Geografia
Prof.: Appio  -  [email protected]

Energia Nuclear no Brasil

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Polêmica: o jornal americano denuncia suposta recusa do Brasil em permitir a inspeção em suas fábricas de urânio


Darlene Menconi, Hélio Contreiras e Sônia Filgueiras

Em um país que nos últimos anos adotou o discurso de entrar no mundo globalizado pela porta da frente, o conceito de soberania nacional foi tratado como démodé. Nesse período, o Brasil fez sua lição de casa como o Tio Sam esperava, mas continuou no rol dos parceiros de menor importância. No atual governo, a idéia de soberania foi resgatada, e a política externa é um reflexo disso. Assim se explica a reação dos Estados Unidos em vários episódios. No Brasil, muitos dizem que a pressão americana para abrirmos os segredos da tecnologia de enriquecimento do urânio não passa de retaliação. Ao enriquecer o urânio para abastecer suas usinas nucleares, o País entra num clube restrito de 11 nações detentoras desse conhecimento. E essa é, sim, uma questão de soberania. Também é assunto de soberania o efetivo controle sobre o território, suas riquezas, sua gente e suas fronteiras. Daí tanta polêmica em torno da demarcação de áreas indígenas e da efetiva necessidade de um controle sobre as organizações não-governamentais que atuam principalmente na Amazônia.
Pela sucessão de turbulências, atrasos e acordos alinhavados na surdina, o programa nuclear brasileiro é um caso sem paralelos no mundo. As duas centrais nucleares nacionais foram totalmente importadas, consumiram muitos anos e bilhões de dólares a mais que o planejado e produzem uma das energias mais caras do País, em quilowatt. Erguidas no litoral de Angra dos Reis, no Rio de Janeiro, Angra-1 e Angra-2 suprem apenas 4% do consumo energético do País. Estão longe de ser um modelo de eficiência, mas ocupam o epicentro de várias polêmicas. Dessa vez, ela foi diplomática, e com os EUA. As razões são estratégicas. Para qualquer nação em busca de crescimento, ter autonomia na produção energética para suprir suas indústrias é tão essencial quanto erguer um alicerce firme ao construir uma casa.
Por usar processo técnico semelhante para gerar energia e detonar bombas atômicas, as instalações nucleares sempre estiveram sob a mira estrangeira. Como signatário do Tratado de Não-Proliferação de Armas Nucleares (TNP), o Brasil é submetido a vistorias rotineiras da Agência Internacional de Energia Atômica (Aiea), o organismo das Nações Unidas que controla as instalações nucleares. Desde os atentados terroristas de 11 de setembro, a fiscalização ficou mais rigorosa e detalhista.

Supercentrífuga -
Numa das últimas visitas ao País, os inspetores estiveram na Indústrias Nucleares do Brasil (INB), que fabrica o combustível para as usinas de Angra. Localizada em Resende, a 160 quilômetros do Rio, a INB só manteve sob sigilo, atrás de tapumes de madeira, seu segredo de polichinelo: as ultracentrífugas, máquinas vitais no enriquecimento do urânio. Nesse processo, aumenta-se a proporção mais rara e mais importante para a geração de energia, o urânio 235, que é encontrado em pequena quantidade na natureza. Desde 1953, o Brasil nutre o desejo de dominar a tecnologia de enriquecimento do urânio. Oposicionistas históricos, os americanos sempre barraram nosso acesso a esse conhecimento. Essa, aliás, é uma das razões do empenho da Marinha em se aliar a centros de pesquisa universitários na criação de um programa nuclear paralelo, em 1979. O objetivo era desenvolver um reator movido à propulsão nuclear para os submarinos vigiarem o litoral. Em vez de usar óleo diesel, o submarino teria combustível nuclear, o que lhe daria autonomia para ficar submerso até cinco anos, em vez dos poucos meses de um submarino convencional.
"Toda a política nuclear brasileira gira em torno da defesa do Atlântico", diz o cientista político Roberto Amaral (PSB-RJ). "Com o tamanho da nossa costa e as plataformas da Petrobras, que avançam para além do limite das águas internacionais, precisamos de programas de defesa nas áreas espacial, nuclear e energética", resume. A união da criatividade com o famoso jeitinho brasileiro rendeu uma solução inovadora. A supercentrífuga nacional esconde um truque mecânico que se traduz em economia. O eixo central da máquina gira como se estivesse suspenso no ar, quase sem atrito entre as peças. "Ela vive mais tempo e consome menos. Em termos práticos, temos condição de competitividade extraordinária", explica Amaral, que no ano passado registrou 60 inspeções nas centrais nucleares, sendo seis sem aviso prévio. "A energia nuclear não serve só para gerar eletricidade ou para uso militar, ela é fundamental nas áreas médica, industrial e agrícola", diz o ex-ministro da Ciência e Tecnologia, que defendeu a auto-suficiência nuclear brasileira. Suas declarações fizeram soar o alerta americano, segundo o jornal The Washington Post, de domingo 4, que acusa o Brasil de impedir as inspeções em suas instalações nucleares. "O interesse americano em acompanhar o programa brasileiro é antigo, um agente de Washington chegou a tentar nos espionar", conta o almirante Othon Pinheiro da Silva, que coordenou o programa da Marinha.

