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- Carta a El Rei D. Manuel,
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- Dominus : 1 de Maio de
1500.
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- «Senhor,
- posto que o Capitão-mor desta
Vossa frota, e assim os outros capitães escrevam a Vossa Alteza a notícia do achamento
desta Vossa terra nova, que se agora nesta navegação achou, não deixarei de também dar
disso minha conta a Vossa Alteza, assim como eu melhor puder, ainda que -- para o bem
contar e falar -- o saiba pior que todos fazer!
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- Todavia tome Vossa Alteza minha
ignorância por boa vontade, a qual bem certo creia que, para aformosentar nem afear, aqui
não há de pôr mais do que aquilo que vi e me pareceu.
- Da marinhagem e das singraduras do
caminho não darei aqui conta a Vossa Alteza -- porque o não saberei fazer -- e os
pilotos devem ter este cuidado. E portanto, Senhor, do que hei de falar começo:
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- E digo quê:
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- A partida de Belém foi -- como
Vossa Alteza sabe, segunda-feira 9 de março. E sábado, 14 do dito mês, entre as 8 e 9
horas, nos achamos entre as Canárias, mais perto da Grande Canária. E ali andamos todo
aquele dia em calma, à vista delas, obra de três a quatro léguas. E domingo, 22 do dito
mês, às dez horas mais ou menos, houvemos vista das ilhas de Cabo Verde, a saber da ilha
de São Nicolau, segundo o dito de Pero Escolar, piloto.
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- Na noite seguinte à segunda-feira
amanheceu, se perdeu da frota Vasco de Ataíde com a sua nau, sem haver tempo forte ou
contrário para poder ser !
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- Fez o capitão suas diligências
para o achar, em umas e outras partes. Mas... não apareceu mais
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O Achamento
do Brasil
21 de
abril de 1500 ( 3ª feira )
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- E assim seguimos nosso
caminho, por este mar de longo, até que terça-feira das Oitavas de Páscoa, que foram 21
dias de abril, topamos alguns sinais de terra, estando da dita Ilha -- segundo os pilotos
diziam, obra de 660 ou 670 léguas -- os quais eram muita quantidade de ervas compridas, a
que os mareantes chamam botelho, e assim mesmo outras a que dão o nome de rabo-de-asno. E
quarta-feira seguinte, pela manhã, topamos aves a que chamam furabuchos.
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- Neste mesmo dia, a horas de
véspera, houvemos vista de terra! A saber, primeiramente de um grande monte, muito alto e
redondo; e de outras serras mais baixas ao sul dele; e de terra chã, com grandes
arvoredos; ao qual monte alto o capitão pôs o nome de O Monte Pascoal e à terra A Terra
de Vera Cruz!
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- Mandou lançar o prumo.
Acharam vinte e cinco braças. E ao sol-posto umas seis léguas da terra, lançamos
ancoras, em dezenove braças -- ancoragem limpa. Ali ficamo-nos toda aquela noite. E
quinta-feira, pela manhã, fizemos vela e seguimos em direitura à terra, indo os navios
pequenos diante -- por dezessete, dezesseis, quinze, catorze, doze, nove braças -- até
meia légua da terra, onde todos lançamos ancoras, em frente da boca de um rio. E
chegaríamos a esta ancoragem às dez horas, pouco mais ou menos.
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- E dali avistamos homens que
andavam pela praia, uns sete ou oito, segundo disseram os navios pequenos que chegaram
primeiro. Então lançamos fora os batéis e esquifes. E logo vieram todos os capitães
das naus a esta nau do Capitão-mor. E ali falaram. E o Capitão mandou em terra a Nicolau
Coelho para ver aquele rio. E tanto que ele começou a ir-se para lá, acudiram pela praia
homens aos dois e aos três, de maneira que, quando o batel chegou à boca do rio, já lá
estavam dezoito ou vinte.
