E
VIVA A FOLIA...
Peço aos leitores que me permitam, antes de responder a esta mensagem dos Caretas em Folia, esclarecer alguns pontos que, nos parecem, devem ser ditos.
1º - eu não sou o
autor dos textos oriundos das caretas – aliás, ultimamente bem pouco tenho
falado comigo mesmo... então, para aqueles que tinham esta dúvida, se vale a
palavra de um homem, está aqui a minha: para atestar que eu não ando me
provocando, criando este “diálogo” público.
2º - resolvi
publicar os e-mails por julgar os textos tão bem escritos que deveriam, a
título de ilustrar e divertir (misturando ficção e realidade), ser respondidos
de uma forma a que todos deles tivessem ciência...
3º - peço
desculpas por não ter atualizado nossas páginas com maior freqüência – ocorre
que tomei por algum tempo certa ojeriza à internet... não à rede, mas à
lentidão dela... ao estafante trabalho de escrever em minutos e de gastar horas
para fazer publicar uma singela página... acho que estou deixando de ser monge.
FINALMENTE,
transcrevemos, com bastante atraso, o texto enviado por último pela R.A.J.,
representante da CEF. Creio não dever aqui travar um debate sobre
historiografia. Não sou experto no assunto. Mas, curiosamente, não vejo no
elenco dos “papas” estrangeiros citados por ela meu amigo Carlo Ginsburg, autor
de “O Queijo e os Vermes”, obra que me influenciou há uns bons lustros atrás, e
que revolucionou este nicho que Cid Teixeira classificou como “cadáver
putrefato e insepulto”...
De fato, RAJ, sou
aficionado pela História. Desde muito novo. Quantas pessoas a gente conhece
que, na infância, tiveram por ídolo Abraham Lincoln? Que aos onze anos pediu
autorização aos pais para fazer um mosaico/colagem na parede do quarto com este
grande personagem da Humanidade medindo dois metros por um?
Mas, talvez o
epíteto de ignorante, colocado sobre minhas costas, no vosso texto mais abaixo,
não me caiba tanto assim. De fato, ignoro os nomes citados, não é minha
praia – sou um reles bacharel em Direito... Mas não me julgo ignorar “a outra
história” porque junto ao Nelsinho lembro-me de ir ao brega da Rua Nova, nos
meados dos anos 80 do século passado, para fazer pesquisas...
queríamos, eu e mais alguns loucos, conhecer a história e as histórias
de um lugar, que apenas para ter como exemplo, os acadêmicos descobriram
agora, quando há muito tempo deixou de existir...
Não desconheço,
RAJ, a Lavagem. Aliás, muito antes de muitas caretas, lá estava eu, minha filha
no ombro, único solitário da culta sociedade (muitos certamente a não
ignorar os papas da História) que prestigiava este espetáculo único. Aliás, até
prova em contrário, fui o primeiro a escrever sobre ele... como fui,
infelizmente, o último a ter com Dona Nega, ouvindo-lhe, duas semanas antes de
seu desencarne, relatar-me em seu leito como o velho Idalino confeccionava o
boi, as garças com pescoço de cipó.
Mas, graças a
estes debates todos, muitos deles em que fui crucificado sem defesa – não é
este o caso – Caetité mergulha aos poucos no reconhecimento e conhecimento de
sua cultura, rica na elite de ontem, riquíssima no povo de sempre.
Sim, não podemos
deixar morrer valores como Cezar Zama, primeira voz no Brasil a denunciar os
crimes de Ruy Barbosa, a erguer-se contra a Guerra de Canudos (que chamou de
“requinte da perversidade humana”); Marcelino Neves, Nicodema Alves, Camillo de
Jesus Lima, da guerra abolicionista travada por Plínio de Lima, Aristides
Spínola; de tantos outros que ao longo de nossa história elevaram o nome deste
pedaço de chão.
Mas, concordamos,
não podemos esquecer de Tião Obra-Fina, do Mutuca, da Escrava Benta, Ioiô
Barbosa, Idalino, Sá Rosa, Caboclo, Cumpade Chico, Marreca, Fi... tantos que
fizeram Caetité ser Caetité, sem entretanto constar dos anais.
A tarefa é muito
árdua, e eu me delongo. Mas, que dizer de uma cidade que para que
localizássemos uma simples foto do Zama – tão ilustre – tivéssemos de gastar
mais de um ano em pesquisas? Que, para reeditarmos “Pérolas Renascidas” de
Plínio, outros dois – o primeiro localizado em Minas Gerais, e o outro em São
Paulo?
