A Saúde no Brasil*

Introdução

"A saúde é um direito de todos e um dever do Estado." Esta frase, cunhada na atual Constituição Brasileira(1988) pode ser considerada como a representação de uma das maiores conquistas da sociedade no campo das políticas sociais. Mas por que somente em 1988 este direito foi conquistado? Por que a saúde deve ser direito de todos ? Por que o Estado tem que suprir seus cidadãos com assistência à saúde? E, mais ainda, por que isto não está acontecendo no Brasil ?

Indicadores

Como sabemos, a saúde do brasileiro vai mal, e, aliado a isso, um sem número de indicadores sociais coloca o Brasil numa vergonhosa posição no cenário mundial. Ocupamos há vários anos o posto de número um do mundo em pior distribuição de renda, temos uma taxa de analfabetismo altíssima (cerca de 28 milhões de pessoas não sabem ler), mais de dois terços de população não dispõem de renda suficiente para assegurar o acesso à condição digna de vida. Sessenta, em cada mil crianças que nascem, morrem antes de completar um ano e perto de trinta e dois milhões de brasileiros passam fome. Inúmeras razões podem ser apontadas como causas deste quadro, as quais, em sua maioria, têm sua discussão mais aprofundada situada além dos limites deste texto. É fato, contudo, que as condições de saúde de uma população são um reflexo de como são estabelecidas as relações entre o Estado e a sociedade. Uma das formas de expressão dessa relação Estado-sociedade são as políticas sociais, nas quais estão incluídas as políticas de saúde.


O Estado e as Políticas Sociais

Numa definição bastante simples, o Estado pode ser considerado como a expressão maior de organização política da sociedade. O Estado surge, pois, como um aperfeiçoamento da relação entre as pessoas de uma sociedade. Não é sinônimo de Governo, como é comumente confundido, mas compreende todas as formas de gerência e de controle da sociedade, aí incluídos os conceitos de território, instituições e também o próprio Governo. Este, por seu turno, compreende um conjunto coordenado de pessoas que controlam os cargos de decisão política e dão a direção principal ao Estado num momento determinado.
Em princípio, o Estado existe para promover o bem comum, ou seja, desde que as primeiras pessoas se organizaram em comunidades e definiram uma série de regras de convivência, tinham em mente este princípio norteador. Hoje as formas de organização social estão bem mais complexas, e o Estado, na forma como o conhecemos hoje, é relativamente novo: o chamado Estado Moderno surgiu somente no século XVIII.

Com a expansão do modo de produção capitalista, as sociedades se organizaram em basicamente dois grupos: os patrões e os trabalhadores (empregados), esses, detentores da força de trabalho, e aqueles proprietários dos meios de produção. Nesta forma de organização da produção, o indivíduo sobrevive através de um emprego e a própria forma de vida o impede de cuidar dos velhos e doentes, pois deve trabalhar para viver. Assim, o princípio da prestação de assistência aos menos favorecidos pelo Estado é o da solidariedade. É como se a sociedade fosse uma grande família onde todos colaboram mutuamente e quem pode mais ajuda a quem pode menos.

É fácil identificar este princípio numa das formas de assistência mais comuns no Estado: a Previdência Social. Este sistema é organizado em nome da solidariedade social, ou seja, os jovens aparecem contribuindo para a aposentadoria dos velhos, para o tratamento dos doentes, os empregados para os desempregados, os ativos para os inativos e assim por diante. Desta forma, a partir dos princípios de colaboração, proteção social, harmonia e paz social, foram delineadas as diversas formas de relação entre o Estado e os seus cidadãos. A magnitude da oferta de benefícios à população varia, pois, de acordo com a forma como o Estado é organizado política e economicamente.

Uma vez que a saúde pode se considerada como uma das formas de expressão das políticas sociais, e, tendo em vista que essas políticas podem ser encaradas de diferentes formas nas várias organizações sociais, é conveniente discutir: a saúde é, portanto, um dever do Estado e um direito do cidadão?

