O Pogrom de
1506
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Damião de Góis, in "Crónica
de D. Manuel I", capítulo CII da Parte I.
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- "...Nos dois derradeiros capítulos
desta primeira parte, tratarei de um tumulto e levantamento que, a
dezanove de Abril de 1506, Domingo de Pascoela, houve, em Lisboa,
contra os Cristãos-novos.
No mosteiro de São Domingos existe uma
capela, chamada de Jesus, e nela há um Crucifixo, em que foi então
visto um sinal, a que deram foros de milagre, embora os que se
encontravam na igreja julgassem o contrário. Destes, um Cristão-novo
(julgou ver, somente), uma candeia acesa ao lado da imagem de Jesus.
Ouvindo isto, alguns homens de baixa condição arrastaram-no pelos
cabelos, para fora da igreja, e mataram-no e queimaram logo o corpo no
Rossio.
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- Ao alvoroço acudiu muito povo a quem um frade
dirigiu uma pregação incitando contra os Cristãos-novos, após o
que saíram dois frades do mosteiro com um crucifixo nas mãos e
gritando: "Heresia! Heresia!"
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- Isto impressionou grande multidão de gente
estrangeira, marinheiros de naus vindos da Holanda, Zelândia,
Alemanha e outras paragens. Juntos mais de quinhentos, começaram a
matar os Cristãos-novos que encontravam pelas ruas, e os corpos,
mortos ou meio-vivos, queimavam-nos em fogueiras que acendiam na
ribeira (do Tejo) e no Rossio.
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- Na tarefa ajudavam-nos escravos e moços
portugueses que, com grande diligência, acarretavam lenha e outros
materiais para acender o fogo.
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- E, nesse Domingo de Pascoela, mataram mais de
quinhentas pessoas.
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A esta turba de maus homens e de frades que,
sem temor de Deus, andavam pelas ruas concitando o povo a tamanha
crueldade, juntaram-se mais de mil homens (de Lisboa) da qualidade
(social) dos (marinheiros estrangeiros), os quais, na Segunda-feira,
continuaram esta maldade com maior crueza.
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E, por já nas ruas não acharem
Cristãos-novos,
foram assaltar as casas onde viviam e arrastavam-nos para as ruas, com
os filhos, mulheres e filhas, e lançavam-nos de mistura, vivos e
mortos, nas fogueiras, sem piedade. E era tamanha a crueldade que até
executavam os meninos e (as próprias) crianças de berço,
fendendo-os em pedaços ou esborrachando-os de arremesso contra as
paredes.
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E não esqueciam de lhes saquear as
casas e de roubar todo o ouro, prata e enxovais que achavam. E
chegou-se a tal dissolução que (até) das (próprias) igrejas
arrancavam homens, mulheres, moços e moças inocentes, despegando-os
dos Sacrários, e das imagens de Nosso Senhor, de Nossa Senhora e de
outros santos, a que o medo da morte os havia abraçado, e dali os
arrancavam, matando-os e queimando-os fanaticamente sem temor de Deus.
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- Nesta (Segunda-feira), pereceram mais de mil
almas, sem que, na cidade, alguém ousasse resistir, pois havia nela
pouca gente visto que por causa da peste, estavam fora os mais
honrados. E se os alcaides e outras justiças queriam acudir a tamanho
mal, achavam tanta resistência que eram forçados a recolher-se para
lhes não acontecer o mesmo que aos Cristãos-novos.
Havia, entre os portugueses encarniçados
neste tão feio e inumano negócio, alguns que, pelo ódio e malquerença
a Cristãos, para se vingarem deles, davam a entender aos estrangeiros
que eram Cristãos-novos, e nas ruas ou em suas (próprias) casas os
iam assaltar e os maltratavam, sem que se pudesse pôr cobro a
semelhante desventura.
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- Na Terça-feira, estes danados homens
prosseguiram em sua maldade, mas não tanto como nos dias anteriores;
já não achavam quem matar, pois todos os Cristãos-novos, escapados
desta fúria, foram postos a salvo por pessoas honradas e piedosas,
(contudo) sem poderem evitar que perecessem mais de mil e novecentas
criaturas.
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- Na tarde daquele dia, acudiram à cidade o
Regedor Aires da Silva e o Governador Dom Álvaro de Castro, com a
gente que puderam juntar, mas (tudo) já estava quase acabado. Deram a
notícia a el-Rei, na vila de Avis, (o qual) logo enviou o Prior do
Crato e Dom Diogo Lopo, Barão de Alvito, com poderes especiais para
castigarem os culpados.
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- Muitos deles foram presos e enforcados por
justiça, principalmente os portugueses, porque os estrangeiros, com
os roubos e despojo, acolheram-se às suas naus e seguiram nelas cada
qual o seu destino. (Quanto) aos dois frades, que andaram com o
Crucifixo pela cidade, tiraram-lhes as ordens e, por sentença, foram
queimados."
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- Damião de Góis, em "Crónica de D.
Manuel I", capítulo CII da Parte I.
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