Terça-feira, 23 de Agosto de 2005
STJ confirma impossibilidade de
capitalização mensal de juros em contratos habitacionais
Nos contratos habitacionais vinculados
ao Sistema Financeiro de Habitação, é impossível a capitalização mensal de
juros por falta de expressa autorização legal. A reafirmação foi feita pela
4ª Turma do STJ, ao negar provimento a recurso especial da Caixa Econômica
Federal contra o mutuário Francisco Rodrigues de Sousa, do Ceará.
Em primeira instância, o juiz
determinou a aplicação do IPC na revisão do cálculo do saldo devedor. Na
apelação, o TRF da 5ª Região afirmou que, sendo o IPC superior à TR, para
que não houvesse prejuízo ao mutuário e diante da impossibilidade de reformatio in pejus (reforma
para pior), deveria ser aplicada, no caso, a taxa referencial como
indexador contratual.
No recurso para o Superior, a Caixa
afirmou não se conformar com o afastamento da União do litisconsórcio
passivo. Alegou, ainda, ter sido vítima de cerceamento de defesa devido ao
fato de o juiz ter indeferido a realização de prova pericial. Também
sustentou ser impossível o rompimento do ajustado contratualmente, além de ser
"legal a cobrança de juros capitalizados".
Segundo o recurso especial da CEF, a
decisão ofendeu o artigo 7º, inciso III, do decreto-lei
nº 2.291/86, os artigos 47, caput e parágrafo único, 332 e 420 do Código de
Processo Civil, o artigo 6º, § 1º, da Lei de Introdução ao Código Civil, o
art. 586 do Código Civil de 2002 e o art. 4º do decreto nº 22.626/33.
O recurso não foi conhecido no
Superior. Ao examinar a questão da capitalização mensal de juros, o relator
afirmou que ela é indevida, pois elevaria a taxa anual para além dos 10%
permitidos. "Nos contratos de mútuo hipotecário é vedada a capitalização mensal dos juros, somente admitida nos
casos previstos em lei, hipótese diversa da dos autos", concluiu o
ministro Fernando Gonçalves. (REsp nº 719259 - com
informações do STJ e da base de dados do Espaço Vital ).
Acórdão
Habitacional: leia o julgado do
Superior
RECURSO ESPECIAL Nº 719.259 - CE
(2005⁄0012910-6)
RELATOR:MINISTRO FERNANDO
GONÇALVES
RECORRENTE:CAIXA ECONÔMICA
FEDERAL - CEF
ADVOGADO:MARIA DAS GRAÇAS DE
OLIVEIRA CARVALHO E OUTROS
RECORRIDO :FRANCISCO RODRIGUES
DE SOUSA E CÔNJUGE
ADVOGADO:NOEMIA BEZERRA
FERREIRA GOMES E OUTROS
EMENTA
PROCESSUAL CIVIL. MÚTUO. SFH.
PREQUESTIONAMENTO. FALTA. SÚMULAS 282 E 356 DO STF. UNIÃO. LITISCONSORTE
PASSIVA. AFASTAMENTO. PRODUÇÃO DE PROVA. PERÍCIA. CERCEAMENTO DE DEFESA.
REEXAME FÁTICO. SÚMULA 7⁄STJ. JUROS REMUNERATÓRIOS. CAPITALIZAÇÃO.
IMPOSSIBILIDADE. PRECEDENTES.
1 - Ressente-se o recurso especial do devido
prequestionamento no que tange às matérias
relativas aos artigos tidos como violados, efetivamente não debatidas pelo
Tribunal a quo, sob o enfoque dado pela
recorrente, o que faz incidir a censura das súmulas 282 e 356 do Supremo
Tribunal Federal. Ademais, consoante entendimento desta Corte, ainda que a
questão federal surja no julgamento do acórdão recorrido, indispensável a oposição de embargos declaratórios, providência não
adotada na espécie.
2 - Pacífica na
jurisprudência desta Corte a orientação de que a União não está
legitimada passivamente para as causas referentes a reajustes de prestação
de financiamentos vinculados ao Sistema Financeiro da Habitação.
Precedentes.
3 - Se as instâncias ordinárias
entenderam suficientes para julgamento da causa as provas constantes dos
autos, não cabe a esta Corte afirmar a ocorrência de cerceamento de defesa.
