FÁBULAS 1
Senhoras e Senhores, apresento-vos as minhas fábulas. Escritas ao longo dos anos, visam espelhar situações fabulosas que vivemos todos os dias...

Evidentemente, não encontrareis aqui La Fontaine ou Esopo, mas um André "mordido" pela vontade de fantasiar sobre coisas que muitas vezes nos intrigam, revoltam, ou mesmo "pedem" que venhamos a retratá-las de um modo não diverso daquele em que os bichos falam mais alto que o humano, embora os bichos sejam... GENTE.
LEIS DA NATUREZA
A LIÇÃO DA ARANHA
     
              
CAMILLO DE JESUS LIMA

No ângulo da parede em que vivia
Tecendo a tênue teia onde habitasse,
Depois a vi, - o agudo olhar rapace, -
Sugando a mosca imóvel que morria.

Mas, na teia que ao ver do sol a face,
Toda irisada ao sol pompeava, um dia
Fui encontrá-la, emaranhada e fria,
Morto o fulgor do agudo olhar rapace.
Ó tu, insatisfeita criatura
Que, do fio da idéia andas a fiar,
Vê que todo o ideal é sepultura...

Tece a trama sutil que ao céu se alteia,
Mas tem cuidado... que não vás ficar
Emaranhada em tua própria teia
Sobre a minha cabeça, no velho casarão, uma magérrima aranha apanhou um vaga-lume. Sua rede está sendo tecida, enquanto o pobre besouro se debate. Deitado em minha cama, assisto ao drama: a morte, a aranha, a probóscide salivando.

   O pirilampo demora a morrer. Mesmo sentindo que seus minutos estão contados, resiste. Ao jogar seu corpinho sobre si mesmo, emite um estalido, um pequeno
tic, mas neste silêncio dilucular, meu Deus! É terrível grito de socorro...
  A alta parede nos separa, sua morte é inevitável... fizeram, os escravos, estas grossas paredes. Aqui, sob este mesmo teto, morreu, quiçá envenenada, a filha do Barão. Quem porventura lhe ouviu os estertores, o tic secular que ora me confrange o peito?

   Não herdei nada, não roubei nada. Mas aqui estou. E, meu pobre coleóptero, também aqui vivi a morte, a humilhação de ter, na fatal e esquelética aranha com morte nas fauces, tal qual a vossa, de viver vendo meu sangue sugado, vampirizado, sem que meus
tics fossem, ao contrário dos vossos, sequer ouvidos.

   Mas, olhe bem, na teia, ali está: ao lado de vossa assassina, jaz o esqueleto daquele que certamente foi o amante desta vípora... veja, que destino, o da aranha, o do tempo, o da história: ela vive só, com seus fantasmas. Um dia, vaga-lume, eles virão buscá-la.

  Porém... eis que reina de novo o silêncio. Venceu a aranha?
A PEQUENA FORMIGA

   Era uma vez uma pequena formiga que morava num pequeno buraco, num pequeno beco duma pequena cidade...
  Em sua adorável insignificância, a pequena formiga labutava para ganhar o fungo de cada dia, vagando pelas redondezas, oferecendo seus pequenos préstimos a quem interessar possa.

   E foi assim, numa pequena manhã, mal tendo saído de sua minúscula toca, que a pequena formiga viu uma pequena sombra por sobre a sua ínfima cabeça, e mal distinguiu que ela ela se originava dum pequeno pé dum pequeno menino, e já ele lhe acertava em cheio.

   Assim, num dia pequeno da pequena cidade, morreu esmagada aquela pequena formiga que, para não ter vivido em vão, e relegada ao pequeno olvido das vidas pequenas, legou-nos uma pequena lição:

                 
É UMA MERDA SER PEQUENO.
BURRO EM PELE DE RAPOSA

   Provavelmente poucos se lembram da história do burro que vestira, certa vez, como La Fontaine narrou, uma pele de leão, para assim escapar à faina diária. Mas, se a memória puxar um pouco... enfim, tal alimária certa feita logrou achar a pele de falecida raposa e, como já tomava no lombo lá suas vergastadas, imaginou se não poderia passar pela distinta, e novamente escapar ao ímpio destino.
  Assim, sem demora, vestiu-se do couro alheio e saiu pela rua, regougando como a defunta. Ao vê-la, certo médico já míope, tomou-a como velha conhecida: "Amiga, precisava mesmo ver-lhe. Com sua astúcia e perspicácia, rainha do comércio que é, fácil para mim e meu bando retomar o poder nesta terrinha carente de mãos hábeis no trato da coisa pública como se fosse particular." Formalizou, então, o convite para a "raposa" candidatar-se ao cargo de burgo-mestra.

   Foi, senhores, um sucesso!
  Mal o burro, nos comícios, soltava suas burrices, e o povo ria-se (se tinha um pouco estudo) ou se identificava (se não freqüentara os bancos escolares). A estrondosa vitória deu à raposa travestida a vontade de maiores vôos, e foi a custo que não trocou a pele atual pela dum ganso...

   O pequeno burgo, que outrora fizera a sua fama pela cultura de sua gente, agora vivia o império da burrice...
  E, para quem não sabe, burrice pega e espalha. Nas ruas, jovens ouvindo músicas tão alto, que não se conseguia sequer pensar, muito menos conversar. Homens, outrora afeitos às letras, agora dedicavam-se ao idílio dos jogos e do álcool.

   Mas, pobre jumento, eis que um belo dia, tendo de gastar mais e mais para disfarçar o disfarce, terminou por quebrar o cofre municipal, e os credores vieram à porta do paço em ruínas (não havia mais dinheiro para as falcatruas, menos ainda para reformas) e, deles fugindo, deixou cair a pele gasta da astuta falecida.

   Atônitos, os perseguidores e o populacho exclamaram, vendo agora o que todos sentiam, mas temiam:
_ERA BURRO MESMO !
A DOIDIVANAS BARATINHA
  É estranho como às vezes nos afeiçoamos a alguns bichos asquerosos. Certo amigo caiu de amores por uma barata, dessas que habitam os esgotos morais e, tomando-a em suas mãos, levou-a para casa.

   De nada adiantaram as advertências da família, contra aquela
excentricidade. A barata era para ele de estimação, como outros tinham lá seus coelhos, chinchilas, hamsters, poodles...
  Colocando-a numa caixa, levava-a para todos os lugares, fazendo com que os conhecidos, se não concordassem, ao menos aceitassem sua nova companhia.

   Mas, um belo dia, tendo acordado mais tarde que o necessário, este amigo viu que a caixeta estava vazia. Tentou achar a fujona, mas foi em vão. Primeiro ficou triste, depois sentiu raiva, acusando de ingratidão o nojento inseto.

   Volta e meia alguém o parava, dizendo: "Vi uma barata no banheiro do boteco, será que não era a sua?" ou, "Ontem matei uma barata parecida com a vossa, quando passava num beco escuro, de volta para casa..." ou ainda, "Vi uma baratinha voando à noite pela praça, devia estar procurando namorado".

   Enfim, a duras penas meu amigo passou a sentir ojeriza dessa espécie de ser vivo, tão largamente difundido. Mas, o que o irrita mesmo é quando não entendem sua atual aversão. Fica realmente amolado, e sempre exclama:
 
   _
Tá com pena da barata? Por que não faz a besteira que eu fiz, e pega ela pra você?

   Não, ninguém pegava em barata. E meu amigo teve de aprender, para gáudio de seus conhecidos, que barata não é mesmo um barato.
Pise, quer dizer, clique na barata para voltar:
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