HEMINGWAY, A LUTA. Abra a porta, Rosa, abra! N�o adianta fingir...d� pra ouvir a droga da televis�o. Abra se n�o derrubo a porta, abr...esse olhar? por que? tu sabia que eu ia aparecer uma noite dessas...o terno, a gravatinha, gostou? � por causa do novo emprego...bilheteiro de cinema...rasgo papel a tarde inteira. N�o t� bebado, n�o...n�o bebo durante o expediente, nunca, mas nada impede um trago depois. Olha, trouxe uma garrafa de bom u�sque escoc�s. Tu j� foi casada com gringo, eles gostam de mamar no gargalo. Ah...t� sorrindo? J� manjei ...vai matar as saudades! Madame, por favor, dois copos. Vou encher o meu , o seu s� pela metade. Uma dama n�o deve se embebedar...apenas ficar alegre. Eu t� acostumado...fui marinheiro, cheguei a capit�o...naveguei por todos os mares...agora...sento na beira dos cais...droga, s� �gua suja, navios ao longe. Rasgar bilhetes, � meu primeiro emprego em terra e n�o gosto, mas tem suas vantagens...d� pra assistir as fitas de gra�a ...uma, duas, tr�s vezes. Puxa, que tristeza me d� quando vejo casaizinhos se beijando e beijando...na tela, bem entendido. Me lembro do meu primeiro amor. N�o d� pra esquecer...voc� entende? Ela ...os p�s dela, suas pernas, seus joelhos , as coxas , o traseiro...at� das costelas dela me lembro...os pequenos seios, duas p�ras, a ca�da dos ombros, o pesco�o, rosto, olhos, cabelos, l�bios... os l�bios em particular. Quero esquecer mas n�o consigo, n�o...bem, deixa pra l�! � sua sa�de! Posso tirar o palet�, a gravata? a camisa tamb�m? N�o se assuste, uso camiseta...bom, assim t� melhor. Puxa, teu robe...nem mesmo transparente �...todo felpudo, grosso e voc� ainda o segura com as duas m�os junto ao pesco�o , parece at� que...esquece! Sabe, vi hoje de manh� algo muito bacana. Um garoto, o garoto que eu acompanho sempre com os olhos nos treinos da turminha dele no campo de tr�s da igreja...voc� com certeza n�o sabe...pois ele nunca chutava direito, o pai , o treinador enchiam o saco dele, parecem at� ser dono dele...merda, ningu�m � de ningu�m...bem, a� o garoto...t� te aborrecendo? n�o? ok! ele recebe a bola de bandeja, chuta e faz o gol. Lindo gol...me lembrou o meu filho. Sabia que tenho um filho? T� casado, sumiu, nem sei se tenho netos...diabos! esses meus...lacrimejam o tempo todo, coisa de velho...mais um trago? pois �, o garoto...como ficou orgulhoso, estufou o peito, virou homem. Sabe, na marinha t�nhamos um lema...peito estufado, pernas rijas, pau duro...� nossa! sa�de!...voc� tem seios lindos, n�o adianta esse teu robe, adivinho, conhe�o mulher...casei quatro vezes...todas com seios lindos. Puxa, como gosto de seios...deixa pra l� ! n�o quis te ofender...apenas um elogio...Me lembro da primeira vez, tinha dezesseis anos, ela quarenta. S� falei tr�s palavras pra ela...eu te amo...foi isso que eu disse...eu te amo... se eu a amava mesmo? nada disso, as palavras surgiram assim, de repente durante...sabe, eu acho que nos naquele exato instante de fato amamos, assim, por uns sete segundos. Aquela primeira vez foi sublime, nunca me esque�o...nem dos vinte pilas que entreguei na m�o dela...faz tanto tempo! Vamos saudar os meus dezesseis anos. Viva!...j� te contei de quando desafiei Hemingway pruma luta de boxe? Toda vez que bebo falo nisso. Foi em Porto Rico, l� pelo 1938, acho. S� sei que foi antes da guerra. Eu tava numa espelunca, nem me lembro mais do nome. O distinto tinha tomado umas e outra e cismou de desafiar os presentes pruma luta. Ningu�m se apresentou. Ele j� era meio coroa , parrud�o ainda, um touro. Eu beirava os vinte, garotote ainda, mas te digo...t� vendo esses bra�os, j� meio fracotes? pois bem, j� foram da grossura das minhas coxas de agora, as coxas troncos de arvore...eu era forte, muito forte. Bem, me aproximei dele e falei, venha! Ele me olhou e riu...n�o houve luta, acabou tudo numa carraspana e tanto. Naquela noite aprendi a entornar feito gente grande. J� li tudo que ele escreveu . Em dias de muito calor eu me aboleto numa livraria com ar refrigerado, pego logo um livro dele, leio at� o dono me expulsar. Acho que fui expulso de mais livrarias que de bares. Vamos saudar o velho...ele merece dois copos cheios. � sa�de de Pappy!...Rosa, puxa, que seios bonitos voc� deve ter. Deixa eu ver. N�o se levanta, onde vai? fica onde t�! deixa de bobagem! Droga, como � graciosa...parece com um esse mai�sculo de caligrafia, majestosa. Diabos, n�o vai bancar a santinha. Te assustei...desculpa! a cadeira caiu sem querer. N�o diga nada, te imploro. Fique apenas ali, parada...Deus, teu corpo...� quente. D� pra sentir atrav�s desse teu robe que mais parece um tapete. Por que n�o me abra�a tamb�m? veja, eu n�o aperto, sou carinhoso. Encosta, quero sentir aquela coisa...t� bem, t� bem, me desculpa mais uma vez. Besteira minha, pura ilus�o. Sabia que n�o ia dar em nada. Desde o instante que entrei. Faz tempo que n�o consigo mais, tanto tempo...Antigamente eu levava elas no colo at� � cama. Agora s� carrego minhas roupas velhas...veja! N�o me olha assim . Nunca viu homem chorar? Pois �, de uns tempo pra c� s� fa�o chorar, n�o sou mais homem , apenas um velho. Dor, tristeza , humilha��o! Tenho medo de endoidar que nem aquele velho do sobrado em frente. Ele se veste na maior fatiota e dan�a...sozinho, o mesmo tango, todas as noites at� � madrugada. � de endoidar... Voc� sabe que fa�o anos hoje? Setenta e tr�s, setenta e quatro? nem sei mais...Rosa, te imploro, n�o me enxota...n�o hoje, n�o d� pra voltar l� pra cima, praquele quarto. N�o tem mesmo um quadro . Nada! A televis�o t� pifada, o ar n�o funciona, faz tanto calor...por favor, n�o essa noite. Sabe, n�o tenho nem mesmo mais retratos. A parede tava cheia deles, Ana, Rute, Solange, Gina , minha mulheres...e o garoto, Luiz, uma d�zia deles , tudo misturado com os de Carmen Miranda, Francisco Alves, Fred Astair, Rita Hayworth, Heleno de Freitas, Chico Landi, John Wayne, Oscarito, colegas de bordo e tantos mais. Um dia olhei pra eles, descobri que olhava pra mortos, sumidos. Joguei tudo no lixo...Rosa, escuta, n�o vou te importunar. Deixa eu dormir no sof�, s� essa noite. Bebo o que ficou na garrafa e apago logo, juro...t� bem. Tem todo o direito de me empurrar pra fora, mas...Rosa, Rosa, n�o precisa enxugar minhas l�grimas...como sua m�o � leve na minha velha nuca, eu devia ter cortado o meu cabelo...seu robe, t�o macio ... Rosa ... Rosa...
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