Precedentes.
4 - Não é permitida a
capitalização de juros em contratos de financiamento pelo SFH, dada a
ausência de autorização legislativa. Precedentes.
5 - Recurso especial não
conhecido.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes
autos, acordam os Ministros da Quarta Turma do Superior Tribunal de
Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, por
unanimidade, não conhecer do recurso. Os Ministros Aldir Passarinho Junior,
Jorge Scartezzini, Barros
Monteiro e Cesar Asfor
Rocha votaram com o Ministro Relator.
RELATÓRIO
O EXMO. SR. MINISTRO FERNANDO GONÇALVES:
Trata-se de recurso especial interposto
pela CAIXA ECONÔMICA FEDERAL - CEF - com fundamento no art. 105, inciso
III, letra "a" da Constituição Federal contra acórdão do TRF da
5ª Região, assim ementado:
"CIVIL E PROCESSUAL CIVIL.
SENTENÇA ULTRA PETITA. SISTEMA FINANCEIRO DA HABITAÇÃO. ILEGITIMIDADE DA
UNIÃO. CERCEAMENTO DE DEFESA. INOCORRÊNCIA. TR COMO FATOR DE CORREÇÃO.APLICAÇÃO.ANATOCISMO. ILEGALIDADE. LIMITAÇÃO
CONSTITUCIONAL DOS JUROS EM 12%. LEI COMPLEMENTAR. NECESSIDADE.
1. O juiz tem o poder-dever de dirimir
a lide nos termos em que foi proposta. Havendo julgamento ultra petita, o Tribunal deve reduzir o decisum
aos limites da ação.
2. Em matéria como a dos autos, desde
que haja pedido expresso, a solução a ser adotada, para eliminar a
disparidade entre os reajustamentos e a marcha do saldo devedor, é a utilização
irrestrita do Plano de Equivalência Salarial, também no que tange à
recomposição dos valores deste, tornando-se acessível a sua solvabilidade,
sem que subsista qualquer resíduo ao final do longo prazo de pagamento da
dívida.
3. Hipótese em que restou determinada
pelo juízo a quo, acolhendo pedido da parte
autora, a aplicação do IPC na revisão do cálculo do saldo devedor.
4. Uma vez que o IPC é superior à TR,
para que não haja prejuízo ao mutuário e diante da impossibilidade de reformatio in pejus, há de
ser aplicar, in casu, a Taxa Referencial como
indexador contratual.
5. É ilegal a aplicação de juros sobre
juros vencidos e não pagos na época devida, sendo certo que a sua
capitalização só se afigura possível quando autorizada por lei específica.
6. O Colendo STF, a quem compete a última palavra acerca da hermenêutica constitucional,
nos autos da ADIN n° 4-7, considerou não ser auto-aplicável a norma do
parágrafo 3° do art. 192, da CF, hoje já revogado, sobre juros reais de 12%,
necessitando, para a sua implementação, a edição de lei complementar.
7. Apelação parcialmente provida." (fls. 234)
Afirma a recorrente violação ao art.
7º, inciso III, do Decreto-Lei nº 2.291⁄86, aos arts.
47, caput, parágrafo único, 332 e 420 do CPC, ao art. 6º, § 1º, da Lei de
Introdução ao Código Civil, ao art. 586 do Código Civil de 2002 e ao art.
4º do Decreto 22.626⁄33.
Não se conforma com o afastamento do
litisconsórcio passivo da União, afirma ser vítima de cerceamento de
defesa, em face do indeferimento de prova pericial, sustenta a
impossibilidade de rompimento do ajustado contratualmente e, por fim, aduz
a legalidade da cobrança de juros capitalizados.
Sem contra-razões, o recurso teve
admitido o seu processamento (fls. 259), ascendendo os autos a esta Corte.
É o relatório.
VOTO
O EXMO. SR. MINISTRO FERNANDO GONÇALVES
(RELATOR):
De início, ressente-se o recurso
especial do devido prequestionamento no que tange
às matérias relativas aos artigos 6º, § 1º, da Lei de Introdução ao Código Civil
e 586 do Código Civil de 2002 tidos como violados, efetivamente não
debatidas pelo Tribunal a quo, sob o enfoque dado
pela recorrente, o que faz incidir a censura das súmulas 282 e 356 do
Supremo Tribunal Federal. Ademais, consoante entendimento desta Corte,
ainda que a questão federal surja no julgamento do acórdão recorrido,
indispensável a oposição de embargos declaratórios
(ERESP 99.796, Rel. Min. Eduardo Ribeiro), providência não adotada na
espécie.