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- Pardos, nus, sem coisa
alguma que lhes cobrisse suas vergonhas. Traziam arcos nas mãos, e suas setas. Vinham
todos rijamente em direção ao batel. E Nicolau Coelho lhes fez sinal que pousassem os
arcos. E eles os depuseram. Mas não pôde deles haver fala nem entendimento que
aproveitasse, por o mar quebrar na costa.
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- Somente arremessou-lhe um
barrete vermelho e uma carapuça de linho que levava na cabeça, e um sombreiro preto. E
um deles lhe arremessou um sombreiro de penas de ave, compridas, com uma copazinha de
penas vermelhas e pardas, como de papagaio. E outro lhe deu um ramal grande de continhas
brancas, miúdas que querem parecer de aljôfar, as quais peças creio que o Capitão
manda a Vossa Alteza. E com isto se volveu às naus por ser tarde e não poder haver deles
mais fala, por causa do mar.
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- 22 de abril
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- À noite seguinte ventou tanto
sueste com chuvaceiros que fez caçar as naus. E especialmente a Capitaina. E sexta pela
manhã, às oito horas, pouco mais ou menos, por conselho dos pilotos, mandou o Capitão
levantar ancoras e fazer vela. E fomos de longo da costa, com os batéis e esquifes
amarrados na popa, em direção norte, para ver se achávamos alguma abrigada e bom pouso,
onde nós ficássemos, para tomar água e lenha.
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- Não por nos já minguar, mas por
nos prevenirmos aqui. E quando fizemos vela estariam já na praia assentados perto do rio
obra de sessenta ou setenta homens que se haviam juntado ali aos poucos. Fomos ao longo, e
mandou o Capitão aos navios pequenos que fossem mais chegados à terra e, se achassem
pouso seguro para as naus, que amainassem.
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- E velejando nós pela costa, na
distância de dez léguas do sítio onde tínhamos levantado ferro, acharam os ditos
navios pequenos um recife com um porto dentro, muito bom e muito seguro, com uma mui larga
entrada. E meteram-se dentro e amainaram. E as naus foram-se chegando, atrás deles. E um
pouco antes de sol-pôsto amainaram também, talvez a uma légua do recife, e ancoraram a
onze braças.
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- E estando Afonso Lopez, nosso
piloto, em um daqueles navios pequenos, foi, por mandado do Capitão, por ser homem vivo e
destro para isso, meter-se logo no esquife a sondar o porto dentro. E tomou dois daqueles
homens da terra que estavam numa almadia: mancebos e de bons corpos. Um deles trazia um
arco, e seis ou sete setas. E na praia andavam muitos com seus arcos e setas; mas não os
aproveitou. Logo, já de noite, levou-os à Capitaina, onde foram recebidos com muito
prazer e festa.
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- A feição deles é serem pardos,
um tanto avermelhados, de bons rostos e bons narizes, bem feitos. Andam nus, sem cobertura
alguma. Nem fazem mais caso de encobrir ou deixa de encobrir suas vergonhas do que de
mostrar a cara. Acerca disso são de grande inocência. Ambos traziam o beiço de baixo
furado e metido nele um osso verdadeiro, de comprimento de uma mão travessa, e da
grossura de um fuso de algodão, agudo na ponta como um furador. Metem-nos pela parte de
dentro do beiço; e a parte que lhes fica entre o beiço e os dentes é feita a modo de
roque de xadrez. E trazem-no ali encaixado de sorte que não os magoa, nem lhes põe
estorvo no falar, nem no comer e beber.
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- Os cabelos deles são corredios. E
andavam tosquiados, de tosquia alta antes do que sobre-pente, de boa grandeza, rapados
todavia por cima das orelhas. E um deles trazia por baixo da solapa, de fonte a fonte, na
parte detrás, uma espécie de cabeleira, de penas de ave amarela, que seria do
comprimento de um coto, mui basta e mui cerrada, que lhe cobria o toutiço e as orelhas. E
andava pegada aos cabelos, pena por pena, com uma confeição branda como, de maneira tal
que a cabeleira era mui redonda e mui basta, e mui igual, e não fazia míngua mais
lavagem para a levantar.
