A Peregrinação de Fernão Mendes Pinto

Condensado da Enciclopédia Britânica e da página da Net de Fernando Correia da Silva 

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Fernão Mendes Pinto segundo a Enciclopédia Britânica
 
Fernão Mendes Pinto (N. c. 1510, Montemor-o-Velho, -M.  8 de Julho de 1583, Almada, perto de  Lisboa), 

Aventureiro português e autor da Peregrinação - Viagens e Aventuras de Fernão Mendes Pinto ( 1614 ), uma obra prima da literatura, contando a impressão que causou a um europeu a civilização asiática, principalmente a da China no século XVI.

Pinto foi para a Índia em 1537 e mais tarde afirmou ter viajado, lutado e negociado em quási todas as partes da Ásia durante perto de 21 anos e ter também experimentado as mais drásticas reviravoltas da fortuna, tendo sido " preso 13 vezes e 17 vendido como escravo"

 

 
Na China, por exemplo, foi condenado por roubar tumbas reais, e como castigo, cortaram-lhe os polegares de ambas mãos e foi sentenciado a trabalhos forçados na contrução da Grande Muralha.

A Peregrinação foi escrita depois de Pinto ter regressado a Portugal. Estabeleceu-se em Almada, casou, e recebeu uma pensão do rei Filipe II.

 A Peregrinação de Fernão Mendes Pinto tem pouco valor no aspecto de descrição geográfica, mas é grande interesse por descrever a impressão causada num português inteligente pelas civilizações orientais e pelo seu criticismo ao comportamento dos seus compatriotas na Ásia. 

Condensado da Enciclopédia Britânica

 

Nota - A Peregrinação de Fernão Mendes Pinto, Os Lusíadas de Luís de Camões e o Políptico de São Vicente, são segundo a douta e sisuda Enciclopédia Britânica as únicas três obras que considera "masterpieces" da Arte Universal, produzidas por portugueses, portanto dignas do maior respeito. Mas por vezes também é interessante ler uma descrição colorida e simples dessas obras

 
"Minto"
Fernão Mendes Pinto ou Fernão Mendes "Minto"
 
Histórias
 
Conta Fernão Mendes Pinto. Mais espantados ficariam se as tivessem visto como eu as vi: cortejos com milhares de figurantes, multidões em movimentos aguerridos, manadas de elefantes conduzidos por soldados (como se cavalos de batalha fossem aquelas alimárias), naufrágios em que se perderam tesouros e mais tesouros.
 
Travessias de pântanos e florestas com feras muitas, combates em alto mar em que todos (ou quase todos) pereceram, cidades cercadas e logo mais totalmente destruídas por incêndios, princesas formosas em seus palácios deslumbrantes e mendigos mutilados, paixões e desvarios.
 
Em menino e moço, com a morte diante dos olhos, tive outra vez que fugir. Em Alfama, no cais de pedra tomei uma caravela para Setúbal mas, ao largo de Sesimbra, fomos abordados por corsários franceses. 
 
Escapei da morte, até hoje não sei ao certo como. Em vez de me venderem como escravo no norte de África, acabaram por me largar na praia de Melides, desígnios de Deus...
 

PEREGRINAÇÕES

Treze vezes cativo e dezassete vendido nas partes da Índia, Etiópia, Arábia, Feliz, China, Tartária, Maçágar, Samatra e muitas outras daquele oriental arquipélago dos confins da Ásia, a que os escritores chins, siameses, guéus e léquios nomeiam nas suas geografias como Pestana do Mundo.
 
Quando às vezes ponho diante dos olhos os muitos e grandes trabalhos e infortúnios que por mim passaram, começados no princípio da minha idade e continuados pela maior parte e melhor tempo da minha vida, acho que com muita razão me posso queixar da ventura que parece que tomou por particular tenção e empresa sua perseguir-me e maltratar-me.
 
Como se isso lhe houvera de ser matéria de grande nome e de grande glória; porque vejo que não contente de me pôr na minha pátria, logo no começo da minha mocidade, em tal estado, que nela sempre vivi em miséria e em pobreza, e não sem alguns sobressaltos e perigo de vida, me quis também levar às partes da Índia, onde em lugar do remédio que eu ia buscar a elas, me foram crescendo com a idade os trabalhos e os perigos.
 
 Quando vejo que do meio de todos estes perigos me quis Deus tirar sempre a salvo e pôr-me em segurança, acho que não tenho tanta razão de me queixar de todos os males passados, quanto tenho de lhe dar graças por este só bem presente, pois me quis conservar a vida para que eu pudesse fazer esta rude e tosca escritura que por herança deixo a meus filhos.

Desde a Arábia ao arquipélago dos japões, ora como enviado do capitão de Malaca, ora como mercador e até como pirata no bando de António Faria. Cruza todas as rotas entre Malaca e a Pestana do Mundo, demanda e fundeia e assalta e rouba e profana mausoléus para tomar as jóias dos defuntos e mata populações indefesas e é cercado e surrado e foge e pede esmola de porta em porta e é preso e escravizado e vendido por todos esses portos do Oriente. 