No tocante à legitimidade passiva da
União, a tese esposada pelo Tribunal de origem é a mesma acolhida por esta
Corte, verbis:
"CIVIL E
PROCESSUAL. RECURSO ESPECIAL. SISTEMA FINANCEIRO DA HABITAÇÃO. REAJUSTE DE
PRESTAÇÃO DE MÚTUO HIPOTECÁRIO. UNIÃO. ILEGITIMIDADE PASSIVA.
I. Pacífica na jurisprudência desta
Corte a orientação de que a União não está legitimada passivamente para as
causas referentes a reajustes de prestação de financiamentos vinculados ao
Sistema Financeiro da Habitação. Precedentes.
II. Recurso conhecido e provido." (REsp
271.339⁄BA, Rel. Min. ALDIR PASSARINHO JUNIOR, DJ de 20.11.2000)
De outra parte, se as instâncias
ordinárias, a quem compete apreciar as matérias de fato, entenderam
suficientes para julgamento da causa os dados constantes dos autos, não
cabe a esta Corte pronunciar-se novamente sobre o tema, com risco de infringência, também, ao verbete nº 7 deste Tribunal.
Nesse sentido:
"RECURSO ESPECIAL. PROCESSO CIVIL.
MATÉRIA CONSTITUCIONAL. COMPETÊNCIA DO STF. JULGAMENTO ANTECIPADO DA LIDE.
CERCEAMENTO DE DEFESA. ANÁLISE. REEXAME DE PROVA. SÚMULA 7⁄STJ.
DEFICIÊNCIA RECURSAL. ALÍNEA "A" DO PERMISSIVO CONSTITUCIONAL.
FALTA DE INDICAÇÃO DO DISPOSITIVO LEGAL VIOLADO. SÚMULA 284⁄STF.
PREQUESTIONAMENTO. NECESSIDADE. SÚMULAS 282 E 356 DO STF. SÚMULA
211⁄STJ. SFH. TRANSFERÊNCIA DO IMÓVEL FINANCIADO. NECESSIDADE DE
INTERVENIÊNCIA DA INSTITUIÇÃO FINANCEIRA. DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL. NÃO
CONFIGURAÇÃO.
1 - Omissis ...
2 - Se o acórdão recorrido, com base no
contexto fático delineado nos autos, entendeu que o julgamento do feito
prescindia de instrução probatória, a análise da ocorrência do cerceamento
de defesa, consubstanciado no indeferimento da produção da prova pericial,
esbarra na censura da súmula 7⁄STJ. Precedente.
3 - Omissis ...
4 - Omissis ..
5 - Omissis ...
6 - Omissis ...
7 - Omissis ..
8 - Recurso especial não
conhecido." (Resp 390.135⁄PR, Rel. Ministro FERNANDO GONÇALVES,
DJU, 03.11.03)
“CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. RECURSO
ESPECIAL. BUSCA E APREENSÃO. AÇÃO DE DEPÓSITO. CONVERSÃO. ALIENAÇÃO
FIDUCIÁRIA. DEPOSITÁRIO INFIEL. PRISÃO CIVIL. POSSIBILIDADE. PRECEDENTES DO
SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL E DESTA CORTE. CERCEAMENTO DE DEFESA.
IMPOSSIBILIDADE DE EXAME. MATÉRIA DE PROVA. ENUNCIADO Nº 7 DA SÚMULA⁄STJ. RECURSO DESACOLHIDO.
I - É admissível pelo nosso direito a conversão do pedido de busca e apreensão, nos mesmos
autos, em ação de depósito, se o bem alienado fiduciariamente não for
encontrado ou não se achar na posse do devedor.
II - Segundo tem decidido a Corte
Superior deste Tribunal, na linha do entendimento do Supremo Tribunal
Federal, ratificado recentemente pelo seu Plenário (HC 76.561 e RE 206.482,
ambos julgados em 27.5.98), e sem embargo da força dos argumentos em
contrário, a prisão do depositário infiel na alienação fiduciária não
vulnera a legislação federal infraconstitucional.