È preciso, primeiramente, definir o que é direito à saúde. A noção desse direito vem sendo difundida já há algum tempo como um componente da doutrina dos direitos humanos. Isto quer dizer que "todo indivíduo, independente da cor, situação sócio-econômica, religião e credo político, deve ter sua saúde preservada". Desse modo, torna-se necessário um esforço social "visando à mobilização dos recursos necessários para promoção, proteção, recuperação e reabilitação da saúde". Num raciocínio simplista, a saúde não pode ser colocada no mesmo plano de quaisquer outras formas de direito, uma vez que é uma condição de sobrevivência e manutenção da espécie. A sociedade e, portanto, suas formas de gerência e controle como é o Estado, tem a obrigação de preservar a saúde de todos.


Políticas de Saúde no Brasil

Até fins do século passado, o Estado brasileiro não tinha uma forma de atuação sistemática sobre a saúde de seus habitantes; apenas esporadicamente atuava de forma pontual em situações de epidemias. A economia brasileira na virada do século era essencialmente agrícola, e as divisas necessárias para o crescimento do país advinham, principalmente, da exportação de produtos de agricultura, em especial, a cafeeira e a açucareira.

Assim, o foco da atenção do governo brasileiro se situava, estrategicamente, nos chamados "espaços de circulação de mercadorias", ou seja, as estradas e os portos, principalmente os do Rio de Janeiro e de Santos. Além disso, era importante para o Estado criar condições para incrementar a política de imigração e incentivo à incorporação de mão-de-obra imigrante para as culturas cafeeiras. Nesse sentido foram tomadas as primeiras providências pelo então presidente Rodrigues Alves que, em 1902, lança o programa de saneamento do Rio de Janeiro e o combate à febre amarela urbana em São Paulo.

Portanto, as primeiras iniciativas do Governo no campo da atenção à saúde se dão a partir de interesses puramente mercantis. As regiões que não tinham importância estratégica para a economia do país ficavam resignadas à própria sorte em termos de práticas sanitárias. Não se pode dizer, então, que a essa altura se tinha uma política nacional de saúde pública, com objetivos claros de melhorar as condições de vida da população.

O primeiro marco da atuação do Governo Federal na saúde se deu somente em 1923 com a criação do Departamento Nacional de Saúde Pública. Foram então definidas as áreas de atuação do governo na saúde: o saneamento urbano e rural, a propaganda sanitária, as higienes infantil, industrial e profissional, as atividades de supervisão e fiscalização, a saúde dos portos e o combate às endemias rurais.

Contudo, ainda em 1923, com a lei Elói Chaves, é criado o primeiro embrião do que hoje conhecemos como previdência social: as Caixas de Aposentadorias e Pensões (CAPs). As CAPs eram organizadas por empresas e mantidas e geridas pelos patrões e empregados. Seu surgimento obedeceu também à mesma lógica: as empresas que mantidas estratégicas para a economia nacional fundaram suas caxias. As primeiras foram as dos trabalhadores das companhias de via férrea e as dos portuários. Funcionavam como uma espécie de seguro social (tem direito aquele que paga contribuição), que garantia certo benefícios como aposentadoria e, principalmente, a assistência médica. Como tinham caráter privado, ou seja, eram mantidas por empresas, ainda não se configuraram como iniciativas do Estado, muito embora os presidentes das Caxias fossem nomeados pelo presidente da República e houvesse um interesse claro do governo na manutenção deste sistema.

Entretanto, com o crescimento das CAPs (em 1903 já existiam 47 delas, cobrindo mais de 140 mil associados), são criados os Institutos de Aposentadorias e Pensões (IAPs), onde a participação do Estado já se dá de forma clara. A contribuição passa a ser tripartite, entrando o Estado como contribuinte. Os IAPs passam a se organizar por categorias e o primeiro a surgir é o dos marítimos (IAPM) em 1933, seguido dos comerciários e dos bancários em 1934. Enquanto os CAPs privilegiam a assistência médica como um dos principais benefícios, os IAPs, já com a participação do Governo, portanto, com uma política mais contencionista, privilegiam a previdência social, mantendo a assistência médica num segundo plano.

