Um Euro de D. Afonso Henriques

 
Um Euro de D. Afonso Henriques
 
Os símbolos que o primeiro rei de Portugal usava para marcar os seus documentos regressam para ilustrar a face portuguesa do euro. 
 
A escolha foi ontem anunciada. O outro lado da moeda será igual em todos os países. São desenhos para moedas que apenas entrarão nos bolsos em 2002.
   
 
As faces portuguesas das moedas de euro vão ter os símbolos que o primeiro rei de Portugal, D. Afonso Henriques, utilizava para autenticar os seus documentos. 
 
O outro lado da moeda, já aprovado pela União Europeia (UE), será igual em todos os países que participarem no espaço euro, com o mapa da Europa e os valores da moeda. Mas foi também ontem divulgado a versão final com a deslocação do número 2 para a esquerda, de forma que não tapasse Portugal.

A decisão da face nacional das moedas de euro emitidas por Portugal foi ontem anunciada pelo Ministro das Finanças depois de ter sido aprovada em Conselho de Ministros. António Sousa Franco revelou que ouviu o Banco de Portugal e afirmou que foi respeitada a decisão do júri, que escolheu, por maioria, este grafismo num conjunto de 14, na segunda-feira passada.

 
 

Todas as oito moedas previstas para o euro vão ter castelos e quinas distribuídos ao longo do círculo e paralelamente às 12 estrelas. A distinção é feita no elemento central, onde estão os símbolos de autenticação de D. Afonso Henriques onde se pode sempre ler Portugal.

Vão existir três símbolos diferentes. As moedas de um e dois euros, as únicas que são bi-metálicas à semelhança das de cem escudos, vão ter no centro uma espécie de flor de oito pétalas com uma cruz ao fundo. As de dez, 20 e 50 cents têm motivos românicos. E as de um, dois e cinco cents são marcadas por uma cruz.

Cada um dos países da UE que prevêem integrar o euro estão a escolher as suas faces nacionais. Portugal é, neste momento, o quinto País a anunciar a sua escolha para a face nacional da moeda única. "Tal como noutras situações, estamos entre os mais avançados".

Os símbolos escolhidos reflectem, de acordo com Sousa Franco, uma forte presença da identidade nacional. Esta foi, aliás, a defesa feita pelo autor do grafismo, Vítor dos Santos, na memória descritiva que acompanha os desenhos e que é transcrita pelo comunicado do Ministério das Finanças.

Além da identidade nacional, o autor procurou fazer um "contraste" com as propostas "já conhecidas de outros países, designadamente da Alemanha e da Bélgica".

   
 
A Alemanha escolheu como face nacional do euro a águia. Mas países como a Itália preferiram as suas obras de arte e a França optou pelo símbolo da República, a Marianne, para as moedas de cents, e uma árvore estilizada para as de um e dois euros (ver PÚBLICO de 17 de Fevereiro). Os países com monarcas, como é o caso da Bélgica, estão a optar pelas figuras dos seus reis ou rainhas.

O facto de as moedas terem uma face nacional não impede que possam ser usadas em todos os países que fizerem parte do espaço euro. Na prática e com o passar do tempo, os portugueses vão ter nas suas mãos moedas com a águia alemã ou a Marianne francesa.

Os outros países optaram por dar aos cents o nome utilizado na sua língua. Em Portugal vai optar-se pela denominação "cents" em vez do equivalente em português que seria centavos. O ministro das Finanças justificou esta escolha dizendo que se poderia confundir os centavos de escudos com os centavos de euro. Recorde-se que no primeiro semestre de 2002, altura em que entrarão em circulação as notas e moedas de euro, continuarão existir escudos. Estes só desaparecem em Julho de 2002.

O lado nacional das moedas portuguesas vai ter também as letras INCM, sigla da Imprensa Nacional Casa da Moeda, uma exigência inscrita no regulamento do concurso. RI, de Republica Italiana, é o que se vê nas moedas italianas e RF, de República Francesa nas francesas. No caso português todas as moedas terão a palavra "Portugal".

O vencedor da face portuguesa do euro, que vai receber um prémio de 1500 contos, é Vítor dos Santos, um escultor de 51 anos licenciado na Escola de Belas-Artes de Lisboa. Trabalha nos CIT, onde cria o desenho de selos e a decisão apanhou-o em Washington onde se encontra para visitar uma exposição.

 
   
 
Produz quem conseguir

Os desenhos do euro ficam assim concluídos, uma vez que o grafismo das notas já está decidido desde Julho de 1997. Os valores certos de notas e moedas que serão necessários produzir ainda estão a ser avaliados pelas instâncias comunitárias. E avançar para o processo de produção está dependente da decisão formal dos países que vão integrar o núcleo inicial da moeda única, agendada para 3 de Maio.