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- O Capitão, quando eles vieram,
estava sentado em uma cadeira, aos pés uma alcatifa por estrado; e bem vestido, com um
colar de ouro, mui grande, ao pescoço. E Sancho de Tovar, e Simão de Miranda, e Nicolau
Coelho, e Aires Corrêa, e nós outros que aqui na nau com ele íamos, sentados no chão,
nessa alcatifa.
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- Acenderam-se tochas. E eles
entraram. Mas nem sinal de cortesia fizeram, nem de falar ao Capitão; nem a alguém.
Todavia um deles fitou o colar do Capitão, e começou a fazer acenos com a mão em
direção à terra, e depois para o colar, como se quisesse dizer-nos que havia ouro na
terra. E também olhou para um castiçal de prata e assim mesmo acenava para a terra e
novamente para o castiçal, como se lá também houvesse prata!
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- Mostraram-lhes um papagaio pardo
que o Capitão traz consigo; tomaram-no logo na mão e acenaram para a terra, como se os
houvesse ali. Mostraram-lhes um carneiro; não fizeram caso dele. Mostraram-lhes uma
galinha; quase tiveram medo dela, e não lhe queriam pôr a mão. Depois lhe pegaram, mas
como espantados. Deram-lhes ali de comer: pão e peixe cozido, confeitos, fartéis, mel,
figos passados. Não quiseram comer daquilo quase nada; e se provavam alguma coisa, logo a
lançavam fora.
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- Trouxeram-lhes vinho em uma taça;
mal lhe puseram a boca; não gostaram dele nada, nem quiseram mais. Trouxeram-lhes água
em uma albarrada, provaram cada um o seu bochecho, mas não beberam; apenas lavaram as
bocas e lançaram-na fora.
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- Viu um deles umas contas de
rosário, brancas; fez sinal que lhas dessem, e folgou muito com elas, e lançou-as ao
pescoço; e depois tirou-as e meteu-as em volta do braço, e acenava para a terra e
novamente para as contas e para o colar do Capitão, como se dariam ouro por aquilo.
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- Isto tomávamos nós nesse sentido,
por assim o desejarmos! Mas se ele queria dizer que levaria as contas e mais o colar, isto
não queríamos nós entender, por que lho não havíamos de dar! E depois tornou as
contas a quem lhas dera. E então estiraram-se de costas na alcatifa, a dormir sem
procurarem maneiras de encobrir suas vergonhas, as quais não eram fanadas; e as
cabeleiras delas estavam bem rapadas e feitas.
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- O Capitão mandou pôr por baixo da
cabeça de cada um seu coxim; e o da cabeleira esforçava-se por não a estragar. E
deitaram um manto por cima deles; e consentindo, aconchegaram-se e adormeceram.
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- 26 de abril ( domingo de
pascoela)
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- Ao domingo de Pascoela pela
manhã, determinou o Capitão ir ouvir missa e sermão naquele ilhéu. E mandou a todos os
capitães que se arranjassem nos batéis e fossem com ele. E assim foi feito.
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- Mandou armar um pavilhão
naquele ilhéu, e dentro levantar um altar mui bem arranjado. E ali com todos nós outros
fez dizer missa, a qual disse o padre frei Henrique, em voz entoada, e oficiada com aquela
mesma voz pelos outros padres e sacerdotes que todos assistiram, a qual missa, segundo meu
parecer, foi ouvida por todos com muito prazer e devoção.
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- Ali estava com o Capitão a
bandeira de Cristo, com que saíra de Belém, a qual esteve sempre bem alta, da parte do
Evangelho. Acabada a missa, desvestiu-se o padre e subiu a uma cadeira alta; e nós todos
lançados por essa areia. E pregou uma solene e proveitosa pregação, da história
evangélica; e no fim tratou da nossa vida, e do achamento desta terra, referindo-se à
Cruz, sob cuja obediência viemos, que veio muito a propósito, e fez muita devoção.
