TRAILER.

A poeira o deixava cego, acionou o limpador do pára - brisa, lama se espalhando no vidro, ele resmungou , baixou o farol... me vem a mente o silêncio, seria a visão dela, o sexo aflorando de trás da calça stretch, imagens repentinas, passo em falso? Refiz o meu destino, parti sem um adeus, deixei os equívocos, estarei procurando a morte ?...o homem ao volante riu e acelerou o carro, a cadencia do limpa brisa em sintonia com as batidas de seu coração, viu o trailer ao longe, luz solitária no agreste...estacionou, saltou, abriu a porta da casa sobre rodas, entou

– Você veio!– falou a mulher para o espanto dele.

Não respondeu.

– Quer bolo com sorvete?

– Ele não quer nada – falou o homem sentado na poltrona.

O recém chegado continuou calado.

– Ele tem jeito de quem gosta de comida caseira – ela desapareceu de trás da cortina.

...deveria partir de novo, ser puro, chorar, vomitar minha consciência morta...

.– Eu mesmo fiz, sou boa no fogão.

Comeu em silencio, a mulher sentou - se ao seu lado.

– Tá chegando de onde? – perguntou a mulher.

– Tá longe da BR – falou o homem da poltrona. – Ta fugindo?

...quero gritar, posso gritar , são meus companheiros de solidão, cercado de desespero por lado, incomunicável, abdico de minhas forças, de minhas fraquezas...

Ela apanhou o prato, colocou - o no chão.

– Cerveja! – gritou o homem da poltrona.

– Não tem, meu bem.

– Merda!

O tapa ressoou com violência.

...sou um fantasma, me ergo do solo, flutuo no espaço, é noite, a escuridão me envolve...

A porta bateu.

– Ele vai beber na cidade.– falou a mulher enquanto colocava o disco

Musica inundou o pequeno espaço.

– Vem!

O segurou pela mão.

Saíram.

...vou seguir meu caminho....acionou a chave, o motor não pegou, tentou de novo.

– Não adianta – falou ela – aqui é uma espécie de Triângulo das Bermudas pros carros, todos enguiçam– Vem! .

Ela o abraçou, seguiram juntos até uma escada com degraus de metal , subiram.

– É o único trailer com terraço. Ele fez pra mim.

.A lua cheia iluminou o pedaço de chão, o som do disco cortou o silencio da noite.

– A vista seria ótima se tivesse o que ver, mas as luzes da cidade aparecem. Veja!...dança comigo.

As curvas voluptuosas da mulher rebolaram, começou a deseja - la, abraçou - a, dois pra la dois pra ca...só não amo a noite as sombras, os assassinos, os habitantes dos esgotos, as baratas, os ratos, mas aspiro seu perfume com toda força da minha alma , da minha humana inocência, aspiro sua inviolável pureza...o disco silenciou...

Calada ela o seguiu com o olhar.

Ele acionou a chave, o motor roncou...

... fugi demais , a liberdade é muito pesada, chega de auto eutanásia...

Saiu do carro, subiu os degraus de metal, acariciou os longos cabelos, deitou- se ao lado dela.

O tiro rasgou a noite.

Hosted by www.Geocities.ws

1