Para
tal efeito, Sua Santidade nomeou seu Plenipotenciário Sua Eminência Reverendíssima o Senhor Cardeal Luigi
Maglione, Seu Secretário de Estado, e o Senhor Presidente da República Portuguesa nomeou Seus Plenipotenciários:
Sua Excelência o Sr. General Eduardo Augusto Marques, antigo Ministro das Colónias, Presidente da Câmara
Corporativa, Gran Cruz das Ordens militares de Cristo, de S. Bento d'Aviz e da Ordem do Império Colonial;
Sua Excelência o Sr. Doutor Mário de Figueiredo, antigo Ministro
da justiça e dos Cultos, Professor e Director da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, Deputado e Gran
Cruz da Ordem militar de S. Tiago da Espada;
Sua
Excelência o Sr. Doutor Vasco Francisco Caetano de Quevedo, Enviado Extraordinário e Ministro Plenipotenciário
junto da Santa Sé, Gran Cruz da Ordem militar de Cristo e Cavaleiro de Gran Cruz da Ordem de S. Gregório Magno;
os quais, trocados os seus respectivos plenos poderes e achados em
boa e devida forma, acordaram nos artigos seguintes:
Artigo
1º
A República Portuguesa reconhece a personalidade
jurídica da Igreja Católica.
As relações amigáveis
com a Santa Sé serão asseguradas na forma tradicional por que historicamente se exprimiam, mediante um Núncio
Apostólico junto da República Portuguesa e um Embaixador da República junto da Santa Sé.
Artigo 2.º
É garantido à Igreja Católica o livre exercício da sua autoridade: na esfera da sua competência,
tem a faculdade de exercer os actos do seu poder de ordem e jurisdição sem qualquer impedimento.
Para tanto, a Santa Sé pode livremente publicar qualquer disposição
relativa ao governo da Igreja e, em tudo quanto se refere ao seu ministério pastoral, comunicar e corresponder-se
com os prelados, clero e todos os católicos de Portugal, assim corno estes o podem com a Santa Sé, sem necessidade
de prévia aprovação do Estado para se publicarem e correrem dentro do País as bulas e quaisquer instruções ou
determinações da Santa sé.
Nos mesmos termos,
gozam desta faculdade os Ordinários e demais Autoridades eclesiásticas relativamente ao seu clero e fiéis.
Artigo 3.º
A Igreja Católica em Portugal pode organizar-se livremente de harmonia com as normas do
Direito Canónico, e constituir por essa forma associações ou organizações a que o Estado reconhece
personalidade jurídica.
O reconhecimento por parte
do Estado da personalidade jurídica das associações, corporações ou institutos religiosos, canonicamente
erectos, resulta da simples participação escrita à Autoridade competente feita pelo Bispo da diocese, onde
tiverem a sua sede, ou por seu legítimo representante.
Em caso de modificação ou de extinção, proceder-se-á do mesmo modo que para a constituição,
e com os mesmos efeitos.
Artigo 4.º
As associações ou organizações a que se refere o artigo
anterior, podem adquirir bens e dispor deles nos mesmos termos por que o podem fazer, segundo a legislação vigente,
as outras pessoas morais perpétuas, e administram-se livremente sob a vigilância e fiscalização da competente
Autoridade eclesiástica. Se porém, além de fins religiosos, se propuserem também fins de assistência e beneficência
em cumprimento de deveres estatutários ou de encargos que onerem heranças, legados ou doações, ficam, na parte
respectiva, sujeitas ao regime instituído pelo direito português para estas associações ou corporações, que se
tornará efectivo através do Ordinário competente e que nunca poderá ser mais gravoso do que o regime
estabelecido para as pessoas jurídicas da mesma natureza.
Artigo 5.º
A Igreja pode
livremente cobrar dos fiéis colectas e quaisquer importâncias destinadas à realização dos seus fins,
designadamente no interior e à porta dos templos, assim como dos edifícios e lugares que lhe pertençam.
Artigo 6.º
É reconhecida à Igreja Católica em Portugal a propriedade dos bens que anteriormente lhe
pertenciam e estão ainda na posse do Estado, como templos, paços episcopais e residências paroquiais com seus
passais, seminários com suas cercas, casas de institutos religiosos, paramentos, alfaias e outros objectos afectos
ao culto e religião católica, salvo os que se encontrem actualmente aplicados a serviços públicos ou
classificados como "monumentos nacionais", ou como "imóveis de interesse público".