Eixo do mal - Para proteger seu segredo, os brasileiros esconderam as centrífugas dos inspetores e exibiram a eles um vídeo. Bastou isso para levantar a ira americana, que comparou o Brasil ao "eixo do mal", que reúne os países que representam ameaça bélica, entre eles, Síria, Irã e Coréia do Norte. "É inaceitável nos comparar ao Irã", diz o físico Anselmo Paschoa, que negociou com a Aiea o controle das instalações brasileiras. "Aplicamos aos adversários as mesmas regras que usamos com os amigos", explicou James Goodby, negociador americano. Em dezembro, o assunto foi tema de reportagem do The New York Times. As exigências dos inspetores nada têm a ver, segundo diplomatas e técnicos nucleares, com a segurança internacional ou com a produção brasileira de artefatos nucleares. Há quem diga que as motivações escondem razões comerciais e de soberania. Motivos não faltam. O Brasil está perto da auto-suficiência nuclear, embora a fábrica de Resende só comece a produzir a partir de outubro. A partir de então, o País entra para um clube de 11 países que disputam o bilionário mercado de combustível nuclear: EUA, China, Rússia, França e Inglaterra, que têm bombas atômicas, são membros do Conselho de Segurança das Organizações das Nações Unidas (ONU) e, portanto, estão fora das inspeções. Além deles, há Alemanha, Holanda, Israel, Índia, Paquistão e Japão, que, assim como o Brasil, renunciou à produção de bombas.
Soberania -
Se para uns esse é um autêntico debate de soberania, para outros a resistência em se deixar fiscalizar não passa de capricho. "Que tipo de tecnologia o Brasil produziu que países como Rússia e Inglaterra não conseguiram?", questiona o físico José Goldemberg, secretário de Meio Ambiente do Estado de São Paulo. Dentro do governo há uma cisão. Alguns ministérios estão dispostos a comprar a briga e manter em segredo a produção de Resende. No Palácio, há os dispostos a ceder às pressões, sustentando que o desgaste político não compensa. Não seria a primeira vez. A estratégia atual é insistir na negociação dos termos da inspeção da planta e, enquanto isso, adiar a adesão ao protocolo adicional de não-proliferação de armas, que estabelece normas mais rigorosas para as inspeções. "Não se trata de não aderir ao protocolo, mas de como essa adesão deve ser feita para preservar nosso desenvolvimento tecnológico", disse Celso Amorim, ministro das Relações Exteriores, em audiência pública na Câmara dos Deputados, na terça-feira 6. "É uma questão de soberania", afirmou. "O País cumpriu todos os acordos de não proliferação de armas. O que não foi feito pelas potências nucleares", disse. O Brasil negocia com a Aiea e a Agência Brasileiro-Argentina de Contabilidade e Controle (ABACC) a rotina de visitação na planta de Resende. "As inspeções sempre ocorreram. O que interessa é saber se a conta está correta na comparação entre o que entra e o que sai, para ver se não há desvio de material radioativo", diz Amorim. "É preciso ver se isso vale o desgaste político", provocou o deputado Fernando Gabeira (sem partido), especialista no assunto. "Se não é importante, por que eles fazem tanta questão de ver?", rebateu Amorim. Gabeira, que defende a transparência, diz que o governo está diante de um nó diplomático. Patentear o processo não seria aplicável porque, segundo o deputado, ele não se encaixa nos acordos de propriedade intelectual. A preocupação de Gabeira são os desvios de material nuclear para a fabricação das "bombas sujas", que jogam na atmosfera compostos radioativos.

Alca - Marcada para avaliar a negociação do bloco comercial das Américas (Alca), a audiência de Amorim na Câmara foi um termômetro da influência nuclear nas negociações com os EUA. Nas três horas de sabatina, foi difícil escapar do assunto explosivo. É praticamente certo que a questão se misture à pauta de negociações da Alca, ampliando o desgaste político da posição brasileira. A partir desta semana, uma comitiva americana visita o Brasil para discutir os rumos das inspeções nucleares. Tudo indica que vão aumentar as pressões para o Brasil mostrar a planta de Resende aos inspetores, na expectativa de que a dura política externa resulte em dividendos políticos ao presidente George W. Bush nas eleições de novembro. Dentro do governo há a preocupação de que o conhecimento tecnológico brasileiro seja repassado a empresas de processamento de urânio. Dentro do Palácio, a estimativa é que a briga será difícil. É possível que a vistoria dos inspetores internacionais seja autorizada para evitar uma eventual disputa comercial com os EUA. Mesmo que ceda, o Brasil terá os próximos meses para negociar condições mais interessantes em troca de sua colaboração. Afinal, toda negociação internacional tem seu preço.

REVISTA Istoé : BRASIL 14/04/2004 - www.Istoe.com.br
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