Estes “bastidores”
conflitam interesses, RAJ, que nunca são o da cidade, de seus habitantes, de
sua gente... para cada abnegado que contribuiu conosco, tendo em troca a
divulgação da obra destes nossos conterrâneos, apenas e tão-somente, outros
tantos ocultam como se tesouros privados fossem objetos muitas vezes pilhados,
como aqueles que pertenceram um dia à Casa da Cultura.
Falo como a
pessoa que, muito antes de sonhar em cuidar da instituição cultura,
lutava para levar o Jornal A Penna para o Arquivo Público – e depois ter dos
que lucraram com isto a paga de um dossiê me “denunciando”...
...
Voltemos às
caretas. É duro reconhecer quando erramos. Mas errei. E fui ter a prova somente
ao conversar com Zé Mula. A proximidade da saída do Boi deixa-me ansioso.
Perguntamo-lo se este ano estaria novamente “encaretado”, ao que o amigo
declarou, entristecido, que não. E justificou:
_De que adianta
sair de careta, se todo mundo sabe quem sou?
É, RAJ, você está
certa, não devemos desvelar as caretas. Mas, quanto à folia dos que lucram
com nossa história – mesmo que apenas no ego acadêmico – esperamos não ter mais
máscaras. Não ter mais a regra do personalismo, da apropriação indébita, da
transformação do público em privado...
A Lavagem está
chegando. Minha filha estará aqui. Isto, isto é cultura!!! Viva!!! Viva!!! Que
todos os pais e mães de Caetité, do mundo, venham ver!!! Venham ver,
fotografar, dançar, subir as ruas manchadas pelo sangue preto dos que chovem no
molhado, mas VENHAM!!!
O BOI, AS
BAIANAS, A NOSSA GENTE, CAETITÉ, CAETITÉ, A VERDADEIRA CAETITÉ DE SUA GENTE!!
E LÁ VAMOS NÓS...
VALEU, RAJ, quem quer que seja você, mesmo que seja meu alter-ego... como
conjeturaram ao Nelson...
Assim, eis a
última mensagem. De novo, desculpem-nos a enrolação, o desabafo, a demora...
Prezado André Koehne,
Rogo desculpar-me. Olvidava-me do quanto preza
a identificação por nome e sobrenome e de quanto lhe desgosta não ser
devidamente distinguido dos outros. Aliás, se bem me recordo, foi justamente
essa fixação a deflagradora de nossa já extensa comunicação.
Quanto ao seu texto, confesso me causar pouca
ou nenhuma estranheza a disparidade de nossos relatos. De fato, é a opção de
muitos que se dizem amantes contumazes da história recorrer aos seus registros
oficiais como fonte de informação - seja pela facilidade de tal procedimento,
seja por ignorar a corrente de resgate de uma outra história, aquela que não é
contada nos livros didáticos, nem condiz com a versão oficial dos fatos. Falo
dos estudos da História Oral, já bastante difundidos pelas “vozes” de autores
como Peter Burke, Ecléa Bosi, Michael Pollak e, claro, Maurice Halbwachs, que
privilegia o resgate do que conta o outro lado, o lado dos não-papas, dos
não-reis, dos que não têm sua palavra escrita, mas que ainda assim não deixam
sua voz sucumbir ao que sobre eles é dito. É nessa história, que Peter Burke
chama de polifônica, que nos pautamos. De fato, na condição de Caretas não
podia ser de outra forma, não acha?
Com relação a Freud e ao que se passa em sua
cabeça, francamente caro André Koehne, críticas bem mais pertinentes já foram
feitas a Freud e à psicanálise. Mais uma vez me desculpe, pois preciso dizer
que você novamente recorreu ao caminho mais fácil, neste caso, o de uma
ridicularização simplória. Sinceramente, não me cabe defender a psicanálise e
menos ainda seu criador. Trato disso apenas para expressar meu desapontamento,
já que, como já deve ter percebido, muito estimo um bom debate.
Passando da seção de desculpas para a de
agradecimentos, vale dizer que a imagem do túmulo de Clemente XIII por você
apresentada retrata Sua Santidade numa atitude inequívoca de reverência às
caretas, não de oração para sua descoberta, como pretende sua, digamos,
fantasiosa interpretação. Você acabou, portanto, revelando um forte indício de
seu passado mascarado. Não tenho dúvidas de que, persistindo na perscrutação,
muitos outros se lhe farão ver, basta para isso olhar para além do que nos
querem fazer crer os dados históricos oficiais.
Agradeço ainda pelo tempo que tem dispensado à
nossa discussão, concedendo-nos a oportunidade de divulgar nossa causa e, quem
sabe assim, agregar novos membros para nossa associação, mesmo sem ser essa sua
intenção. Sei que sua preocupação maior é a de desvelar identidades, mas,
enquanto isso, coisas outras vão sendo reveladas.
Atenciosamente,
R.A.J.