M E R C I

Sentou - se na poltrona preferida do pai, preguiçoso, entediado, acendeu um cigarro...olhou ao redor, adorava o apartamento, passado da família ali...tapetes persas, prataria pesada em cima do bufê, amava o samovar, o menorá... no teto candelabros de cristal checo...o presente agora...móveis do Leandro Martins, quadros, Bianco, Pancetti, Cícero Dias, natureza morta, impressionistas, não Degas ou Monet mas bons, um Hannaux era o que mais gostava...baixou o olhar, na mesa laqueada livros, autores franceses, a mãe lia...cortinas pesadas enquadravam portas abertas, acesso à varanda, a vista da baia deslumbrante...daqui alguns dias romperia com tudo isso, herança, tradição familiar ...doloroso, assustador, corte do cordão umbilical aos trinta anos...pegou no telefone, discou, cinco toques...

– Internacional , bom dia!

– Doutor Alberto Saraiva por gentileza!

Identificou - se, aguardou.

–Estou muito ocupado...atendi por ser você.

– Pardon, pardon mille fois!

– Snobe ainda! voltou quando?

– Não fui! ...moi et la Sorbonne, rien a faire!...almoço?

Aguardou...murmúrios...

– Abro tempo pra você...tem que ser hoje!

–Ça vá monsieur!

– No Alemão da Ottoni...uma hora! Tchau!

Colocou o fone no gancho com calma exagerado...o espelho...humilhado a gente se olha, por que? sim, é você mesmo, seu fracassado...alto, calvície incipiente, bigode, bem vestido, rosto bronzeado, infeliz...Alberto, pouco entusiasmo...os outros. onde estarão?...saudades dos amigos, anos de faculdade, de republica...olhar na mesa de snooker...passavam as férias aqui, em minha casa, comida, bebida, diversão de mão beijada...preciso deles e não estão...Alberto fazendo favor, droga...fama de rico um peso, herdeiro uma desgraça, trabalhar com pai uma tragédia...tirania, indulgência humilhante...filho do patrão, uma piada...anos de terror...comunicar o abandono... chantagem emocional, lágrimas, lamúrias, cobranças...dane - se! mas por que me sinto tão mal?...emprego, outro rumo, mudança, quarto - sala em Copa...

Atrasou...Alberto sentado à mesa com um copo com uísque à sua frente.

– Sorry! cabelos brancos? o tempo passa...

–...e você quase careca...garçom!...schnitzel, salada de batata...você?

– Costeletas, salada também...cerveja, Wirzbürger...

– ...outro Ballamtine's !

Constrangimento....impaciência.

– Secretária, agenda repleta...posição...

– ...não me queixo...ainda cheio da grana?

...droga, ter dinheiro é pecado?

– É do velho...sou o herdeiro, não precisa dizer...preciso de emprego...consegue?

– Trabalhar, você? diletantismo!

...droga, deveria estar em Paris e não assistir esse cara mastigar...

Garçom aproximou - se.

– Apfelstrudel...querem?

– Não, obrigado...café pra mim...

–...pra mim também!...deu azar, tinha vaga mas...manda seu currículo...

– Garçom, a conta!...deixa eu pago!

Parados na calçada, Alberto estendeu a mão.

–Fico de olho, te aviso.

– Obrigado, não se preocupe...gostei de almoçar contigo...

– ...então tudo bem...de volta pro batente...sou escravo..

–... vou gastar mais um pouco da minha grana...tu es la lumiére du monde, tu monteras au ciel...

–...o que quer di...

– ...oui, le chat de ma tante est gris, le crayon est sur la table, le ciel est bleu. Merci, merci mille fois...muito obrigado, mil vezes obrigado...aurevoir!

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