Os bens referidos na alínea anterior que não estejam actualmente
na posse do Estado podem ser transferidos à Igreja pelos seus possuidores sem qualquer encargo de carácter fiscal,
desde que o acto de transferência seja celebrado dentro do prazo de seis meses a contar da troca das ratificações
desta Concordata.
Os imóveis classificados como
"monumentos nacionais" e como "de interesse público", ou que o venham a ser dentro de cinco
anos a contar da troca das ratificações, ficarão em propriedade do Estado com afectação permanente ao serviço
da Igreja. Ao Estado cabe a sua conservação, reparação e restauração de harmonia com plano estabelecido de
acordo com a Autoridade eclesiástica, para evitar perturbações no serviço religioso; à Igreja incumbe a sua
guarda e regime interno, designadamente no que respeita ao horário de visitas, na direcção das quais poderá
intervir um funcionário nomeado pelo Estado.
Os
objectos destinados ao culto que se encontrem em algum museu do Estado ou das autarquias locais ou institucionais
serão sempre cedidos para as cerimónias religiosas no templo a que pertenciam, quando este se ache na mesma
localidade onde os ditos objectos são guardados. A cedência far-se-á a requisição da competente Autoridade
eclesiástica, que velará pela guarda dos objectos cedidos, sob a responsabilidade de fiel depositário.
Artigo 7.º
Nenhum templo, edifício, dependência ou objecto do culto católico pode ser demolido ou
destinado pelo Estado a outro fim, a não ser por acordo prévio com a Autoridade eclesiástica competente ou por
motivo de urgente necessidade pública, como guerra, incêndio ou inundação.
No caso de expropriação por utilidade pública, será sempre ouvida a
respectiva Autoridade eclesiástica, mesmo sobre o quantitativo da indemnização. Em qualquer caso, não será
praticado acto algum de apropriação sem que os bens expropriados sejam privados do seu carácter sagrado.
Artigo 8.º
São isentos de qualquer imposto ou contribuição, geral ou local, os templos e objectos nele
contidos, os seminários ou quaisquer estabelecimentos destinados à formação do clero, e bem assim os editais e
avisos afixados à porta das igrejas, relativos ao ministério sagrado; de igual isenção gozam os eclesiásticos
pelo exercício do seu múnus espiritual.
Os bens e
entidades eclesiásticos, não compreendidos na alínea precedente, não poderão ser onerados com impostos ou
contribuições especiais.
Artigo 9.º
Os Arcebispos e Bispos residenciais, seus coadjutores cum iure
successionis e auxiliares, os párocos, os reitores dos seminários, e em geral os directores e superiores de
institutos ou associações dotados de personalidade jurídica com jurisdição em uma ou mais províncias do Pais,
deverão ser cidadãos portugueses.
Artigo 10.º
A Santa Sé, antes de proceder à nomeação de um Arcebispo ou
Bispo residencial ou de um coadjutor cum iure successionis, salvo o que está disposto a respeito do Padroado e do
Semi-Padroado, comunicará o nome da pessoa escolhida ao Governo Português a fim de saber se contra ela há objecções
de carácter político geral. O silêncio do Governo, decorridos trinta dias sobre a referida comunicação, será
interpretado no sentido de que não há objecções. Todas as diligências previstas neste artigo ficarão secretas.
Artigo 11.º
No exercício do seu ministério, os eclesiásticos gozam da protecção do Estado, nos mesmos
termos que as autoridades públicas.
Artigo 12.º
Os eclesiásticos não podem ser perguntados pelos magistrados ou
outras autoridades sobre factos e coisas de que tenham tido conhecimento por motivo do sagrado ministério.
Artigo 13.º
Os eclesiásticos são isentos da obrigação de assumir os cargos de jurados, membros de
tribunais ou comissões de impostos, e outros da mesma natureza, considerados pelo Direito Canónico como incompatíveis
com o estado eclesiástico.
Artigo 14.º
O serviço militar será prestado pelos sacerdotes e clérigos sob a
forma de assistência religiosa às forças armadas e, em tempo de guerra, também nas formações sanitárias.
Todavia o Governo providenciará para mesmo em caso de guerra o dito serviço militar se realize com o menor prejuízo
possível para a cura de almas das populações na Metrópole e no Ultramar Português.
Artigo 15.º
O
uso do hábito eclesiástico ou religioso por parte de seculares ou de pessoas eclesiásticas ou religiosas a quem
tenha sido interdito por medida das competentes Autoridades eclesiásticas, oficialmente comunicada às autoridades
do Estado, é punido com as mesmas penas que o uso abusivo de uniforme próprio dum emprego público. É punido nos
mesmos termos o exercício abusivo de jurisdição e de funções eclesiásticas.
