Kafka e o Irc

Quando certa manh� ele despertou , depois de um sono intranq�ilo, ele sentiu - se mal , muito mal, ser� que virei uma barata, pensou, apalpou - se, percebeu a pele, os p�los no peito, bom, muito bom, barata n�o tem pelo, a metamorfose n�o ocorrera, droga desse

Kafka, na v�spera lera o angustiante escritor.

Levantou - se, examinou o quarto, um igual a todos, quatro paredes, como voc� � perspicaz, que tal nenhuma parede? riu da sua ironia boba, dirigiu seu olhar para a janela, o tempo nublado infundiu - lhe uma grande melancolia, bom , que tal se eu continuasse a dormir? O computador o fitava, quis desviar o olhar, n�o conseguiu, o stand by do monitor o chamava. Caminhou em dire��o ao banheiro, desviou - se , atra��o, (fatal?) o levou at� uma cadeira, sentou - se, a bexiga prestes a transbordar, movimentou o mouse , a tela acendeu - se , icones , clicou atalho para openlink, janela , conectar, som da discagem, santa Telerj, por favor...o modem gemeu, respirou aliviado, aceita��o da senha, clicou internet mail, mais cliques, inbox, a setinha impertinente, mensagem, dela! leu �vido...sentiu - se reconfortado, orgulhoso e...deprimido, droga, � antinatural, irreal, onde est� o sabor dos l�bios, o olhar, o calor do corpo, o desejo satisfeito? a tela cintilava risonha, debochada, clicou com raiva, �cones reapareceram, ele mostrou o dedo obc�no , levantou - se, foi mijar, urina informatizada, he,he,he! o imagin�rio...existe nos animais? o internauta � bicho, � vegetal? um possesso, um possu�do, quem � o exorcista?...o esfor�o virtual, a encena��o...escalonar, vestir - se de pap�is, estabelecer n�veis de dec�ncia... a ribalta do incerto, do incesto �tico, imposs�vel de estabelecer graus , n�veis morais, droga! isso n�o � bebida alco�lica, tantos dedos de u�sque e chega! n�o chega nunca, tortura chinesa, o ping, ping da gota d'�gua, o clac, clac da digita��o, n�o tem torneira para fechar, tudo invis�vel, inating�vel...Albert Camus dissera :"cuide de seu rosto, o rosto � voc�", mas onde est�o os rostos? s� o escrito, est� na tela, est� dito, nada pode ser "apagado", deletado sim! mas ficou l�, incrustado , definitivo na vis�o cerebral.. particular? "private"? nada � "private" no irc, nada, nada...num pergaminho, num papel, uma proposi��o aceita o corretivo "incertum", bastava se eximir de "o haver escrito" por um processo metalingu�stico...mas a tela? o vis�o do imagin�rio nunca l�cido a patinar suave a passos de lobo, tudo, tudo espelho e imagem, nunca um texto com aspas incertas , par�nteses flutuantes, nenhum escalonamento das leituras...o anonimato, o n�o rosto, o confessado e o confessor, o paciente e o terapeuta, trocam de lugar a cada instante, se mesclam, se confundem...o jato de urina minguou, ele respirou fundo, sentiu - se exausto, cansado, aproximou - se do espelho, um rosto, dele? olhos, nariz, boca, passou a m�o para se certificar, sim era ele, fez caretas, liberdade de movimento? sim, sim, flexionou os bra�os, dobrou os joelhos, mas por que se sentia enjaulado, o Artista da Fome? olha a� senhor Kafka , n�o estou enjaulado, n�o tenho as costelas salientes nem estou estendido na palha esparsa pelo solo, o rosto no espelho movimentou os l�bios, voc� est� sim, enjaulado, ouviu, pelo imagin�rio em seu grau pleno, escreve...n�o, n�o, digita tudo o que tem vontade a seu respeito e que acha embara�oso de falar, conta com a complac�ncia das mil telas...h�,h�,h�, seu bobo, respondeu ao rosto no espelho, e os outros? Sim, eles, todos, tem sua marca do imagin�rio, naquele mesmo horizonte onde eles se acreditam amados, impunes, despudorados, substra�dos ao embara�o de serem vistos por sem complacentes, por c�nicos, por voyeurs an�nimos...ele se afastou do espelho, saiu do banheiro, apanhou o livro do ch�o, abriu - o ao acaso...sofria todos os males: a cabe�a lhe ca�a sobre o peito, como se lhe desse voltas...o corpo estava como vazio...ele jogou o livro longe, Kafka que se dane!

Enfiou a cueca, cal�as, colocou as meias, vestiu a camisa...olhou para o computador, encaminhou - se de novo at� a cadeira... login.../join # xxx.. firulou, recebeu tantas outras, esperou...computador, geringon�a silenciosa, n�o fala mas diz, leia - se entre linhas quem souber como, mis�ria d' alma h�, car�ncia, timidez agressiva, pudor vencido pelo anonimato , taras disfar�adas por abreviaturas, frustra��es, desejos do subconsciente, ego, superego, super tudo, conquista da tecnologia? nada t�o d�bio, enganador, maquiado, uma avenida infinita na tela alva expondo pen�ria, decadentosa e desdentada, mis�ria e sujeira, uma Bagd� eletr�nica , cosmopolita, m�e generosa e despudorada, abrigo de pilantras, biltres, tr�nsfugos e safados escorridos do mundo nativo, um biombo para os escondidos de tr�s de linguagem herm�tica...ele olhou pela janela, o sol aparecia esplendoroso, sorriu...olhou a tela... amor, querido, amigo, beijos, abra�os, felicidade, saudades, linda, doce, beleza, princesa...

telinha, telinha,

expulsou meus dem�nios,

reviveu meus horm�nios,

incenso e ben��o,

branco tecido m�stico,

tudo calmo, tudo alto,

tira o v�u, me d� um beijo , me abra�a,

satisf�a o meu desejo

telimha, telinha ,

tirou o meu medo

mais vale te amar que amar uma mulher

e sofrer...

telinha, telinha...

J))))))))))

Iosif Landau
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