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- Enquanto assistimos à
missa e ao sermão, estaria na praia outra tanta gente, pouco mais ou menos, como a de
ontem, com seus arcos e setas, e andava folgando. E olhando-nos, sentaram. E depois de
acabada a missa, quando nós sentados atendíamos a pregação, levantaram-se muitos deles
e tangeram corno ou buzina e começaram a saltar e dançar um pedaço.
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- E alguns deles se metiam em
almadias -- duas ou três que lá tinham -- as quais não são feitas como as que eu vi;
apenas são três traves, atadas juntas. E ali se metiam quatro ou cinco, ou esses que
queriam, não se afastando quase nada da terra, só até onde podiam tomar pé.
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- Acabada a pregação
encaminhou-se o Capitão, com todos nós, para os batéis, com nossa bandeira alta.
Embarcamos e fomos indo todos em direção à terra para passarmos ao longo por onde eles
estavam, indo na dianteira, por ordem do Capitão, Bartolomeu Dias em seu esquife, com um
pau de uma almadia que lhes o mar levara, para o entregar a eles. E nós todos trás dele,
a distância de um tiro de pedra.
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- Como viram o esquife de
Bartolomeu Dias, chegaram-se logo todos à água, metendo-se nela até onde mais podiam.
Acenaram-lhes que pousassem os arcos e muitos deles os iam logo pôr em terra; e outros
não os punham. Andava lá um que falava muito aos outros, que se afastassem. Mas não já
que a mim me parecesse que lhe tinham respeito ou medo. Este que os assim andava afastando
trazia seu arco e setas. Estava tinto de tintura vermelha pelos peitos e costas e pelos
quadris, coxas e pernas até baixo, mas os vazios com a barriga e estômago eram de sua
própria cor.
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- E a tintura era tão
vermelha que a água lha não comia nem desfazia. Antes, quando saía da água, era mais
vermelho. Saiu um homem do esquife de Bartolomeu Dias e andava no meio deles, sem
implicarem nada com ele, e muito menos ainda pensavam em fazer-lhe mal.
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- Apenas lhe davam cabaças
d'água; e acenavam aos do esquife que saíssem em terra. Com isto se volveu Bartolomeu
Dias ao Capitão. E viemo-nos às naus, a comer, tangendo trombetas e gaitas, sem os mais
constranger. E eles tornaram-se a sentar na praia, e assim por então ficaram.
- Neste ilhéu, onde fomos
ouvir missa e sermão, espraia muito a água e descobre muita areia e muito cascalho.
Enquanto lá estávamos foram alguns buscar marisco e não no acharam.
-
- Mas acharam alguns
camarões grossos e curtos, entre os quais vinha um muito grande e muito grosso; que em
nenhum tempo o vi tamanho. Também acharam cascas de berbigões e de amêijoas, mas não
toparam com nenhuma peça inteira. E depois de termos comido vieram logo todos os
capitães a esta nau, por ordem do Capitão-mor, com os quais ele se aportou; e eu na
companhia. E perguntou a todos se nos parecia bem mandar a nova do achamento desta terra a
Vossa Alteza pelo navio dos mantimentos, para a melhor mandar descobrir e saber dela mais
do que nós podíamos saber, por irmos na nossa viagem.
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- E entre muitas falas que
sobre o caso se fizeram foi dito, por todos ou a maior parte, que seria muito bem. E nisto
concordaram. E logo que a resolução foi tomada, perguntou mais, se seria bem tomar aqui
por força um par destes homens para os mandar a Vossa Alteza, deixando aqui em lugar
deles outros dois destes degredados.