Em resumo, o que se observa nos primórdios da ação governamental na saúde no Brasil, é que as ações de caráter coletivo, como imunização, controle de epidemias e saneamento se dão no campo da saúde pública, com uma vinculação clara com a conjuntura econômica vigente. As ações de assistência à saúde em nível individual começaram a partir da estruturação da previdência social, vinculando a assistência médica ao princípio do seguro e colocando-a no mesmo plano de benefícios como a aposentadoria, pensões por invalidez, etc. Este é um aspecto extremamente importante, pois foi a partir desse modelo de prestação de serviços de saúde que se chegou ao quadro caótico que hoje temos na saúde. É criada, então, durante o governo Vargas, a legislação trabalhista, a montagem do sistema previdenciário, a regulação das relações sindicais, etc.

À medida que este sistema crescia, tornava-se cada vez mais centralizado no Estado e ficava mais clara a dicotomia entre as ações de saúde pública e a assistência médica. Como foi discutido anteriormente, a institucionalização das ações públicas se deu na forma de uma centralização crescente em torno do Governo, sendo este modelo predominante até 1960 e permanecendo praticamente inalterado até os dias atuais. A partir do final da década de 50, a Medicina Previdenciária torna-se cada vez mais importante para o Estado, conquistando espaço e assumindo sua predominância em meados dos anos 60, quando se dá a unificação de todos os Institutos de Aposentadoria e Pensões (IAPs) numa única instituição estatal: o Instituto Nacional de Previdência Social (INPS).

A criação do INPS consolidou o modelo brasileiro de seguro social e de prestação de serviços médicos. O direito à assistência à saúde não era uma condição de cidadania, mas uma prerrogativa dos trabalhadores que tinham carteira assinada e, portanto, contribuíam com a previdência. Com o advento do regime militar após 1964, uma gigantesca estrutura foi criada em torno da Previdência Social, com uma clara vinculação com os interesses do capital nacional e estrangeiro. O Estado passa a ser o grande gerenciador do sistema de seguro social, na medida que aumentou seu poder em duas frentes: a econômica e a política. É estabelecido, então, o que ficou conhecido como "complexo previdenciário", que era composto de três sistemas: o sistema próprio, formado pela rede de hospitais e unidades de saúde de propriedade da Previdência Social além dos recursos humanos assalariados pelo Estado, e o sistema contratado, que era subdividido no sistema contratado credenciado (com sistema de pagamento por unidades de serviço) e no sistema contratado conveniado (sistema de pré-pagamento).

O modelo de prestação de serviços de saúde pelo INPS privilegiava a forma conveniada, ou seja, o Governo comprava os serviços de assistência médica às grandes corporações médicas privadas, principalmente hospitais e multinacionais fabricantes de medicamentos. Era um excelente negócio. O Estado tinha renda garantida, uma vez que a contribuição previdenciária era obrigatória - tanto que estimulava cada vez mais a expansão das contribuições através de incentivo à prática do trabalho assalariado -, e passou a ser o grande comprador de serviços de saúde às empresas médicas, expandindo o capital privado na área de saúde.

Em 1977 é criado o Sistema Nacional de Previdência e Assistência Social (SINPAS) onde as ações relativas à previdência e a assistência médica ficam divididas. O SINPAS é, então, formado pelo IAPAS (Instituto de Administração Financeira da Previdência Social), que, como o próprio nome indica, cuidava da parte financeira da Previdência, e pelo INAMPS (Instituto Nacional de Assistência Médica da Previdência Social), responsável pela assistência médica. Em síntese, apesar de ser uma ação com características de uma assistência à saúde estatal, tratava-se de uma crescente privatização do setor saúde. A participação do setor privado na assistência médica, através dos convênios e credenciamentos, tornava-se cada dia maior, com o governo investindo cada vez menos em sua rede própria. No início da década de 80, por exemplo, cerca de 70% das verbas destinadas à assistência médica ia para as mãos dos empresários da saúde, e o INAMPS chegou a comprar, naquela mesma época, 300 mil leitos a hospitais particulares e disponibilizar apenas 7.800 de sua rede própria.

