OS 100 ANOS DE CLAUDE LEVI-STRAUSS

Alexandre Figueiredo

Alguns dias atrás, em 28 de novembro, celebramos o centenário de nascimento do antropólogo Claude Levi-Strauss. Etnógrafo e também filósofo, Levi-Strauss, que recentemente se dedica a palestras e ensaios, foi um importante cientista social, não só para o mundo e especialmente a Europa, como também para o Brasil, país onde ele fez pesquisas sobre os povos indígenas na década de 30, em plena Era Vargas.

Apesar de nascido em Bruxelas, na Bélgica, em 28 de novembro de 1908, Levi-Strauss descende de família francesa e judia. Pelo fato de seu pai ter sido pintor, além de profundo apreciador das artes, o gosto por música, poesia, literatura e artes plásticas era bastante cultivado pela família de Levi-Strauss.

Ele viveu sua infância no período da então proclamada Grande Guerra (1914-1918), que só ganhou o título de Primeira depois que outro conflito bélico internacional aconteceu, duas décadas depois. Nessa época, Levi-Strauss vivenciou, a partir de então, a crise existencial da sociedade européia, que viu ruírem todas as esperanças apostadas, no século XIX, ao progresso da civilização ocidental. O Século XIX, rico nas transformações das novas tecnologias e na produção intelectual, principalmente artística e filosófica, parecia anunciar um futuro harmonioso e evoluído, mas a ganância colonizadora das potências européias, sobretudo sobre os países da África, impulsionou a Primeira Guerra Mundial.

Levi-Strauss estudou Direito e Filosofia na Universidade de Sorbonne, em Paris. Não concluiu o primeiro curso, e optou pelo segundo. Formando em Filosofia, ensinou num liceu parisiense no início dos anos 30. Nessa época, uma proposta da Universidade de São Paulo foi dada para ele ensinar na instituição que então surgia. Um amigo chegou a lhe dizer que a oportunidade lhe permitiria ver aldeias e povos indígenas nos arredores da capital paulista. Talvez a declaração do amigo de Levi-Strauss tenha sido irônica, uma vez que, já em 1934, quando o etnólogo chegaria ao Brasil, a cidade de São Paulo já estava em rápido processo de expansão que a tornou a mais urbana das cidades brasileiras.

A declaração do amigo, sendo ou não uma brincadeira, em todo caso fez crescer a curiosidade de Levi-Strauss em pesquisar os povos indígenas. Quando entrou em férias do seu trabalho na USP, ele iniciou sua temporada de pesquisas no interior do país, na região amazônica e nas regiões dos atuais Estados do Mato Grosso e Mato Grosso do Sul. As expedições eram cautelosas. Além de pesquisadores terem chegado a portar armas, mediante rumores da hostilidade de algumas tribos, a presença de pesquisadores que poderiam divergir do processo em andamento tornou-se incômoda. O antropólogo Luiz de Castro Faria, designado para integrar a equipe da pesquisa, já foi alertado por Levi-Strauss de que sua presença não agradava ao franco-belga.

A expedição que contou com a participação de Castro Faria já fazia parte da segunda estadia brasileira de Levi-Strauss, em 1938. Nesta expedição, foram pesquisadas as tribos nambiquaras, do Mato Grosso, e os tupi-cavaíbas da região do Alto Machado, no Amazonas. Na temporada de 1934-1937, foram visitados os índios cadiueus, perto da fronteira com o Paraguai, e os bororos, no atual Mato Grosso do Sul.

Em 1939, com a eclosão da Segunda Guerra Mundial, Levi-Strauss é convocado para o serviço militar na França. Com a invasão das tropas nazistas da Alemanha no território francês, o antropólogo, por sua origem judia, se mudou para Nova York. Nessa época, os EUA passaram a vivenciar, ainda que acidentalmente, um fértil ambiente intelectual, com pensadores, pesquisadores e artistas vindos da Europa, refugiados de regimes totalitários e repressivos, ou de países invadidos pelos nazistas. Levi-Strauss passou a integrar o grupo dos intelectuais surrealistas, que incluiu o poeta André Breton e o artista Max Ernst. Claude inicia seu contato com o pensamento estruturalista.

