O Espírito Santo e seus dons

 

Na oração do rito da confirmação, o bispo pede a Deus Pai que derrame nos corações dos crismados o espírito de sabedoria e entendimento, de conselho e fortaleza, de ciência e piedade e do temor de Deus e os dons que ele distribuirá no início da pregação apostólica. Nas leituras bíblicas, o profeta Isaías, em texto nitidamente messiânico, anuncia uma era de paz sob a proteção de um rei no futuro, saído da linguagem de Jessé (pai de Davi) e sobre o qual repousará o "espírito de sabedoria e inteligência, espírito de conselho e fortaleza, espírito de conhecimento e temor de Javé" (Is 11,2).

Os cristãos interpretam essa efusão do Espírito como a sua vinda sobre Cristo no batismo e sobre os apóstolos em Pentecostes. A essa luz, entende-se a belíssima utopia do profeta de um verdadeiro paraíso onde "o lobo será hóspede de cordeiro, a pantera se deitará ao lado do cabrito; o bezerro e o leãozinho pastarão juntos" (Is 11,6-8); e, sobretudo, a idéia de que uma criança tangerá animais selvagens e brincará com serpentes.

A conclusão é ainda mais expressiva, como que anunciando Pentecostes: "Ninguém agirá mal nem provocará destruição em meu monte santo, pois a terra estará cheia do conhecimento de Javé, como as águas enchem o mar" (Is 11,9).

Jesus, na sinagoga de Nazaré, aplica a si um outro texto de Isaías "O Espírito do Senhor está sobre mim, porque ele me consagrou com a unção para anunciar a boa notícia aos pobres" (Lc 4,18 cf. Is 61,1). A liturgia exprime, em forma de pedido, a certeza de que, como Jesus e como os apóstolos em Pentecostes, o cristão também vai experimentar essa unção do Espírito.

Os padres da Igreja, santo e teólogos da Antigüidade, nos ajudam a compreender os dons que o Espírito Santo nos concede.

São Justino (+ século 2), referindo-se à iniciação dos cristãos, vê-os recebendo "o espírito de sabedoria, do conselho, da força, da cura, do conhecimento do futuro, da doutrina, do temor de Deus". São sete. Mas a enumeração é diferente da tradicional. Santo Irineu já menciona os sete dons que se tornarão tradicionais: "espírito de sabedoria e entendimento, de conselho e fortaleza, de ciência e piedade, de temor de Deus". Cristo, que os recebera do pai, nos faz participantes deles e por eles nos tornamos semelhantes a Deus.

São Clemente de Alexandria (+215) vê no candelabro de sete braços do Templo de Jerusalém um símbolo da figura de Cristo que nos dá a plenitude (sete) dos dons de sua luz (Espírito ). Sete é a soma de três mais quatro. Três é a plenitude divina, expressa na Trindade. Quatro é a plenitude terrestre, simbolizada pelos quatro pontos cardeais. Portanto, sete é a soma de plenitudes.

São Vitorino (+304) interpreta as sete lâmpadas de fogo que ardiam diante do trono de Deus e os sete espíritos da visão do Apocalipse (cf. 1,4; 4,5) como os dons do Espírito Santo. A criação do mundo em sete dias também o inspira a compará-la à criação espiritual pelos sete sopros do Espírito Santo.

Santo Hilário (+367) deleita-se na alegoria do milagre da multiplicação dos pães (cf. Mt 15,32-39). O número indefinido de peixes simboliza a distribuição dos diversos dons e carismas; e os sete cestos cheios da sobra indicam a abundância multiplicada dos sete dons do Espírito.

Santo Agostinho brinca com os símbolos. "No número dez está a Lei (dez mandamentos), no sete está a graça (sete dons). Só plenifica a Lei a graça difundida nos nossos corações pelo Espírito Santo, que é significado pelo número sete. Os dons descem até nós, vindos da sabedoria até o temor; mas nós subimos do temor até aperfeiçoarmo-nos na sabedoria." Ele apresenta os dons numa escada, em que um conduz ao outro. Assim se vai à sabedoria pelo entendimento; ao entendimento pelo conselho; ao conselho pela ciência; à ciência pela piedade; e à piedade pelo temor. E conclui que se chega ao Dom da sabedoria pelo do temor, citando o salmista: "O princípio da sabedoria é o temor de Javé" (Sl 111,10).

Concluindo esse estudo dos padres da Igreja, há um belo texto de São Gregório que opõe os dons do Espírito à fraquezas humanas. Ajuda-nos a perceber melhor o seu sentido e importância. "O Espírito Santo nos dá a sabedoria contra a estultícia, o entendimento contra a estupidez, o conselho contra precipitação, a piedade contra a dureza, o temor contra a soberba."