A partir do início da década de 80, este sistema começa a mostrar sinais de esgotamento. As intermináveis filas, baixos salários, precárias condições de trabalho, geravam uma insatisfação crescente da população com a qualidade da assistência. A má-gerência dos recursos, aliada aos episódios cada vez mais crescentes de corrupção, levaram a Previdência a um colapso. Como fator agravante, à essa época a previdência começa a "envelhecer" e a fase de captação de recursos a dar lugar a uma fase de maiores gastos. Ou seja, durante os primeiros anos de sua existência, a Previdência Social apenas recebeu contribuições que proporcionaram uma volume de recursos e um patrimônio consideráveis. Com o aparecimento das primeiras aposentadorias e pensões, a Previdência passa a ter que gastar um dinheiro que não mais tem.


O Movimento Pela Reforma Sanitária

O Movimento pela Reforma Sanitária teve suas raízes em profissionais da saúde que, de posse de diversos estudos feitos por intelectuais ligados à área de saúde, passaram a criticar o modelo vigente e propor alternativas para a sua reestruturação. À medida que o processo de abertura política ampliava, com a oposição tendo vitórias significativas nas eleições parlamentares, o movimento foi se ampliando e a ele foram se incorporando lideranças políticas, sindicais e populares bem como parlamentares interessados na causa.

O primeiro marco desse movimento se deu m 1979, no I Simpósio de Política de Saúde, realizado pela comissão de saúde da Câmara de Deputados. Na ocasião, o Centro Brasileiro de Estudos de Saúde (CEBES) era o legítimo representante do movimento sanitário e apresentou e discutiu publicamente, pela primeira vez, uma proposta de reorganização do sistema de saúde. Essa proposta, que já se chamava, na época, de Sistema Único de Saúde, contemplava diversos conceitos oriundos de experiências bem sucedidas em outros países, como a universalização do direito à saúde, racionalização e integralidade das ações, democratização e participação popular, bem como algumas experiências de atenção primária e de extensão de cobertura desenvolvidas no país, como o Programa de Interiorização das Ações de Saúde e Saneamento (PIASS), que foram implementadas em áreas rurais do Nordeste e o Projeto Montes Claros, em Minas Gerais.

Num primeiro momento, as propostas foram ignoradas pelo Governo, mas aos poucos o movimento foi crescendo, legitimado pelos movimentos populares e pela atuação de seus militantes em nível parlamentar e em algumas instituições de saúde. Com o agravamento da crise do sistema de saúde previdenciário, as iniciativas de extensão de cobertura assistencial em nível estadual e municipal são reforçadas pelo discurso oficial. O próprio Governo elaborou seu plano de reorganização da assistência à saúde, que possuía características muito semelhantes ao projeto de Reforma Sanitária, pois previa a implantação de uma rede de serviços básicos, apontava para a descentralização do setor, pregava a participação popular e a integração dos Ministérios da Saúde e da Previdência. Esse projeto, discutido em 1980, chamou-se PREV-SAÚDE e sofreu muitas pressões, terminando por não sair da gaveta. Essa sucessão de planos, siglas e propostas frustadas, caracterizaram a efervescência da produção intelectual do movimento sanitário brasileiro. Era preciso pôr em prática todos esses conceitos na perspectiva de impactar a realidade de saúde da população brasileira.

O momento político era propício, com o advento da Nova República e a redemocratização do país após o fim do regime militar. Em 1985, após a eleição de Tancredo Neves/Sarney , os movimentos sociais se intensificaram e uma maior discussão foi possível sobre os novos rumos que deveria tomar o sistema de saúde. Com a previsão de eleição da Assembléia Nacional Constituinte, que se encarregaria da elaboração da nova Constituição Brasileira, é convocada a 8ª Conferência Nacional de Saúde, para discutir a nova proposta de estrutura e de política de saúde para o país.