Esse contato se deu, a princípio, através das pesquisas do antropólogo alemão (e um dos radicados nos EUA) Franz Boas, que instituiu a perspectiva relativista na pesquisa antropológica. Mas a influência decisiva do estruturalismo se deu quando Levi-Strauss entrou em contato com o linguista russo Roman Jakobson, que, junto com Nicolai Troubetskoy, foi discípulo do linguista Ferdinand de Saussure, fundador do pensamento estruturalista. Os dois desenvolveram uma tese em que o significado de um fonema se dá quando relacionado com outros fonemas, formando sílabas e palavras. Influenciado nessa tese, Levi-Strauss concebeu que os traços culturais de uma sociedade só podem ser compreendidos quando são analisados em seu conjunto. O estruturalismo linguístico foi crucial para o desenvolvimento do seu estruturalismo antropológico.

Em 1948, formou-se em Doutorado pela Sorbonne, depois de ter tido uma experiência como adido cultural na embaixada francesa em Washington. Conforme a tradição existente na Sorbonne, Levi-Strauss conquistou o título de doutor trabalhando em duas teses, uma "maior" e outra "menor". Respectivamente, resultaram nas obras Família e vida social entre os Nambiquaras e As estruturas elementares do parentesco. Esta última, transformada em livro em 1949, foi reconhecida pela intelectualidade como uma das mais importantes pesquisas relacionadas à família já publicadas pela literatura antropológica.

No ano de 1955, é publicada a obra na qual Levi-Strauss se tornou mais conhecido até fora dos ambientes intelectuais e, sobretudo, no Brasil. O livro Tristes Trópicos, escrito sem a rigidez científica das monografias, é um relato autobiográfico sobre a experiência do etnólogo no Brasil, além de uma viagem feita na Índia e no Paquistão. Levi-Strauss, que iria usar a princípio o título para um romance de ficção que desistiu de escrever, não se valeu de qualquer fonte brasileira para nortear o trabalho, o que permitiu, por outro lado, se distanciar da abordagem evolucionista dominante na intelectualidade de então, e analisou as tribos a partir da realidade nelas vivida.

Na época de Tristes Trópicos, Levi-Strauss já demonstrava sua preocupação com a mundialização da humanidade, problema que o aflige até hoje. Ele sentiu, nesse tempo, a crise na diversidade, o fim dos tempos em que, na análise do etnólogo, havia "outros". Ele reclama da padronização dos valores sociais difundido pela sociedade capitalista. Sua preocupação é tal que, numa palestra realizada nos últimos anos, ele sugeriu que os diferentes povos sejam surdos à influência de outros. A posição torna-se mais polêmica quando Levi-Strauss defende que nem todos os povos devam ser alfabetizados, para não porem em risco sua formação cultural original, alegando o antropólogo que determinados povos conseguem sobreviver sem a linguagem escrita.

Sua preocupação antropológica se volta sobretudo à idéia de mito, que influi no desenvolvimento de crenças, rituais e práticas cotidianas de cada sociedade. A partir dos anos 1960, lança uma série intitulada Mitológicas, com seus quatro volumes lançados no decorrer dos anos, visando desvendar o significado dos mitos e mostrar a forma que eles representam a passagem da simples relação dos homens com a natureza à sua transformação através da cultura. Os volumes, juntos, contam com mais de 2 mil páginas e analisam 813 mitos e centenas de variantes, provenientes de vários povos do continente americano, dos bororos, jês e tupi-cavaíbas do Brasil até povos da América do Norte como os hopi, pueblo, mohawk e kwakiutl. O primeiro volume data de 1964, "O cru e o cozido", seguido de "Do mel às cinzas" (1967), "A origem dos modos à mesa" (1968) e "O homem nu" (1971).

Levi-Strauss lançou outros livros sobre antropologia estruturalista. O Pensamento Selvagem, de 1962, foi publicado numa época em que o pensamento estruturalista iniciava seu apogeu. O livro é considerado uma síntese do pensamento de seu autor, sendo que na primeira parte ele expõe sua teoria geral relacionada à pesquisa antropológica e, na segunda parte, ele analisa a teoria histórica e a mudança social. Neste ponto, ele considera a situação polêmica que envolve os campos da Antropologia e da História, criticando a ênfase exagerada, pela intelectualidade mais influente, à abordagem histórica.

