Enquanto
a França tenta recuperar do choque, a Europa rica e democrática
avalia a força eleitoral dos seus Le Pen e verifica que eles existem
um pouco por todo o lado, condicionando já os Governos de países
como a Itália, a Áustria, a Dinamarca, e ganhando expressão
crescente, a nível local ou regional, na Alemanha e na Holanda.
Para a segunda
volta das presidenciais, a direita francesa esboça uma reunificação
a pensar já nas próximas eleições legislativas, e a esquerda
conforma-se com a inevitabilidade de apoiar um adversário para vencer
um inimigo. Depois de contados os votos, o mais provável é que Le
Pen perca por muitos - mesmo que ainda cresça significativamente em
relação à primeira volta, o que é bastante provável.
Mas, sejam
quais forem esses resultados, já teve a sua vitória. E a questão
que se coloca é a de saber até que ponto ela influenciará ou não
toda a extrema-direita europeia, dando um novo impulso aos partidos próximos
da Frente Nacional e animando outros que não passam, por enquanto, de
grupos de amigos sem audiência que os legitime como entidades políticas,
nem organização que lhes permita concorrer a eleições.
No caso de
Portugal, esses núcleos existem e mantêm alguma actividade subterrânea.
Mas a «blindagem» constitucional relativa aos movimentos de natureza
fascista ou aparentados, conjugada com a memória ainda recente da
ditadura - passaram quase 30 anos, mas a geração que lidera os
partidos do sistema ainda é, com excepção de Paulo Portas, aquela
que combateu o Estado Novo - dificulta a sua organização.
Toda a gente
sabe, no entanto, que a política tem horror ao vazio. Desde que
exista «mercado», mais tarde ou mais cedo aparecerá quem pretenda
conquistá-lo. E basta atentar no retrato-robot do eleitor de Le Pen
feito pelo «Libération» - homem com mais de 50 anos, com salário
baixo e pouca educação, ou jovens que só agora começaram a votar -
para verificarmos que também em Portugal esse «mercado» eleitoral
é abundante.
Se
atentarmos nas bandeiras que o mobilizaram em França para o voto
extremista e xenófobo - a imigração e a insegurança, a par de um
nacionalismo exacerbado que se opõe à União Europeia - não custa
perceber que existem também as condições objectivas para o
aparecimento de um Le Pen à portuguesa.
Basta que
os partidos do sistema, no poder e na oposição, continuem a enfiar a
cabeça na areia, ignorando ostensivamente, por complexo ideológico
ou por falta de coragem, o problema da imigração e da insegurança
que, em muitos casos, lhe está associada.
A participação
do CDS-PP no Governo - Portas foi o líder partidário que mais
explicitamente assumiu a sua preocupação quanto a esses temas
delicados - pode contribuir para que o poder estabelecido e a oposição
mais responsável despertem e assumam o combate às causas de que se
alimentam os Le Pen.
O pior cego
é, como toda a gente sabe, aquele que não quer ver. E tem sido esta
a atitude, não só da maioria dos políticos portugueses, como de uma
certa opinião bem pensante que se tem ocupado a desvalorizar os
problemas da insegurança e a recusar-se a ver que a imigração
descontrolada pode tornar-se uma autêntica bomba-relógio.
Fingir que
esses problemas não existem em Portugal é o caminho mais curto para
o desastre. E para defender a liberdade e a tolerância não há como
atacar, em devido tempo, os problemas que as podem pôr em causa.