Conferência Nacional de Saúde a Nova Constituição Brasileira

A Oitava Conferência é, hoje, considerada como um divisor de águas no Movimento Sanitário. Com uma ampla participação (cerca de 5.000 pessoas entre trabalhadores da saúde, usuários, técnicos, políticos, lideranças sindicais e populares), a referida Conferência se constituiu no maior fórum de debates sobre a situação de saúde do país e seu relatório serviu de base para a proposta de reestruturação do sistema de saúde brasileiro que deveria ser defendida na Constituinte. Entre as propostas apresentadas no relatório constam o conceito ampliado de saúde, onde esta é entendida como resultante das condições de vida, alimentação, lazer, acesso e posse de terra, transporte, emprego, moradia. De acordo com o relatório, "a saúde não é um conceito abstrato. Define-se no contexto histórico de determinada sociedade e num dado momento de seu desenvolvimento, devendo ser conquistada pela população em suas lutas cotidianas". Além disso, a saúde é colocada como direito de todos e dever do Estado.

A concretização das propostas de Reforma Sanitária se dá, nos planos jurídicos e institucional, através da implementação do Sistema Único de Saúde, o SUS. Com a aprovação da nova Constituição Brasileira em 1988, foi incluída, pela primeira vez, uma seção sobre a Saúde, a qual incorporou em grande parte, os conceitos e propostas contemplados no Relatório da 8ª Conferência, ou seja, a Constituição incorporou as propostas da Reforma Sanitária. A Constituição Brasileira, passou a ser, então, considerada como uma das mais avançadas do mundo no que diz respeito à saúde.


O Sistema Único de Saúde - SUS

É comum, no entanto, se terem notícias muito ruins sobre o SUS, atualmente. Os meios de comunicação, freqüentemente, veiculam notícias aterradoras sobre a ineficiência do sistema, grandes filas, corredores lotados, hospitais sucateados, profissionais mal- remunerados.