Artigo 16.º
É
assegurado à Igreja Católica o livre exercício de todos os actos de culto, privado ou público, sem prejuízo das
exigências de polícia e trânsito.
Artigo 17.º
Para garantir a assistência espiritual nos hospitais, refúgios,
colégios, asilos, prisões e outros estabelecimentos similares do Estado, das Autarquias locais e institucionais e
das Misericórdias, que não tenham capela e serviço privativo para este efeito, é livre o acesso ao pároco do
lugar e ao sacerdote encarregado destes serviços pela competente Autoridade eclesiástica, sem prejuízo da observância
dos respectivos regulamentos, salvo em caso de urgência.
Artigo 18.º
A República
Portuguesa garante a assistência religiosa em campanha, às forças de terra, mar e ar e, para este efeito,
organizará um corpo de capelães militares que serão considerados oficiais graduados.
O Bispo que desempenhar as funções de Ordinário Castrense, será nomeado
pela Santa Sé de acordo com o Governo.
Para as
expedições coloniais poderá ser nomeado Ordinário Castrense um Bispo que tenha sede na respectiva colónia.
O Ordinário Castrense pode nomear, de acordo com o Governo, um Vigário
Geral.
Os capelães militares serão nomeados, de
entre os sacerdotes apurados para os serviços auxiliares, pelo Ordinário Castrense, de acordo com o Governo.
Os capelães militares têm jurisdição paroquial sobre as suas
tropas, e estas gozam, quanto aos seus deveres religiosos, dos privilégios e isenções concedidos pelo Direito Canónico.
Artigo 19.º
O Estado providenciará no sentido de tornar possível a todos os católicos, que estão ao
seu serviço ou que são membros das suas organizações, o cumprimento regular dos deveres religiosos nos domingos
e dias festivos.
Artigo 20.º
As associações e organizações da Igreja podem livremente
estabelecer e manter escolas particulares paralelas às do Estado, ficando sujeitas, nos termos do direito comum, à
fiscalização deste e podendo, nos mesmos termos, ser subsidiadas e oficializadas.
O ensino religioso nas escolas e cursos particulares não depende de autorização
do Estado, e poderá ser livremente ministrado pela Autoridade eclesiástica ou pelos seus encarregados.
É livre a fundação dos seminários ou de quaisquer outros
estabelecimentos de formação ou alta cultura eclesiástica. O seu regime interno não está sujeito à fiscalização
do Estado.
A este deverão, no entanto, ser
comunicados os livros adaptados de disciplinas não filosóficas ou teológicas. As autoridades eclesiásticas
competentes cuidarão que no ensino das disciplinas especiais, como no da História, se tenha em conta o legítimo
sentimento patriótico português.
Artigo 21.º
O ensino ministrado pelo Estado nas escolas públicas será
orientado pelos princípios da doutrina e moral cristãs tradicionais do País. Consequentemente ministrar-se-á o
ensino da religião e moral católicas nas escolas públicas elementares, complementares e médias aos alunos cujos
pais, ou quem suas vezes fizer, não tiverem feito pedido de isenção.
Nos asilos, orfanatos, estabelecimentos e institutos oficiais de educação de menores, e de
correcção ou reforma, dependentes do Estado será ministrado, por conta dele, o ensino da religião católica e
assegurada a prática dos seus preceitos.
Para o
ensino da religião católica, o texto deverá ser aprovado pela Autoridade eclesiástica e os professores serão
nomeados pelo Estado de acordo com ela; em nenhum caso poderá ser ministrado o sobredito ensino por pessoas que a
Autoridade eclesiástica não tenha aprovado como idóneas.
Artigo 22.º
O Estado Português
reconhece efeitos civis aos casamentos celebrados em conformidade com as leis canónicas, desde que a acta do
casamento seja transcrita nos competentes registos do estado civil.
As publicações do casamento far-se-ão não só nas respectivas igrejas paroquiais, mas também
nas competentes repartições do registo civil.
Os
casamentos in articulo mortis, em iminência de parto, ou cuja imediata celebração seja expressamente autorizada
pelo Ordinário próprio por grave motivo de ordem moral, poderão ser contraídos independentemente do processo
preliminar das publicações.
O pároco enviará
dentro de três dias cópia integral da acta do casamento, à repartição competente do registo civil para ser aí
transcrita; a transcrição deve ser feita no prazo de dois dias e comunicado pelo funcionário respectivo ao pároco
até ao dia imediato àquele em que foi feita com indicação da data.
O pároco que, sem graves motivos, deixar de enviar a cópia da acta, dentro do prazo, incorre
nas penas de desobediência qualificada; e o funcionário do registo civil que não fizer a transcrição no tempo
devido incorrerá nas penas cominadas pela lei orgânica do serviço.