Os sete dons do Espírito Santo aperfeiçoam nossa inteligência para entender as realidades de Deus e nossas vontade para vivê-las. Velejamos na história. As calmarias nos ameaçam com o trabalho insano de remar. Os dons do Espírito Santo são ventos que nos enfunam as velas e nos fazem deslizar pela face do oceano. Dessa maneira, seremos conduzidos mais serenamente à margens seguras da eternidade de Deus. A enumeração e ordem atual dos dons é tirada da tradução latina (Vulgata) do texto de Isaías, citado anteriormente.

Sabedoria

Por este Dom, adquirimos uma união harmônica e de afinidade com Deus, produzida pelo amor como ensina Paulo: "Aquele que se une ao Senhor, forma com ele um só espírito" (1Cor 6,17). A partir dessa união com Deus, somos capazes de julgar todas as coisas com senso espiritual e Ter uma apreensão íntima até mesmo das riquezas insondáveis de Deus. "O Espírito sonda todas as coisas, até mesmo as profundidades de Deus" (1Cor 2,10).

Evidentemente, não se trata de nenhum conhecimento intelectual que esgote o ser de Deus, mas de uma contemplação afetiva que penetra as realidades espirituais. A sabedoria pode traduzir essa percepção em palavras, mas consiste sobretudo em saboreá-la internamente.

A sabedoria é um Dom do Espírito que responde muito ao atual momento de pós-modernidade, em que se reage contra a intelectualismo cartesiano, objetivo e analítico, e se prestigia i saber holístico, intuitivo, carregado de vivência.

Entendimento

Por este Dom, com um olhar simples dá para perceber o objeto do conhecimento. O juízo é direto, sem raciocínios complicados. O Dom do Espírito aperfeiçoa nossa faculdade de conhecer e nos permite captar as realidades divinas em profundidade, de maneira intelectual. Favorece a compreensão das escrituras sagradas com a visão clara dos elementos externos aos mistérios que, embora sem desvendá-los, facilitam seu acolhimento.

Quando Jesus pregava ou fazia algum milagre, o povo se maravilhava e reconhecia que um profeta havia aparecido. Muitas vezes, no entanto, os fariseus se escandalizavam e buscavam tirar-lhe a vida! A diferença estava precisamente no Dom do entendimento. Uns entendiam, outros não. Não era uma questão de quociente intelectual, mas de intuir o sentido espiritual e revelador de Deus na palavra ou no fato.

Hoje também, quantas vezes uma passagem da Escritura é ouvida ou lida por muitos e uns entendem, outros não! Na catequese, uma criança ou jovem compreende tudo, emociona-se diante da vida de Jesus, outra permanece fria e insensível como uma pedra. Faltou-lhe o Dom do entendimento.

Ciência

Este Dom envereda por um caminho diferente do anterior. Diante das realidades divinas, permite-nos argumentar, dar razões e organizar provas. Não supre a teologia porque se trata de um Dom do Espírito e não uma atividade intelectual. Evidentemente, o teólogo que o recebe está em melhores condições de construir sua teologia. Aproxima-se da Revelação de Deus pelo lado da experiência tocada pelo Espírito e é estimulado a traduzi-la com os recursos científicos.

O Dom da ciência torna possível discernir e julgar retamente também sobre as coisas criadas, permitindo-nos penetrar-lhes o sentido à luz de Deus. Assim, as ciências não afastam as pessoas de Deus, mas, ao contrário, elas lhes falam dele. Aqui a ciência, pelo Dom do Espírito, se põe a serviço da fé.

O mesmo Espírito, que pairou sobre toda a criação desde o início, que presidiu e preside o processo evolutivo, ilumina a mente humana para penetrar o sentido mais profundo de todo o cosmos. E certamente o seu Dom não está ausente da nova percepção científica, que procura superar uma concepção positivista e evidenciar a articulação íntima entre a ciência e a mística. Na sua última raiz, matéria e energia se identificam, matéria e espírito de perdem naquele instante anterior à explosão inicial do cosmos. Com o seu Dom da ciência, o Espírito nos abre para esse novo mundo científico, que não só não abala nossa fé, como a reforça.