O SUS é um sistema, ou seja, é formado por várias instituições dos níveis de Governo (União, Estados e Municípios) e pelo setor privado contratado e conveniado, como se fosse um mesmo corpo. Assim, o serviço privado, quando é contratado pelo SUS, deve atuar como se fosse público, usando as mesmas normas do serviço público. Depois, é único, isto é tem a mesma doutrina e a mesma filosofia de atuação em todo o território nacional e é organizado de acordo com uma mesma sistemática. Além disso, o SUS tem as seguintes características principais:
¨ deve atender a todos, de acordo com suas necessidades, independentemente de que a pessoa pague ou não Previdência Social, e sem cobrar nada pelo atendimento;
¨ deve atuar de maneira integral, isto é, não deve ver a pessoa como um amontoado de partes, mas como um todo, que faz parte de uma sociedade, o que significa que as ações de saúde devem estar voltadas, ao mesmo tempo, para o indivíduo e para a comunidade, para a prevenção e para o tratamento, e respeitar a dignidade humana;
¨ deve ser descentralizado, ou seja, o poder de decisão deve ser daqueles que são responsáveis pela execução das ações, pois, quanto mais perto do problema, mais chance se tem de acertar sobre a sua solução. Isso significa que as ações e serviços que atendem à população de um município devem ser municipais; as que servem e alcançam vários municípios devem ser estaduais e aquelas que são dirigidas a todo o território nacional devem ser federais. Dessa forma deverá haver uma inversão na situação atual, quando a maioria dos serviços de saúde que tem sido vinculados ao nível federal, como o INAMPS, devem passar para níveis estadual e municipal, principalmente para este último, produzindo o que se tem chamado de municipalização da saúde;
¨ deve ser racional, ou seja, o SUS deve se organizar de maneira que sejam oferecidas ações e serviços de acordo com as necessidades da população, e não como é hoje, onde em muitos lugares há serviços hospitalares, mas não há serviços básicos de saúde; ou há um aparelho altamente sofisticado, mas não há médico geral, só o especialista. Para isso o SUS deve se organizar a partir de pequenas regiões e ser planejado para suas populações, de acordo com o que elas precisam e não com o alguém decide "lá em cima". Isso inclui a decisão sobre a necessidade de se contratar ou não serviços privados; e quando se decide pela contratação, que o contrato seja feito nesse nível, para cumprir funções bem definidas e sob controle direto da instituição pública contratante. É essencial, conforme o princípio da descentralização, que essas decisões sejam tomadas por uma autoridade de saúde de nível local. É a isso que se chama de Distrito Sanitário;
¨ deve ser eficaz e eficiente. Isto é, deve produzir resultados positivos quando as pessoas o procuram ou quando um problema se apresenta na comunidade; para tanto, precisa ter qualidade. Mas não basta: é necessário que utilize as técnicas mais adequadas, de acordo com a realidade do local e a disponibilidade de recursos, eliminando o desperdício e fazendo com que os recursos públicos sejam aplicados da melhor maneira possível. Isso implica necessidades não só de equipamentos adequados e pessoal qualificado e comprometido como o serviço e a população, como a adoção de técnicas modernas de administração dos serviços de saúde;
¨ deve ser democrático, ou seja, deve assegurar o direito de participação de todos os segmentos envolvidos com o sistema - dirigentes institucionais, prestadores de serviços, trabalhadores de saúde e, principalmente, a comunidade, a população, os usuários do serviço de saúde. Esse direito implica a participação de todos esses segmentos no processo de tomada de decisão sobre as políticas que são definidas no seu nível de atuação, assim como no controle sobre a execução das ações e serviços de saúde (...) Por isso, a idéia e a estratégia de organização dos Conselhos de Saúde - nacional, estaduais e municipais, para exercerem esse controle social sobre o SUS, devendo respeitar o critério de composição paritária: a participação igual entre usuários e os demais; além de ter poder de decisão (não apenas ser consultivo).
Participação do Estado X Iniciativa Privada

Embora a Constituição Federal de 1988 tenha sido denominada de "Constituição Cidadã" por ter assegurado ao brasileiros direitos sociais que, no seu conjunto, podem ser considerados conquista da humanidade, os governos brasileiros, principalmente o último e atual, passaram a adotar uma política de economia de mercado, chamada modelo neo-liberal, promovendo uma privatização dos bens públicos de infra-estrutura como as telecomunicações, o setor siderúrgico, o setor financeiro estatal (bancos comerciais), a exploração petrolífera e mineral, a produção e a distribuição de energia elétrica, e, finalmente, realizando uma reforma na seguridade social seguindo as cartilhas dos organismos financeiros internacionais já mencionados (FMI, Banco Mundial e BID).

No que tange à saúde, o sistema público de assistência denominada Sistema Único de Saúde, não conseguiu, até hoje, garantir dois de seus princípios fundamentais: a universalidade e integralidade. Embora existam óbices estruturais para a implantação de um sistema capilarizado de assistência à saúde num país como o Brasil, de dimensões continentais, constituído de 26 estados federativos e um distrito federal, uma população com cerca de 170 milhões de habitantes distribuídos em 5.561 municípios, o problema maior da assistência pública diz respeito ao seu financiamento. A Constituição Brasileira optou por um sistema misto de assistência à saúde, que prevê a livre participação da iniciativa privada. Esta, que já vinha se reorganizando com a implantação de diferentes sistemas de pré-pagamento, logrou conquistar mais espaço e mais vantagens aproveitando-se da ausência de regulamentação do setor, chegando a arrecadar, em média, R$ 80,00 (oitenta reais) per capita/mês. Isto resultou numa rede de saúde privada com desempenho satisfatório, estruturado em hospitais e centros de diagnóstico bem equipamentos e instalados.