Artigo 23.º
O casamento produz
todos os efeitos civis desde a data da celebração se a transcrição for feita no prazo de sete dias. Não o sendo,
só produz efeitos relativamente a terceiros, a contar da data da transcrição.
Não obsta à transcrição a morte de um ou ambos os cônjuges.
Artigo 24.º
Em harmonia com as propriedades essenciais do casamento católico, entende-se que, pelo próprio
facto da celebração do casamento canónico, os cônjuges renunciarão à faculdade civil de requererem o divórcio,
que por isso não poderá ser aplicado pelos tribunais civis aos casamentos católicos.
(Ver Protocolo Adicional de 1975)
Artigo 25.º
O conhecimento das
causas concernentes à nulidade do casamento católico e à dispensa do casamento rato e não consumado, é
reservado aos tribunais e repartições eclesiásticos competentes.
As decisões e sentenças destas repartições e tribunais, quando definitivas subirão ao
Supremo Tribunal da Assinatura Apostólica para verificação, e serão, depois, com os respectivos decretos daquele
Supremo Tribunal, transmitidas, pela via diplomática, ao Tribunal da Relação do Estado, territorialmente
competente, que as tornará executivas e mandará que sejam averbadas nos registos do estado civil, à margem da
acta do casamento.
Artigo 26.º
A divisão eclesiástica do Ultramar Português será feita em
dioceses e circunscrições missionárias autónomas. Dentro de umas e de outras podem ser erectas direcções
missionárias pelos respectivos prelados, de acordo com o Governo.
Os limites das dioceses e circunscrições missionárias serão fixados de maneira a
corresponderem, na medida do possível, à divisão administrativa.
Artigo 27.º
A vida religiosa e
o apostolado missionário nas dioceses serão assegurados pelo respectivo bispo residencial, e nas circunscrições
missionárias por corporações missionárias.
As
corporações missionárias reconhecidas estabelecerão em Portugal continental ou ilhas adjacentes casas de formação
e de repouso para o seu pessoal missionário. As casas de formação e de repouso de cada corporação constituem um
único instituto, subsidiado pelo orçamento da Metrópole.
Às dioceses e circunscrições missionários, às outras entidades eclesiásticas e aos
institutos religiosos das colónias, e bem assim aos institutos missionários, masculinos e femininos, que se
estabelecerem em Portugal continental ou ilhas adjacentes, é reconhecida a personalidade jurídica.
As dioceses e as circunscrições missionárias serão subsidiadas
pelo Estado.
Artigo 28.º
Os Ordinários das dioceses e circunscrições missionárias, quando não haja
missionários portugueses em número suficiente, podem, de acordo com a Santa Sé e com o Governo, chamar missionários
estrangeiros, os quais serão admitidos nas missões da organização missionário portuguesa, desde que declarem
submeter-se às leis e tribunais portugueses. Esta submissão será a que convém a eclesiásticos.
Quando dentro de cada diocese ou circunscrição missionária forem
estabelecidas novas direcções missionárias, a nomeação dos respectivos directores, não podendo recair em cidadão
português, só será feita depois de ouvido o Governo Português.
Todos os missionários, do clero secular ou de corporações religiosas, nacionais ou
estrangeiros, estarão inteiramente sujeitos à jurisprudência ordinária dos prelados das dioceses e circunscrições
missionárias, no que se refere ao trabalho missionário.
Artigo 29.º
São consideradas
em vigor as disposições da Concordata de 21 de Fevereiro de 1857, ressalvadas pela Concordata de 23 de Junho de
1886, e as da Concordata de 23 de Junho de 1886, umas e outras na parte não atingida por acordos posteriores,
designadamente pelos de 15 de Abril de 1928 e de 11 de Abril de 1929 e por esta Convenção.
Artigo 30.º
Se vier a surgir qualquer dúvida na interpretação desta Concordata, a Santa Sé e o Governo
Português procurarão de comum acordo uma solução amigável.
Artigo 31.º
A presente
Concordata, cujos textos em língua portuguesa e em língua italiana farão igualmente fé, será ratificada e
entrará em vigor logo que sejam trocados os instrumentos de ratificação, salvo na parte cuja execução depende
de legislação interna complementar da República Portuguesa, em que entrará em vigor só com essa mesma legislação.
A entrada em vigor desta não poderá diferir-se além do prazo de dois meses a contar da ratificação.
Feito em duplo exemplar.
Cidade do Vaticano, 7 de Maio de 1940.