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- E concordaram em que não
era necessário tomar por força homens, porque costume era dos que assim à força
levavam para alguma parte dizerem que há de tudo quanto lhes perguntam; e que melhor e
muito melhor informação da terra dariam dois homens desses degredados que aqui
deixássemos do que eles dariam se os levassem por ser gente que ninguém entende. Nem
eles cedo aprenderiam a falar para o saberem tão bem dizer que muito melhor estoutros o
não digam quando cá Vossa Alteza mandar.
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- E que portanto não
cuidássemos de aqui por força tomar ninguém, nem fazer escândalo; mas sim, para os de
todo amansar e apaziguar, unicamente de deixar aqui os dois degredados quando daqui
partíssemos. E assim ficou determinado por parecer melhor a todos. Acabado isto, disse o
Capitão que fôssemos nos batéis em terra. E ver-se-ia bem, quejando era o rio. Mas
também para folgarmos.
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- Fomos todos nos batéis em
terra, armados; e a bandeira conosco. Eles andavam ali na praia, à boca do rio, para onde
nós íamos; e, antes que chegássemos, pelo ensino que dantes tinham, puseram todos os
arcos, e acenaram que saíssemos. Mas, tanto que os batéis puseram as proas em terra,
passaram-se logo todos além do rio, o qual não é mais ancho que um jogo de mancal. E
tanto que desembarcamos, alguns dos nossos passaram logo o rio, e meteram-se entre eles. E
alguns aguardavam; e outros se afastavam. Com tudo, a coisa era de maneira que todos
andavam misturados.
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- Eles davam desses arcos com
suas setas por sombreiros e carapuças de linho, e por qualquer coisa que lhes davam.
Passaram além tantos dos nossos e andaram assim misturados com eles, que eles se
esquivavam, e afastavam-se; e iam alguns para cima, onde outros estavam. E
- então o Capitão fez que o
tomassem ao colo dois homens e passou o rio, e fez tornar a todos. A gente que ali estava
não seria mais que aquela do costume.
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- Mas logo que o Capitão
chamou todos para trás, alguns se chegaram a ele, não por o reconhecerem por Senhor, mas
porque a gente, nossa, já passava para aquém do rio. Ali falavam e traziam muitos arcos
e continhas, daquelas já ditas, e resgatavam-nas por qualquer coisa, de tal maneira que
os nossos levavam dali para as naus muitos arcos, e setas e contas. E então tornou-se o
Capitão para aquém do rio. E logo acudiram muitos à beira dele.
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- Ali veríeis galantes,
pintados de preto e vermelho, e quartejados, assim pelos corpos como pelas pernas, que,
certo, assim pareciam bem. Também andavam entre eles quatro ou cinco mulheres, novas, que
assim nuas, não pareciam mal. Entre elas andava uma, com uma coxa, do joelho até o
quadril e a nádega, toda tingida daquela tintura preta; e todo o resto da sua cor
natural. Outra trazia ambos os joelhos com as curvas assim tintas, e também os colos dos pés; e suas vergonhas tão nuas, e com tanta
inocência assim descobertas, que não havia nisso desvergonha nenhuma.
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- Também andava lá outra
mulher, nova, com um menino ou menina, atado com um pano aos peitos, de modo que não se
lhe viam senão as perninhas. Mas nas pernas da mãe, e no resto, não havia pano algum.
Em seguida o Capitão foi subindo ao longo do rio, que corre rente à praia. E ali esperou
por um velho que trazia na mão uma pá de almadia. Falou, enquanto o Capitão estava com
ele, na presença de todos nós; mas ninguém o entendia, nem ele a nós, por mais coisas
que a gente lhe perguntava com respeito a ouro, porque desejávamos saber se o havia na
terra.
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- Trazia este velho o beiço
tão furado que lhe cabia pelo buraco um grosso dedo polegar. E trazia metido no buraco
uma pedra verde, de nenhum valor, que fechava por fora aquele buraco. E o Capitão lha fez
tirar. E ele não sei que diabo falava e ia com ela para a boca do Capitão para lha
meter. Estivemos rindo um pouco e dizendo chalaças sobre isso. E então enfadou-se o
Capitão, e deixou-o.