A política do "Estado Mínimo" adotada pelo governo brasileiro fez com que se abrisse uma grande oportunidade para investimentos de grupos financeiros internacionais na prestação de serviços na saúde, sobre a forma de sistema de pré-pagamento e, mais recentemente, na seguridade social privada, incluindo seguro-saúde, principalmente após a recente regulamentação dos planos de saúde no Brasil.

Pelo lado das profissões de saúde, é importante salientar que o médico padece de uma remuneração insignificante, quer como assalariado dos órgãos públicos, quer como prestador de serviço em instituições não-oficiais, percebendo por cada atendimento clínico cerca de R$ 3,00 (três reais).

Uma outra questão é a intermediação do trabalho médico pelas empresas de seguro-saúde ou pelos planos de saúde, o que provocou reação do Conselho Federal de Medicina, através da resolução de nº 1.401/93, determinando que as empresas de seguro- saúde, empresas de medicina de grupo, cooperativas de trabalho médico ou outras que atuam sobre a forma de prestação direta ou intermediação dos serviços médico-hospitalares, estão obrigadas a garantir o atendimento a todas as enfermidades relacionadas no Código Internacional de Doenças da Organização Mundial de Saúde, não podendo impor restrições quantitativas de qualquer natureza. Esta resolução, no entanto, não conseguiu coibir os abusos praticados pelas empresas de saúde, já que é possível observar, atualmente, um aumento considerável do número de denúncias de usuários junto aos conselhos de medicina e aos PROCONS, principalmente no que tange aos seguintes itens: aumento abusivo de mensalidades; descredenciamento unilateral de médicos; redução significativa de honorários médicos; ofertas de pacotes de atendimentos com valores pré-fixados, com a interferência na autonomia profissional e risco de deterioração da qualidade de atendimento; restrição de exames diagnósticos e procedimentos terapêuticos; fixação de prazos mínimos entre consultas médicas e exigência de personalidade jurídica na relação de prestação de serviços entre médicos e operadores.

Para o ex-ministro da saúde Adib Jatene, o esquema financeiro que sustenta o sistema público de saúde no Brasil, mesmo após a aprovação de emenda constitucional que vincula os orçamentos da União, dos Estados, dos Distrito Federal e dos Municípios à saúde - será ainda insuficiente para remunerar adequadamente o custeio e não terá recursos adequados para solucionar os problemas da saúde na magnitude e complexidade com que se apresentam atualmente. A situação gritante, no entanto, diz respeito à imoralidade com que a maioria dos gestores da saúde pública trata da mesma.

A Visão da Saúde no Brasil.

A visão que os brasileiros têm da própria saúde é positiva, segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) realizada pelo IBGE em 1998. Quase 80% se consideram saudáveis e apenas 3,6% relatam ter uma saúde ruim ou muito ruim. Apesar disso,as pessoas abandonam as atividades habituais por dez dias a cada ano por causa de doenças. Mais da metade havia procurado um médico nos 12 meses anteriores à pesquisa e quase 20% nunca haviam consultado um dentista.

No Brasil coexistem doenças típicas de países ricos com doenças infecciosas e parasitárias, comuns em países pobres. A urbanização acelerada leva a um estilo de vida em que predominam o sedentarismo,o estresse, a alimentação inadequada e o tabagismo,o que aumenta os casos de distúrbios do aparelho circulatório, como hipertensão e infarto, hoje o tipo de doença que mais mata. Há também um número expressivo de casos de câncer e de pacientes com diabete.As moléstias infecciosas e parasitárias, evitáveis em boa parte dos casos, atingem de forma severa as regiões em que o saneamento básico é precário ou inexistente.A carência de água tratada e de rede de esgoto provoca doenças como cólera, malária, hanseníase e diarréia, que estão mais presentes nas regiões Norte e Nordeste.

*Ricardo Oliveira, graduação em Geografia - Unilassalle


BIBLIOGRAFIA

OLIVEIRA, Angelo. A SAÚDE NO BRASIL.

ALMANAQUE ABRIL, Edição 2000.

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