Conselho

É o Dom que consegue unir dois pólos em tensão. De um lado, Deus inspira os seres humanos à ação. De outro, a estrutura psíquicas, as possibilidades e os limites das pessoas pedem prudência. Assim, alguém pode ser movido por Deus a largar tudo e partir para missões longínquas. No entanto, ele precisa conhecer sua capacidade de adaptação e saber se é suficientemente aberto para outras culturas, colaborando para a inculturação da fé, e se tem estrutura psico-afetiva para viver fora da pátria.

Nesse momento, intervém o Dom do conselho. É preciso consultar-se e aos outros para encontrar a vontade de Deus. Este é o resultado da moção sentida em confronto com a realidade.

Necessitamos do Dom do conselho na mesma medida em que a realidade moderna e pós-moderna se torna mais complexa, mais fatores intervêm no nosso cotidiano e mais pluralista é a sociedade. Num mundo em que a tradição se impunha, o conselho poderia resumir-se à transmissão fiel da cultura e das experiências dos mais velhos. Mas, num mundo que pôs no centro a experiência humana, a subjetividade e a autonomia, o Dom do conselho impede-nos de tomar decisões arbitrárias. É um Dom extremamente necessário para os jovens de hoje, que vivem numa cultura que desconhece limites. O Dom do conselho é indispensável para estabelecer ações de acordo com o bem, a ética e o Evangelho.

Fortaleza

"Não é, acaso, uma luta a vida do homem sobre a terra?, pergunta o paciente Jó. O Dom da fortaleza é dado para que o fiel não esmoreça nessa luta. Paulo incentiva Timóteo a combater o bom combate (cf. 1Tm 1,18). Ele próprio, ao sentir próximo o seu fim, não teme dizer que combateu o bom combate e guardou a fé na esperança da coroa de justiça que o Senhor lhe dará em recompensa (cf. 2Tm 4,7-8). Viver bem o cotidiano e alcançar a meta final, apesar de todas as dificuldades e obstáculos, eis o fruto principal deste Dom!

Ele é tanto mais importante quanto mais a cultura neoliberal e pós-moderna vive de um imediatismo hedonista e descomprometido, sem perspectivas de esperança, carregada de elementos opostos ao compromisso cristão. O cristão, por sua vez, é chamado a assumir o reino de Deus, que já se faz presente na História, mas também abre-se para dentro da eternidade.

Piedade

A palavra piedade, em português, ficou desgastada, ao identificar-se com sentimento piegas e formas exteriores de religião: fazer orações, praticar devoções múltiplas e cercar-se de objetos sacros. A piedade, no entanto, é uma virtude muito nobre, que exprime serviço e respeito aos pais e a outros parentes. Como Dom do Espírito, eleva-se a uma atitude filial em relação ao próprio Deus. Por isso, é o ponto mais alto da religião.

As religiões são caminhos de Deus aos seres humanos e destes a Deus. Muitas deles realçam a imagem de Deus criador e senhor de tudo. A religião cristã revela-nos o Deus Pai com quem matemos relações de filhos adotivos, segundo o apóstolo Paulo, e pelo qual nós clamamos: Abba, Pai (cf. Rm 8, 15). O Dom da piedade conduz-nos à experiência da filiação em relação a Deus em Jesus Cristo.

Por ser a virtude da religião a forma mais alta da virtude da justiça, o Dom da piedade, num mundo de tanta injustiça e exploração, não só nos dá a percepção da sacralidade última de Deus, mas também da pessoa humana, da natureza.

Por ele, rejeitamos todo aviltamento de Deus, dos irmãos, do cosmos, de um lado, e, de outro, abrimo-nos ao movimento dos direitos fundamentais da liberdade religiosa, do ser humano e de todo universo criado.

Temor de Deus

Sendo Dom o Espírito, trata-se de um temor filial. Implica uma docilidade ao Espírito que nos move a reverenciar Deus Pai e a ele nos submetemos. A esperança apóia-se nele, já que ela se funda na ajuda divina.

O temor filial nos dá a certeza existencial de fidelidade de Deus, como ele nos revelou no Antigo e no Novo Testamento. Moisés conclama o povo a ouvir os mandamentos do verdadeiro Deus que "mantém a aliança e o amor por mil gerações" (Dt 7,9), que "é o Deus fiel" (Dt 32,4). O salmista canta: "Javé é fiel às suas palavras, amoroso em todas as suas obras" (Sl 145,13). Paulo recorda aos cristãos: "O Deus que chamou vocês a comunhão com o seu Filho Jesus Cristo, Nosso Senhor, ele é fiel" (1Cor 1,9). É fiel em não permitir que sejamos tentados além de nossas forças. "Mas, junto com a tentação, ele dará a vocês os meios de sair dela e a força para suportá-la" (1Cor10,13).

 

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