Umas vezes é a má sorte que o lança na miséria, doutras um golpe d’asa que o empurra para a fortuna fabulosa. Cruza o império chinês até à Mongólia e acompanha ao arquipélago dos japões Diogo Zeimoto, o primeiro português, o primeiro europeu a introduzir ali as armas de fogo.

 
 
Passou-se na ilha de Kiushu e corri grande perigo. Os desta terra, para quem este modo de tiro de fogo foi cousa que até então não tinham visto, tamanho caso que fizeram disso, que o não sei encarecer. 
 
O segundo filho de el-rei, por nome Arichandono, moço de dezasseis até dezassete anos, e a quem ele era muito afeiçoado, me requereu algumas vezes que o quisesse ensinar a atirar, de que me eu escusei sempre, dizendo que havia mister muito tempo para o aprender. 
 
Porém ele não aceitando esta minha razão, fez queixume de mim a seu pai, o qual, pelo comprazer, me rogou que lhe desse um par de tiros para lhe satisfazer aquele apetite; a que respondi que dois, e quatro, e cento, e quantos sua alteza mandasse. 
 
E porque ele neste tempo estava comendo com seu pai, ficou para depois que dormisse a sesta, o qual ainda aquele dia não teve efeito porque foi aquela tarde com a rainha sua mãe a um pagode de grande romagem, onde se fazia uma festa pela saúde de el-rei. 
 
E logo ao outro dia seguinte, que foi um sábado, véspera de Nossa Senhora das Neves, se veio pela sesta à casa onde eu estava sem trazer consigo mais que só dois moços fidalgos, onde me achou dormindo sobre uma esteira; e vendo estar a espingarda pendurada, não me quis acordar, com propósito de tirar primeiro um par de tiros, parecendo-lhe, como ele depois dizia, que naqueles que ele tomava não se entenderiam os que lhe eu prometera. 
 
E mandando a um dos moços fidalgos que fosse muito caladamente acender o morrão, tirou a espingarda donde estava, e querendo-a carregar como algumas vezes me tinha visto fazer, como não sabia a quantidade de pólvora que lhe havia de lançar, encheu o cano em comprimento de mais de dois palmos, e lhe meteu o pelouro, e a pôs no rosto e apontou para uma laranjeira que estava defronte.
 
E pondo-lhe o fogo, quis a desventura que arrebentou por três partes, e deu nele, e lhe fez duas feridas, uma das quais lhe decepou quase o dedo polegar da mão direita, de que o moço logo caiu no chão como morto, o que vendo os dois que com ele estavam, foram fugindo caminho do paço, e, gritando pelas ruas, iam dizendo: 
 
"A espingarda do estrangeiro matou o filho de el-rei!".

 
Levantou-se um tamanho tumulto na gente, que toda a cidade se fundia, acudindo com armas e grandes gritas à casa onde o pobre de mim estava, e já então qual Deus sabe, porque acordando eu com esta revolta e vendo jazer o moço no chão junto de mim, ensopado todo em sangue, sem acudir a pé nem a mão, me abracei com ele já tão desatinado e fora de mim, que não sabia onde estava.
 
 Abreviando: a minha sorte foi o moço acordar e apontar para mim, dizendo a seu pai: "Se o matarem, eu morro outra vez".
 

É ainda nessa Pestana do Mundo que Fernão se deixa avassalar pela personalidade de Francisco Xavier que ali vivia em missão de converter os japões à doutrina da nossa Santa Madre Igreja. 

Mas tempos depois morre o Santo e Mendes Pinto, em fúria mística (ou talvez por temer regressar ao Reino por via de alguma coisa que aqui lhe mete mede) troca o ouro pelo Cristo e, já em Goa, distribui toda a sua riqueza pelos pobres e pela Companhia de Jesus, na qual ingressa como irmão leigo. 

Isto acontece em 1554. Três anos depois amansa e retira-se da Companhia; mas por bem, continuando a manter relações amigáveis com os padres.

 
 
Por bem, por bem. Ainda o ano passado estiveram aqui dois padres jesuítas a colher muitas informações sobre S. Francisco Xavier, com quem eu muito trabalhei e convivi lá no arquipélago dos japões. E foi por influência desses dois padres que el-rei D. Filipe, o Segundo, acabou por me conceder, o mês passado, uma tença anual de dois moios de trigo.

Em 1558 Fernão regressa finalmente a Portugal. Talvez aquelas boas relações com os jesuítas tenham sido afinal o escudo que ambicionava para se defender do que parecia temer aqui...

Mas isso agora não conta, só conta o que ele conta. E é tudo tão vivo e tão bem contado, saltando de cena para cena com tanta pressa, que chego até a perder o fôlego. A narrativa começou ao raiar do dia, agora o sol já vai descendo para o ocaso e entrementes comemos apenas uma fatia de vianda e bebemos um ou dois copos de vinho tinto. 

