A saga de Mingal
    Mingal seria um menino muito mal, não fosse a curta inteligência. Consciente disto, não se deixava abater: tentava, ao contrário, compensar tanta burrice com uma grande esperteza.
     Viveu toda a sua vida numa cidade do Sudeste brasileiro, zona de muita riqueza mas, sabe-se lá por quais trapalhadas, Mingal acabou tendo de debandar-se, buscar novas paragens para viver, porque a duras penas descobrira que burro esperto era burro vivo. Assim, fez o trajeto inverso dos retirantes sampauleiros: voou para o Nordeste onde, com certeza, teria campo fértil para trilhar - como todo morador do Sul, não sabe que o Nordeste sempre produziu as maiores inteligências do Brasil - de Gregório de Matos a Machado de Assis, de Ruy Barbosa a Cezar Zama, de... enfim, tudo que há de melhor neste País.
     Pois efetivamente Mingal aportou numa pequena cidade em que logo se identificou com os mandantes. Esperto, conseguiu uma apresentação com um amigo que conhecera em suas muitas noitadas, e fez-se um dos serviçais dos chefes, emprestando seus préstimos e sua boca mole a quantos lhe fossem de proveito.
     Rastejar, este era seu lema; morder, em seguida. Mas a vida serpentina não é das mais fáceis, justamente por ser fácil. Uma hora, está-se nas asas de uma águia, na outra, tendo de mergulhar no mais lodoso paul. A tudo subordinava-se Mingal, na certeza de gozar as benesses de tal proceder, gozando sobretudo dos lautos banquetes a que se fazia presente sem convite, pois era da cozinha do chefe.
     Um dia, porém, o chefe caiu. Sem portas para seus trambiques, Mingal foi para a frente do Mercado, vender panelas aos viajantes que, saltando de ônibus populares, pudessem não resistir às pechinchas que sua lábia criaria.
     Hoje naquela cidade, os que a amam, lembram-se dele com um desejo comum e legítimo - todos esperam que nestes montes, sejamos claros, ele volte como veio: sem deixar saudades.
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