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- E um dos nossos deu-lhe
pela pedra um sombreiro velho; não por ela valer alguma coisa,mas para amostra. E depois
houve-a o Capitão, creio, para mandar com as outras coisas a Vossa Alteza.
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- Andamos por aí vendo o
ribeiro, o qual é de muita água e muito boa. Ao longo dele há muitas palmeiras, não
muito altas; e muito bons palmitos. Colhemos e comemos muitos deles. Depois tornou-se o
Capitão para baixo para a boca do rio, onde tínhamos desembarcado.
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- E além do rio andavam
muitos deles dançando e folgando, uns diante os outros, sem se tomarem pelas mãos. E
faziam-no bem. Passou-se então para a outra banda do rio Diogo Dias, que fora almoxarife
de Sacavém, o qual é homem gracioso e de prazer. E levou consigo um gaiteiro nosso com
sua gaita. E meteu-se a dançar com eles, tomando-os pelas mãos; e eles folgavam e riam e
andavam com ele muito bem ao som da gaita. Depois de dançarem fez ali muitas voltas
ligeiras, andando no chão, e salto real, de que se eles espantavam e riam e folgavam
muito.
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- E conquanto com aquilo os
segurou e afagou muito, tomavam logo uma esquiveza como de animais montezes, e foram-se
para cima. E então passou o rio o Capitão com todos nós, e fomos pela praia, de longo,
ao passo que os batéis iam rentes à terra. E chegamos a uma grande lagoa de água doce
que está perto da praia, porque toda aquela ribeira do mar é apaulada por cima e sai a
água por muitos lugares.
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- E depois de passarmos o
rio, foram uns sete ou oito deles meter-se entre os marinheiros que se recolhiam aos
batéis. E levaram dali um tubarão que Bartolomeu Dias matou. E levavam-lho; e lançou-o
na praia. Bastará que até aqui, como quer que se lhes em alguma parte amansassem, logo
de uma mão para outra se esquivavam, como pardais do cevadouro. Ninguém não lhes ousa
falar de rijo para não se esquivarem mais. E tudo se passa como eles querem -- para os
bem amansarmos !
-
- Ao velho com quem o
Capitão havia falado, deu-lhe uma carapuça vermelha. E com toda a conversa que com ele
houve, e com a carapuça que lhe deu tanto que se despediu e começou a passar o rio,
foi-se logo recatando. E não quis mais tornar do rio para aquém. Os outros dois o
Capitão teve nas naus, aos quais deu o que já ficou dito, nunca mais aqui apareceram --
fatos de que deduzo que é gente bestial e de pouco saber, e por isso tão esquiva. Mas
apesar de tudo isso andam bem curados, e muito limpos.
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- E naquilo ainda mais me
convenço que são como aves, ou alimárias montezinhas, as quais o ar faz melhores penas
e melhor cabelo que às mansas, porque os seus corpos são tão limpos e tão gordos e
tão formosos que não pode ser mais! E isto me faz presumir que não tem casas nem
moradias em que se recolham; e o ar em que se criam os faz tais. Nós pelo menos não
vimos até agora nenhumas casas, nem coisa que se pareça com elas.
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- Mandou o Capitão aquele
degredado, Afonso Ribeiro, que se fosse outra vez com eles. E foi; e andou lá um bom
pedaço, mas a tarde regressou, que o fizeram eles vir: e não o quiseram lá consentir. E
deram-lhe arcos e setas; e não lhe tomaram nada do seu. Antes, disse ele, que lhe tomara
um deles umas continhas amarelas que levava e fugia com elas, e ele se queixou e os outros
foram logo após ele, e lhas tomaram e tornaram-lhas a dar; e então mandaram-no vir.