III - Afirmando o acórdão recorrido que
restou comprovada a condição de depositário e a desnecessidade de produção
de outras provas, em face do acervo probatório carreado aos autos, não há
como desconstituir-se essa afirmativa sem penetrar no terreno fático,
circunstância vedada em sede de recurso especial a teor do enunciado nº 7
da Súmula⁄STJ.
IV - A simples transcrição de ementas
não é suficiente para caracterizar o dissídio jurisprudencial apto a ensejar
a abertura da via especial, sendo necessário, para tanto, a identificação
de circunstâncias que assemelham ou identificam os caso em confronto a
realização do cotejo analítico entre elas.
V – Não tendo o Tribunal enfrentado a
matéria discutida no especial impossível a sua análise, por falta de prequestionamento, nos termos do enunciado nº 282 da Súmula⁄STF.” (REsp nº 164.858⁄SP, Rel. Min.
SÁLVIO DE FIGUEIREDO TEIXEIRA, DJ de 15.03.1999)
“PROVA.
CERCEAMENTO. TÍTULO EXTRAJUDICIAL. LIQUIDEZ.
Cabe ao juiz da matéria de fato decidir
sobre a necessidade da produção de provas.
O título não perde a sua liquidez por
depender de atualização e cálculo de encargos.
Recurso não conhecido.” (REsp nº
208.765⁄MG, Rel. Min. RUY ROSADO DE AGUIAR, DJ de 06.09.1999)
Por fim, não é permitida a
capitalização de juros em contratos financiamento pelo SFH, dada a ausência
de autorização legislativa.
A propósito:
"CIVIL E
PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL. SISTEMA FINANCEIRO DA HABITAÇÃO. MÚTUO
HIPOTECÁRIO. CAPITALIZAÇÃO DOS JUROS. VEDAÇÃO. SÚMULA Nº 121-STF. TEMA
PACIFICADO. RECURSO MANIFESTAMENTE INADIMISSÍVEL E INFUNDADO. MULTA. ART.
557, § 2º, DO CPC.
I. Nos contratos de mútuo hipotecário é
vedada a capitalização mensal dos juros, somente
admitida nos casos previstos em lei, hipótese diversa dos autos. Incidência
do art. 4º do Decreto n. 22.626⁄33 e da Súmula nº 121-STF.
II. Agravo improvido."
(AgRgResp nº 575.750⁄RN , Rel. Min. ALDIR
PASSARINHO JUNIOR, DJ de 09⁄08⁄2004)
"CASA PRÓPRIA.
Capitalização.
É indevida a
capitalização mensal de juros, que elevaria a taxa anual para além dos 10%
permitidos.
Recurso conhecido em parte e
provido." (Resp nº 467.439⁄RS, Rel. Min. RUY ROSADO DE AGUIAR,
DJ de 28⁄04⁄2003)
"SFH.
CAPITALIZAÇÃO DE JUROS. IMPOSSIBILIDADE. AUSÊNCIA DE PREVISÃO LEGAL.
PRECEDENTES. SÚMULA 83-STJ.
I - A jurisprudência desta Corte se
firmou no sentido da impossibilidade de capitalização mensal de juros, nos
contratos de mútuo vinculados ao Sistema Financeiro de Habitação, em razão
da ausência de expressa autorização legal.
II - Agravo regimental
desprovido." (AgRgResp nº 524.920⁄RN,
Rel. Min. ANTÔNIO DE PÁDUA RIBEIRO, DJ de 25⁄10⁄2004)
"Agravo
regimental. Recurso especial. Ação revisional. SFH. Capitalização.
1. A decisão agravada, com respaldo em
jurisprudência da Corte, decidiu pela impossibilidade de capitalização
mensal dos juros em contratos habitacionais, não tendo as razões recursais
o condão de alterar posicionamento, inclusive sumulado, deste Tribunal.
2. Agravo regimental desprovido."
(AGRESP nº 538.205⁄RS, Rel. Min. CARLOS ALBERTO MENEZES DIREITO, DJ
de 21⁄02⁄2005)
Ante o exposto, não conheço do recurso.
Brasília, 2 de
agosto de 2005 (data de julgamento).
MINISTRO FERNANDO GONÇALVES, relator
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