Para Levi-Strauss, a Antropologia e a História se distinguem porque, enquanto nesta disciplina os dados se baseiam na análise de documentos de outros autores e na expressão do consciente coletivo, aquela se baseia nos vestígios sociais transmitidos por um representante de um grupo social a outra pessoa, que no caso é o pesquisador, obtendo dados que correspondem à expressão do inconsciente coletivo.

Podemos destacar duas situações polêmicas que Levi-Strauss encarou. A primeira foi por ele lançada, e foi com o filósofo existencialista Jean-Paul Sarte, um dos mais badalados intelectuais dos anos 60 e que havia também visitado o Brasil, em 1960, chegando a ficar três horas em um programa de entrevistas da TV brasileira. O alvo dos comentários do antropólogo foi Crítica da razão dialética, do filósofo francês. Entre outras críticas feitas ao livro, Levi-Strauss contesta a idéia do "fato histórico", afirmando que tal idéia não é mais do que uma abstração criada pelo historiador, além do que, segundo o etnólogo, a história só é percebida enquanto processo vivido, e o significado de um acontecimento é diferente para diversos tipos de indivíduos. A Revolução Francesa, por exemplo, não significou da mesma forma para um cortesão de Versalhes e um camponês do Loire.

Outra polêmica não foi lançada por Levi-Strauss, mas por outro antropólogo, o norte-americano Clifford Geertz. A idéia de etnocentrismo de Levi-Strauss, que o via como algo positivo, desde que não houvesse excessos, se baseia na tese de que o pesquisador deve ser fiel a um conjunto de valores que lhes são próprios, sendo uma grande ilusão descartar totalmente esses valores. Geertz, no entanto, não vê sentido nesta hipótese, alegando que ela faz o pesquisador se prender à própria tradição cultural. O antropólogo norte-americano acrescenta que o pesquisador tem mais facilidade em compreender o enigma do outro do que o seu próprio, e que os enigmas decorrentes da diversidade cultural são provenientes dos limites das próprias pessoas, e não nas fronteiras dos grupos sociais.

O apogeu do estruturalismo foi favorecido pelo fato de que sua teoria foi aplicada nas mais diversas áreas do conhecimento, indo da lingüística à matemática. O que parecia mais amplo, que era a análise de toda a problemática humana a partir da estrutura de linguagem, tornou-se restrita com os avanços tecnológicos e as transformações sociais profundas. O determinismo analítico, que coloca todos os fenômenos da realidade sob a perspectiva de um sistema binário de oposições ("cru e cozido", por exemplo), já não respondia mais à natureza humana diante da mudança dos papéis do indivíduo na sociedade pós-moderna, afetada pelo impacto da Contracultura, no final dos anos 1960. O estruturalismo tornou-se, então, uma ciência abstrata e, ao mesmo tempo, mecanicista, já que a sociedade complexa dos últimos tempos não permite que sempre a analisemos sob o prisma das estruturas.

O próprio estruturalismo lingüístico se baseava num paradigma verbalista, vinculado à linguagem escrita, e seu sentido se perdeu com o avanço da tecnologia informática, que, através da hipermídia, apresentou novos problemas que a análise estrutural não foi capaz de responder. A realidade virtual, a informação instantânea e globalizada, as questões da interatividade e da multidão solitária ligada por computadores, não se definem por um sistema estruturado de oposições, diante de problemas como, por exemplo, a alienação causada não pela falta de informações, mas pelo seu excesso.

Levi-Strauss é integrante de várias academias, portador de vários prêmios dedicados a intelectuais importantes e recebeu vários títulos de doutor honoris causa em universidades de vários países do mundo. Participou dos primórdios da Universidade de São Paulo, fundada em 1934. Foi secretário-geral do Conselho Internacional de Ciências Sociais da UNESCO. É membro da Academie Française. É antropólogo aposentado. Vive em cadeira de rodas devido a um acidente em 2007, mas continua lúcido. Nos últimos anos, se dedica a palestras e artigos sobre artes, filosofia, atualidades e lembranças de sua trajetória.

FONTES: Wikipedia, Superinteressante, Idéias & Livros (Jornal do Brasil), Prosa & Verso (O Globo), Carta Capital.

REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA

GOMES, Ângela de Castro e NEDER, Gizlene. Entrevista com o professor Luís de Castro Faria. Antropologia no Brasil: trajetória intelectual do professor Luís de Castro Faria. In: Tempo. Vol. 2, n. 4. Rio de Janeiro: UFF, DEZ. 1997

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