Arte Poética

Epistula ad Pisones


As ações ou se representam em cena ou se narram. Quando recebidas pelos ouvidos, causam emoção mais fraca do que quando, apresentadas à fidelidade dos olhos, o espectador mesmo as testemunha; contudo, não se mostrem em cena ações que convém se passem dentro e furtem-se muitas aos olhos, para as relatar logo mais uma testemunha eloqüente. Não vá Medéia trucidar os filhos à vista do público; nem o abominável Atreu cozer vísceras humanas, nem se transmudará Procne em ave ou Cadmo em serpente diante de todos. Descreio e abomino tudo que for mostrado assim.

Para ser reclamada e voltar à cena, não deve uma peça ficar aquém nem ir além do quinto ato; nem se empenhe em falar uma quarta personagem. Que o coro desempenhe uma parte na ação e um papel pessoal; não fique cantando entre os atos matéria que não condiga com o assunto, nem se ligue a ele estreitamente. Cabe-lhe apoiar os bons, dar conselhos amigos, moderar as iras, amar aos que se arreceiam de errar; louve os pratos da mesa frugal, bem como a justiça salutar, as leis, a paz de portas abertas; guarde os segredos confiados a ele, ore aos deuses, peça que a Fortuna volte aos infelizes e abandone os soberbos. (...)

Princípio e fonte da arte de escrever é o bom senso. Os escritores socráticos poderão indicar as idéias; obtida a matéria, as palavras seguirão espontaneamente. Quem aprendeu os seus deveres para com a pátria e para como os amigos, com que amor devemos amar o pai, o irmão, o hóspede, qual a obrigação dum senador, qual a dum juiz, qual o papel

do general mandado à guerra, esse sabe com segurança dar a cada personagem a conveniente caracterização. Eu o aconselharei a, como imitador ensinado, observar o modelo da vida e dos caracteres e daí colher uma linguagem vivia. Uma peça abrilhantada pelas verdades gerais e pela correta descrição dos caracteres, porém de nenhuma beleza, sem peso nem arte, por vezes deleita mais fortemente o público e o retém melhor do que versos pobres de assunto e bagatelas maviosas. (...)

Os poetas desejam ou se úteis, ou deleitar, ou dizer coisas ao mesmo tempo agradáveis e proveitosas para a vida. O que quer que se preceitue, seja breve, para que, numa expressão concisa, o recolham docilmente os espíritos e fielmente o guardem; dum peito já cheio extravasa tudo que é supérfluo. Não se distanciem da realidade as ficções que visam ao prazer; não pretenda a fábula que se creia tudo quanto ela invente, nem extraia vivo do estômago da Lâmia um menino que ela tinha almoçado. As centúrias dos quarentões recusam as peças sem utilidade; os Ramnes passam adiante, desdenhando as sensaborias. Arrebata todos os sufrágios quem mistura o útil e o agradável, deleitando e ao mesmo tempo instruindo o leitor; esse livro, sim, rende lucros aos Sósias; esse transpõe os mares e dilata a longa permanência do escritor de nomeada.


Teatro Grego: tragédia e comédia

1. Tragédia Grega

1.1. Tragédia Grega: Dioniso ou Baco.

A tragédia nasceu do culto de Dioniso: isto, apesar de algumas tentativas, ainda não se conseguiu negar. Ninguém pôde, até hoje, explicar a gênese do trágico, sem passar pelo elemento satírico. (...)

Historicamente, por ocasião da vindima, celebrava-se a cada ano, em Atenas, e por toda a Ática, a festa do vinho novo, em que os participantes, como outrora os companheiros de Baco, se embriagavam e começavam à cantar e dançar freneticamente, à luz dos archotes e ao som dos címbalos, até cair desfalecidos. Ora, ao que parece, esses adeptos do deus do vinho disfarçavam-se em sátiros, que eram concebidos pela imaginação

popular como "homens-bodes". Teria nascido assim o vocábulo tragédia ("tragoidía" = "trágos", bode + "oidé", canto + "ia", donde o latim tragoedia eo nosso tragédia).

Outros acham que tragédia é assim denominada, porque se sacrificava um bode a Dioniso, bode sagrado, que era o próprio deus, no início de suas festas, pois, consoante uma lenda muito difundida, uma das últimas metamorfoses de Baco, para fugir dos titãs, teria sido em bode, que acabou também devorado pelos filhos de Úrano e Géia. Devorado pelos Titãs, o deus ressuscita na figura de "trágos theios", de um bode divino: é o bode paciente, o pharmakós, que é imolado para purificação da pólis.

(...)

