UM CONTO DE NATAL.
I
Deixou a Duvivier, atravessou a avenida Copacabana, entrou num beco, parou, retirou um par de luvas cir�rgicas do bolso, enfiou os dedos nelas com cuidado exagerado, as alisou, a m�o esquerda primeiro, segurou o canivet�o na outra.
Contorno escuro de um homem o aguardava no fim do beco.
Justino aproximou - se dele sem pressa, determinado.
� Voc� ? - escutou.
A l�mina penetrou macia.
Luz do luminoso refletia cores no corpo, o rosto sonhador de Justino, som met�lico do canivet�o na lata de lixo um estampido no sil�ncio da noite, as pedras claras na cal�ada, manchas.
II
� N�o zanga comigo, t�? sei, sei, voc� preferia ter convidado, ser quem manda, mas...me deu as chaves, portanto...a surpresa estimula, n�o acha, amor? amor...
Olhar infantil, sorriso gentil, amoleceram Justino.
�...veja, me coloquei � vontade, gosta n�?
O corpo nu acompanhou o ritmo de Siboney, dedos longos e �geis afastaram a gravata, desabotoaram a camisa, acariciaram o peito, afrouxaram o cinto, Justino aceitou o beijo �mido.
III
� o noroeste...ele detestava o noroeste...levanta a poeira da alma, sopro quente da insanidade, mexe com os nervos , faz a pele co�ar, tudo pode acontecer, imposs�vel prever, contornar, coisa ruim esta a caminho...vento abanou as cortinas, calor invadiu o quarto, Justino acendeu um cigarro, na cama desarrumada, o corpo sinuoso, as coxas esguias, as n�degas soberbas.
Ele apagou o cigarro, vestiu - se, saiu.
IV
� Fez o servi�o ? - perguntou Gringo, voz insegura, seu olhar n�o encarou Justino.
� Sempre faz - falou Magrela.
� Tem certeza, Ju ?
� Ele nunca falha - continuou Magrela.
� Merda! Deixa ele responder !
� Mas...
� Magrela, vem c�, me d� a m�o !
Gringo segurou um dos dedos, torceu, Magrela gritou.
� T� s� luxado...n�o me interrompa mais...saia !
O olhar de Justino n�o acompanhou a retirada do Magrela.
� Companhia ontem? - perguntou Gringo, voz embargada.
Justino, impass�vel.
� Baby � minha paix�o...n�o devia fazer isso comigo - Gringo suspirou.
Justino n�o se moveu.
� N�o devia fazer isso comigo - repetiu Gringo, tentando encarar sem sucesso Justino � sou bom pagador, me diga Ju, sou ou n�o sou ? - no rosto sofrimento exagerado � por que?
Justino deu de ombros.
� Pele macia, boca carnuda, voz melodiosa - �xtase no rosto de Gringo.
Justino, inexpressivo.
Gringo abriu a gaveta, retirou um ma�o de notas.
� Toma! Dois mil ! � pra acabar de vez.
Justino ajeitou o no da gravata, n�o tocou no dinheiro.
Gringo rolou os olhos, ar de sofrimento aprofundou os vincos em torno da boca,
� Um trago ?
Justino n�o respondeu.
Gringo serviu - se de uma dose.
� Baby n�o me ama, faz s� o que eu mando...vai ao meu cafofo, faz de tudo , mas sei...n�o me ama - serviu - se outra dose � eu respeito voc�...sabe com�...essa coisa, n�o pode interferir.
Justino olhou as notas.
� Notas menores ! - falou.
Gringo abriu o cofre, trocou as de cem por outras de cinq�enta e de dez.
� Satisfeito ?
Justino embolsou o ma�o.
� Ju, tem que ser igualzinho ao que sempre faz ! tem que ser definitivo - suspirou de novo.
Justino levantou - se e saiu.
Desceu as escadas, parou no bar, tirou as notas do bolso, segurou na m�o delicada � sua frente, nos dedos longos, colocou o dinheiro na palma estendida.
� Bensinho, n�o precisa... � falou uma voz melodiosa.
Justino aguardou.
�...t� bem, amor...vou me enfeitar pra voc�, jantar fora, passeio no parque? � noite de luar.
Justino saiu.
VI
A lua se refletia na �gua, barcos e lanchas no ancoradouro do Iate Clube , sombras em movimento.
� P�o de a�ucar iluminado, os postes...�rvore de Natal...a torre do Rio Sul, lindo, um deslumbre, n�o acha ? estou t�o feliz !
L�bios se tocaram , l�nguas quente, m�os �geis, Justino estremeceu.
� Poder�amos ficar aqui pra sempre...amor, que luvas s�o essas? o canivete...por que ? � Gringo, n�? Ju, te amo, te amo...
A cabe�a encostou no peito de Justino, ele acariciou , corpos febris colados, olhos miravam para o al�m, lembran�as voluptuosas queimavam a mente imposs�veis de apagar, o consumiam, experi�ncias passadas...por que n�o evitei ?...sua vida nuca mais como antes...Justino respirou fundo...estou feliz...aspectos feios do seu presente o cercavam...preciso da inconsci�ncia...encontrar contentamento...o canivet�o escorreu da m�o, caiu na grama, o vento levou as luvas...
VII
� Tudo certinho?
Justino n�o respondeu.
� Tem certeza ?
O sil�ncio permaneceu.
� Sofreu ?
Justino fechou os olhos.
� Aposto que morreu gozando !
Justino abriu os olhos.
� Ele est� l� em casa...� Natal, ele � o meu presente.
Gringo parou de sorrir, os vincos em torno da boca sumidos, o rosto em transe.
� Ju, Ju, eu poderia te amar...muito, Ju.
Ligeiro tremor nu canto da boca de Justino , os olhos inexpress�veis, mesmo quando Magrela enfiou a faca na nuca de Gringo.