a partilhar a sua moeda com outros países
europeus, o desenho da face nacional do euro faz um regresso ao
principio da identidade nacional e utiliza três sinais de validação
ou autenticação régia de D. Afonso Henriques.
Ele que foi
o primeiro rei português e que, como os outros que se lhe seguiram,
nunca teve concorrente algum na cunhagem de moeda. Mas nem sempre isso
aconteceu noutros países da Europa feudal, onde esse privilégio foi
partilhado, e é significativo que a moeda que agora vai assinalar o
fim dessa capacidade "régia" escolha os símbolos de um
homem que iniciou o processo contrário.
Os vários
euros vão sinais datados de 1134,1142 e 1144, que eram desenhados à
mão no final dos documentos para os autenticar, mas estes nada têm a
ver com as moedas utilizadas na época. Em grande circulação estavam
os morabitinos, as moedas árabes, que as primeiras congéneres
portuguesas foram aliás copiar. Segundo a medievalista Maria Helena
Cruz Coelho, da Faculdade de Letras de Coimbra, só Afonso III é que
introduziu a libra, à imagem agora do espaço que fica para além dos
Pirenéus.
Mas o que
significa esta escolha? "Afonso Henrique é, de facto, a nossa
raiz fundadora. Ele é aquele que primeiro terá o título de rei - na
chancelaria incontestavelmente em 1140 -, que será reconhecido como
rei e fará Portugal ser reconhecido como reino, a partir de 1179,
pela Santa Sé. Se escolhêssemos por exemplo Camões, ou as
caravelas, estaríamos a apelar a um sentido mais
universalizante", explica Cruz Coelho.
Estes
sinais de validação, continua a historiadora, sempre intrigaram os
estrangeiros, "pelo facto de a palavra Portugal surgir tão cedo
e aparecer em vez do nome do duque ou do príncipe, que Afonso
Henriques também utilizou".
O que quer
isso dizer? "Existe uma precocidade portuguesa na afirmação
daquele que veio a ser o nome do país. Há a intenção de sugerir,
através da palavra identificadora de Portugal, essa precocidade
da
identificação de um espaço que se veio a tornar reino, Estado e nação".Mas
é, no entanto, cedo para falar de princípio da nacionalidade através
deste sinais, como se diz no comunicado do Ministério das Finanças.
Esse é um processo longo, explica José Mattoso na sua obra
"Identificação de Um País", e Lisboa, por exemplo, só
foi conquistada em 1147.
O território
identificado com Portugal no seu sentido amplo (o termo é assim
utilizado já desde o século X) não passava, ao tempo em que os
sinais em causa estavam a ser usados, da lanha do Mondego e o projecto
Portugal podia bem não ter acontecido.