Disse que não vira lá entre eles senão umas choupaninhas de rama verde e de feteiras
muito grandes, como as de Entre Douro e Minho. E assim nos tornamos às naus, já quase
noite, a dormir.
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- 27 de abril (segunda-feira)
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- Segunda-feira, depois de comer,
saímos todos em terra a tomar água. Ali vieram então muitos; mas não tantos como as
outras vezes. E traziam já muito poucos arcos. E estiveram um pouco afastados de nós;
mas depois pouco a pouco misturaram-se conosco; e abraçavam-nos e folgavam; mas alguns
deles se esquivavam logo. Ali davam alguns arcos por folhas de papel e por alguma
carapucinha velha e por qualquer coisa. E de tal maneira se passou a coisa que bem vinte
ou trinta pessoas das nossas se foram com eles para onde outros muitos deles estavam com
moças e mulheres. E trouxeram de lá muitos arcos e barretes de penas de aves, uns
verdes, outros amarelos, dos quais creio que o Capitão há de mandar uma amostra a Vossa
Alteza.
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- E segundo diziam esses que lá
tinham ido, brincaram com eles. Neste dia os vimos mais de perto e mais à nossa vontade,
por andarmos quase todos misturados: uns andavam quartejados daquelas tinturas, outros de
metades, outros de tanta feição como em pano de ras, e todos com os beiços furados,
muitos com os ossos neles, e bastantes sem ossos. Alguns traziam uns ouriços verdes, de
árvores, que na cor queriam parecer de castanheiras, embora fossem muito mais pequenos. E
estavam cheios de uns grãos vermelhos, pequeninos que, esmagando-se entre os dedos, se
desfaziam na tinta muito vermelha de que andavam tingidos. E quanto mais se molhavam,
tanto mais vermelhos ficavam.
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- Todos andam rapados até por cima
das orelhas; assim mesmo de sobrancelhas e pestanas.
- Trazem todos as testas, de fonte a
fonte, tintas de tintura preta, que parece uma fita preta da largura de dois dedos.
E o Capitão mandou aquele degredado Afonso Ribeiro e a outros dois degredados que fossem
meter-se entre eles; e assim mesmo a Diogo Dias, por ser homem alegre, com que eles
folgavam. E aos degredados ordenou que ficassem lá esta noite.
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- Foram-se lá todos; e andaram entre
eles. E segundo depois diziam, foram bem uma légua e meia a uma povoação, em que
haveria nove ou dez casas, as quais diziam que eram tão compridas, cada uma, como esta
nau capitaina. E eram de madeira, e das ilhargas de tábuas, e cobertas de palha, de
razoável altura; e todas de um só espaço, sem repartição alguma, tinham de dentro
muitos esteios; e de esteio a esteio uma rede atada com cabos em cada
esteio, altas, em que dormiam. E de baixo, para se aquentarem, faziam seus fogos. E tinha
cada casa duas portas pequenas, uma numa extremidade, e outra na oposta.
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- E diziam que em cada casa se
recolhiam trinta ou quarenta pessoas, e que assim os encontraram; e que lhes deram de
comer dos alimentos que tinham, a saber muito inhame, e outras sementes que na terra dá,
que eles comem. E como se fazia tarde fizeram-nos logo todos tornar; e não quiseram que
lá ficasse nenhum. E ainda, segundo diziam, queriam vir com eles.
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- Resgataram lá por cascavéis e
outras coisinhas de pouco valor, que levavam, papagaios vermelhos, muito grandes e
formosos, e dois verdes pequeninos, e carapuças de penas verdes, e um pano de penas de
muitas cores, espécie de tecido assaz belo, segundo Vossa Alteza todas estas coisas
verá, porque o Capitão vo-las há de mandar, segundo ele disse. E com isto vieram; e
nós tornamo-nos às naus. »
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- Condensado da página da
Internet de : NUPILL - Núcleo de Pesquisas em Informática, Literatura e
Lingüística"
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