Ora, os devotos de Dioniso, após a dança vertiginosa de que se falou, caíam desfalecidos. Nesse

estado acreditavam sair de si pelo processo do "ékstasis", êxtase. Esse sair de si, numa superação da condição humana, implicava num mergulho em Dioniso e este no seu adorador pelo processo do "enthusiasmós", entusiasmo. O homem, simples mortal, "ánthropos", em êxtase e entusiasmo, comungando com a imortalidade, tornava-se "anér", isto é, um herói, um varão que ultrapassou o "métron", a medida de cada um. Tendo ultrapassado o métron, o anér é, ipso facto, um "hypocrités", quer dizer, aquele que responde em êxtase e entusiasmo, isto é, o ATOR, um outro.

Essa ultrapassagem do métron pelo hypocrités é uma "démesure", uma "hybris", isto é, uma violência feita a si próprio e aos deuses imortais, o que provoca a "némesis", o ciúme divino: o anér, o ator, o herói, torna-se êmulo dos deuses. A punição é imediata: contra o herói é lançada "até", cegueira da razão; tudo o que o hypocrités fizer realizá-lo-á contra si mesmo (Édipo, por exemplo). Mais um passo e fechar-se-ão sobre eles as garras da "Moira", o destino cego.


Enredo

Considerações Gerais

Enredo e história

A palavra enredo pode assumir, como nos trechos em epígrafe, algumas variações de sentido, mas não perde nunca o sentido essencial de arranjo de uma história: a apresentação/representação de situações, de personagens nelas envolvidos e as sucessivas transformações que vão ocorrendo entre elas, criando-se novas situações, até se chegar à final – o desfecho do enredo. Podemos dizer que, essencialmente, o enredo contém uma história. É o corpo de uma narrativa.

Contar e ouvir histórias são atividades das mais antigas do homem. Pessoas de todas as condições sócio-culturais têm prazer de ouvir e de contar histórias. Um romancista e ensaísta inglês, E. M. Forster, chama essa atividade de atávica, isto é, transmitida desde a idade mais remota da humanidade, ligada aos rituais pré-históricos do Homem de Neanderthal, força de vida e de morte, conforme sua capacidade de manter acordados ou de adormecer os membros de um grupo, nas noites dos primeiros dias... O mesmo autor cita ainda a protagonista de As mil e uma noites, Xerazade, que se salvou da morte contando histórias que, a cada noite, eram interrompidas em momentos de calculado suspense, a fim de motivar a curiosidade do sultão. A tal ponto chegou a habilidade da narradora, que, depois de mil e uma noites, o poderoso rei não só não a mandou matar, como também apaixonou-se e com ela se casou. Lembra o autor que todos nós somos como o sultão. Interessamo-nos intensamente pelo desenrolar de uma história bem contada. (Estão aí as novelas de TV, impondo a milhares de pessoas em todo o País, e até no Exterior, um tipo massificante de lazer, num horário igualmente imposto.) (...)

Constituir um enredo é começar um jogo. O narrador é um jogador, e forma, com o leitor e o próprio texto, o que se pode chamar uma comunidade lúdica.

No ritual de se pegar um livro para ler ou de se sentar à volta ou diante de um narrador, uma tela de cinema ou de TV, para ler/ver/ouvir contar-se uma história, desenrolar-se um enredo, tal como no exercício do jogo, há a busca do prazer, há tensão, competição, há a máscara, a simulação, pode haver a vertigem.

Enredo e mito

Através dos tempos – desde a narrativa primordial, o mito (do grego mythos: intriga ou desenvolvimento factual de uma história), passando pelas gravações em pedra, pelas lendas, tomando a forma de livros sagrados (a Bíblia, por exemplo) ou ainda como forma de os filósofos veicularem as mais profundas reflexões sobre o homem (O mito da caverna, de Platão, por exemplo), por transmissão oral ou texto escrito, como literatura – o contar, ouvir/ler histórias é atividade antropológico-social e cultural indissociável do ser humano. (...)

No ato de sua transmissão, o mito vai condicionar-se por fatores diversos: alguém narra a alguém o "saber" do mito. A transmissão oral, a presença de um narrador e de um ou vários ouvintes acabarão por motivar a multiplicidade, a diversificação ou a manutenção das séries de eventos, primeiramente organizados. O remeter a uma significação de ordem geral é que não podia desaparecer.

Enredo e gênero

O enredo pode-se desenvolver num romance, num conto, numa novela, isto é, numa obra em prosa; pode também ser encontrado num poema, numa peça de teatro, num filme, numa novela de televisão, numa fotonovela, numa história em quadrinhos; pode aparecer também na música, como espinha dorsal de um desfile de escola de samba: o samba-enredo. (...)

É indissolúvel a relação enredo/narrativa. Porém, você não falará no enredo de um poema lírico, um poema que seja pura expressão de estados de alma, de uma subjetividade.

O enredo é categoria do gênero épico, isto é, narrativo; supõe um distanciamento entre o sujeito que narra e o mundo. [...]


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