Parece que para achar desculpa para tantos crimes e sangueiras, Fernão usa como disfarce o cognome de António Faria, o grão pirata. Atrocidades que ele relata de forma tão natural e inocente quanto o respirar, o comer, o beber e o dormir. De rebate de consciência parece que não sofre, nem ele nem qualquer dos outros portugueses dados à pirataria lá pelas bandas do Oriente.

Fernão  troça dos sacerdotes orientais que atiram punhados de arroz sobre as cabeças dos fiéis, Ri dos chins que oferecem banquetes a seus familiares defuntos (banquetes que são depois comidos pelos sacerdotes). Escarnece dos gentios do reino do Pão que afirmam ser grande pecado comer carne de porco. 

 

 
Louvais a Deus depois de fartos, com as mãos alevantadas e com os beiços untados, como homens que lhes parece que basta arreganhar os dentes ao céu, sem satisfazer o que têm roubado. Pois entendei que o Senhor da Mão Poderosa não nos obriga tanto a bulir com os beiços quanto nos defende tomar o alheio – quanto mais roubar e matar, que são dois pecados tão graves quanto depois de mortos conhecereis no rigoroso castigo da sua divina justiça.

Não, não, isso dizem os chins. Eu digo que D. Afonso de Albuquerque é vero herói lusitano, varão assinalado por via das guerras ganhas e de muitas outras obras valerosas.

Parece que Fernão põe na boca dos gentios palavras e opiniões que são da sua lavra. Não se arrisca é a assumi-las como suas.  Nos turvos tempos em que estamos mergulhados, cautela e caldos de galinha nunca fizeram mal a ninguém.

Só em Janeiro de 1583, por influência dos dois jesuítas que vieram inquiri-lo sobre a vida de S. Francisco Xavier, é que obteve de el-rei a ambicionada recompensa. Por ela esperou portanto 25 anos. Não tivesse ele trazido do Oriente ainda alguns meios de fortuna (que lhe permitiram, inclusive, casar e comprar esta quinta do Pragal) e teria, certamente, morrido à fome

 

 
1614, finalmente a Peregrinação vem a lume. Esteve muito tempo encalhada entre o Paço e o Santo Ofício.

Fernão Mendes Pinto veio a falecer em Julho de 1583, por súbito agravamento da sua doença. Finou-se cinco anos depois de D. Sebastião ter sido derrotado e morto em Alcácer Quibir.

 Fernão começou a escrever as suas memórias em 1569 e deu o livro por concluído em 1578. Mas entre a morte do autor e a edição da sua obra, decorreram 30 anos e cinco já tinham decorrido entre a conclusão do texto e o passamento do escritor. 

Em 1603, depois de vasculhada pelos padres jesuítas, houve licença para a edição da obra. Licença dada talvez pelos mesmos padres que o interrogaram sobre S. Francisco Xavier. Mas nem assim foi editada. E bem expurgado foi, pois nela não consta sequer a passagem de Fernão pela Companhia de Jesus, em Goa...

Houve licença em 1603 mas só foi editada em 1614.  Parece que Francisco de Andrade, cronista-mor do ainda chamado Reino de Portugal, tenha demorado mais 10 anos a tomar o peso de cada uma das suas palavras e a castrar os seus passos mais rudes para não ferir as susceptibilidades de el-rei D. Filipe II e dos novos inquisidores do Santo Ofício.

 
Cronologia de Fernão Mendes Pinto
 
C.1510: Nasce Fernão Mendes Pinto em Montemor-o-Velho. - 
 
c.1521: A família de Fernão parte (ou talvez fuja) para Lisboa. - 
 
c.1523: Em viagem por mar de Lisboa a Setúbal é aprisionado por corsários franceses - 
 
1537: Embarca para o Oriente. - 
 
1539: Por incumbência do capitão de Malaca faz contactos diplomáticos com o rei dos Batas e Araús. - 
 
1542: A sua primeira viagem ao Japão, em companhia de Diogo Zeimoto, que ali introduz as armas de fogo. - 
 
c.1553: No Japão, conhece, colabora e torna-se admirador de S. Francisco Xavier. - 
 
1554: Em Goa, entrega toda a sua fortuna aos pobres e à Companhia de Jesus, na qual ingressa como irmão leigo. - 
 
1557: Sai da Companhia de Jesus. - 
 
1558: Regressa a Portugal. - 
 
c.1562: Já casado com Maria Correia Brito (trinta anos mais nova do que ele), retira-se para a Quinta que comprara no Pragal (perto de Almada) - 
 
1569: Começa a escrever a Peregrinação que será concluída em 1578. - 
 
1583: Em Janeiro, Filipe II concede a Fernão uma tença anual de dois moios de trigo; em Julho do mesmo ano, Fernão Mendes Pinto morre no Pragal - 
 
1614: Primeira edição (expurgada) da Peregrinação.

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