No caso português, e apesar de as moedas terem inscritas as letras INCM, ainda não se sabe se é a empresa portuguesa que as vai produzir. "Não garanto nem deixo de garantir", assim respondeu o ministro das Finanças quando ontem se perguntou se podia garantir que seria a INCM a produzir os 1300 milhões de moedas de euro que se estima que Portugal precisará logo no início de 2002.

Sousa Franco garantiu que "as moedas de euro serão produzidas a tempo por quem tiver condições para o fazer". E acrescentou que tinham existido "declarações irresponsáveis" mas que o Governo estava em contacto com a Casa da Moeda. Durante a última semana, e na sequência de declarações do que é considerado como um dos maiores especialistas portugueses em cunhagem de moeda num seminário, levantaram-se dúvidas sobre a capacidade da INCM.

O custo da produção dos euros para Portugal está estimado em dez milhões de contos e a INCM garante que já comprou mais uma máquina que lhe permitirá produzir as moedas necessárias.

A escolha da face comum das moedas de euro, a cargo dos governos através dos seus departamentos do Tesouro, marcou um primeiro incidente com Portugal por não estar desenhada a fronteira com Espanha. Esse aspecto foi levantado pelos responsáveis governamentais portugueses e corrigido. Ontem, a Comissão Europeia anunciou que já tinha sido concretizado mais um ajustamento que também afectava Portugal. Na moeda de dois euros o 2 foi deslocado para a esquerda para que se pudesse ver Portugal.

O euro vai ter moedas de dois, cinco, dez, 20 e 50 cents e de um e dois euros. As notas serão de cem, 200 e 500 euros. O critério de fixação do seu valor apenas será decidido na reunião de chefes de Estado e de Governo a decorrer de l a 3 de Maio.

 Mas pode-se desde já admitir que um euro será mais ou menos 200 escudos. A ser assim, um café poderá custar 35 cents. Mas só poderá ser pago com moeda de euro em 2002. Até lá, e a partir de Janeiro do próximo ano, pagar em euros só com cheques ou cartão.

 

 
Identificação de um país antigo

NO MOMENTO em que Portugal passa a partilhar a sua moeda com outros países europeus, o desenho da face nacional do euro faz um regresso ao principio da identidade nacional e utiliza três sinais de validação ou autenticação régia de D. Afonso Henriques. 

Ele que foi o primeiro rei português e que, como os outros que se lhe seguiram, nunca teve concorrente algum na cunhagem de moeda. Mas nem sempre isso aconteceu noutros países da Europa feudal, onde esse privilégio foi partilhado, e é significativo que a moeda que agora vai assinalar o fim dessa capacidade "régia" escolha os símbolos de um homem que iniciou o processo contrário.

Os vários euros vão sinais datados de 1134,1142 e 1144, que eram desenhados à mão no final dos documentos para os autenticar, mas estes nada têm a ver com as moedas utilizadas na época. Em grande circulação estavam os morabitinos, as moedas árabes, que as primeiras congéneres portuguesas foram aliás copiar. Segundo a medievalista Maria Helena Cruz Coelho, da Faculdade de Letras de Coimbra, só Afonso III é que introduziu a libra, à imagem agora do espaço que fica para além dos Pirenéus.

Mas o que significa esta escolha? "Afonso Henrique é, de facto, a nossa raiz fundadora. Ele é aquele que primeiro terá o título de rei - na chancelaria incontestavelmente em 1140 -, que será reconhecido como rei e fará Portugal ser reconhecido como reino, a partir de 1179, pela Santa Sé. Se escolhêssemos por exemplo Camões, ou as caravelas, estaríamos a apelar a um sentido mais universalizante", explica Cruz Coelho.

Estes sinais de validação, continua a historiadora, sempre intrigaram os estrangeiros, "pelo facto de a palavra Portugal surgir tão cedo e aparecer em vez do nome do duque ou do príncipe, que Afonso Henriques também utilizou". 

O que quer isso dizer? "Existe uma precocidade portuguesa na afirmação daquele que veio a ser o nome do país. Há a intenção de sugerir, através da palavra identificadora de Portugal, essa precocidade

da identificação de um espaço que se veio a tornar reino, Estado e nação".Mas é, no entanto, cedo para falar de princípio da nacionalidade através deste sinais, como se diz no comunicado do Ministério das Finanças. Esse é um processo longo, explica José Mattoso na sua obra "Identificação de Um País", e Lisboa, por exemplo, só foi conquistada em 1147. 

O território identificado com Portugal no seu sentido amplo (o termo é assim utilizado já desde o século X) não passava, ao tempo em que os sinais em causa estavam a ser usados, da lanha do Mondego e o projecto Portugal podia bem não ter acontecido.

 

   

Circulação Fiduciária em Portugal

 
De acordo com o Boletim estatistico do Banco de Portugal, a circulação total monetária em Portugal ( 2002 ) rondará os mil milhões de contos ( Jornal O Público de 8 de Janeiro de 2002 )
 
   

 

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Condensado da Internet de estudo de Helena Garrido - Instituto Camões

 
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