HISTÓRIA DA ANESTESIA CIRÚRGICA

Empregam-se agentes anestésicos desde os mais antigos tempos. Seu uso inicial remonta à Antiguidade. Os egípcios utilizaram largamente a cirurgia e, provavelmente, lançaram mão de narcóticos de várias espécies. Os chineses conheciam o ópio e o haxixe (Cannabis indica) e suas propriedades analgésicas. Plínio, Dioscórides e Apuleio recomendavam empregar a mandrágora (alcalóide da beladona) antes das operações. Além dos agentes, diversos métodos físicos, cruéis e bizarros, eram empregados com a finalidade de obter uma inconsciência temporária. Por exemplo: para levarem a bom termo operações de circuncisão, os assírios asfixiavam as crianças, por estrangulamento; essa prática, aliás, ainda se encontrava em voga na Itália, no século XVII. Empregou-se, também, a concussão cerebral produzida por uma pancada na cabeça, com um objeto de madeira. A mais antiga referência escrita sobre anestesia que se conhece foi encontrada no tratado de Trinitate de St. Hilaire de Poliers (cerca de 350 A-D), que escreveu: "a alma pode ser levada ao sono por medicamentos e, assim, superar à dor e produzir na mente um esquecimento em seu poder de percepção, semelhante à morte" (cit. por Montagu, 1946). Empregou-se durante séculos, ópio, beladona, cânhamo e bebidas alcoólicas com a finalidade de minorar a dar da cirurgia.

O emprego de anestésicos para a abolição completa e segura da dor operatória data do período de cinco anos, entre 1842 e 1847, que marcou época na história da medicina. Anteriormente a cirurgia constituía uma provação horrível e o cirurgião, para minorar o sofrimento, trabalhava com a máxima rapidez. Amputações, por exemplo, completavam-se em alguns segundos, e os cirurgiões jactavam-se de sua rapidez. Òbviamente, tornava-se de todo impossível uma dissecção meticulosa e um tratamento delicado dos tecidos.

O protóxido de azoto (óxido nitroso), primeiro anestésico entre os administrados por inalação foi descoberto por Pristley, em 1776. Ele descreveu com exatidão as sensações experimentadas em conseqüência da inalação do agente e como sendo "semelhante a uma pressão delicada sobre os músculos, acompanhada de uma sensação muito agradável de frêmito, particularmente no peito e nas extremidades... A sensação do tono muscular aumentava e, por fim, surgiu uma irresistível propensão para a ação... Quando a eficácia do agente alcançou seu máximo efeito, a sensação agradável gradativamente diminuiu e a pressão delicada sobre os músculos perdeu-se; a seguir deixei de perceber as impressões; idéias vívidas passaram depressa por minha mente e a energia voluntária foi completamente destruída; e então o bocal caiu de meus lábios entreabertos". Em 1799, Humphy Davy anunciou que o protóxido de azôto (óxido nitroso) tinha a propriedade de abolir a dor e sugeriu sua aplicação nas operações cirúrgicas. Durante 43 anos essa sugestão ficou inteiramente esquecida. Peajson, em 1795, registrou o emprego de éter, em inalações, para controlar a dor das cólicas, e Beddoes, no ano seguinte, publicou um caso de sono profundo induzido pelo éter. Em1818, Faraday referiu-se ao efeito analgésico do éter. Hickman, em 1824, operou animais deprimidos pelo anidrido carbônico e hipóxia, no mesmo ano em que publicou seu panfleto sobre a animação suspensa.

Apesar desses primeiros sucessos, a descoberta da anestesia cirúrgica foi uma contribuição norte americana. No início da década de 1840, um químico e conferencista de nome Colton, viajou através da Nova Inglaterra, fazendo demonstrações públicas de inalações do protóxido de azôto ou gás hilariante pelo preço de 25 centavos. Em 10 de dezembro de 1844 ele chegou em Hartford, Connecticut, e publicou o seguinte anúncio: "Grande exibição de efeitos produzidos pela inalação de protóxido de azôto, gás alegre ou hilariante. Marcada para terça-feira, à tarde, 10 de dezembro de 1844, em Union Hall. Serão preparados quarenta galões de gas e administrados a todos da assistência que o desejarem inalar. Doze jovens voluntários vão inalar o gás, dando inicio á demonstração. Oito homens robustos são convidados a ocupar a primeira fila a fim de protegerem àqueles que, sob a influência do gás, possam ferir-se a si próprios ou a outrem. Esse procedimento será adotado para que não venha a existir perigo. Provavelmente ninguém irá brigar. O efeito da inalação desse gás produz gargalhadas, vontade de cantar, de dançar, de falar ou de lutar, e assim por diante, dependendo das condições do temperamento de cada qual. Os voluntários darão a impressão de reter lucidez suficiente para não fazer aquilo que lhes poderia ocasionar arrependimento. O gás somente será administrado a cavalheiros de grande probidade. O objetivo é tornar a exibição, em todos os sentidos, um divertimento polido." Horace Wells, um dentista de Hartford, assistiu a essa conferência. Um prático de farmácia, de nome Cooley, ofereceu-se como voluntário para inalar o gás e, durante a inalação ficou confuso e brigão. Saltou do palco para brigar com um dos homens fortes na fila da frente mas este fugiu. Atrás dele correu Cooley, e durante a perseguição tropeçou em uma cadeira e caiu ao chão. A queda o fez recobrar a consciência e retornar ao seu lugar, já sóbrio e pedindo desculpas. Repentinamente, ele notou, admirado, que sua perna estava ferida e sangrava no ponto onde se tinha machucado de encontro à cadeira, mas não sentia qualquer dor. Wells interrogou-o cuidadosamente a esse respeito, mas ele insistiu não haver sentido qualquer dor relacionada com o ferimento. No dia seguinte, o próprio Wells teve um de seus dentes extraído, sem dor, pela administração de protóxido de azôto aplicado por Colton. Passado o efeito da anestesia ele exclamou: "Eis uma nova era na extração dentária". Ele começou então a aplicar o protóxido de azoto em sua clínica odontológica de Hartford e fez publicidade irrestrita a esse respeito.

Em janeiro de 1845, Wells foi ao Massachusetts General Hospital, em Boston, para exibir seu gás. Infelizmente houve falha na demonstração, pois o paciente acordou demasiado cedo, contorcendo-se em dores. Wells foi injustamente ridicularizado pelo fato de ainda não ter percebido que esse gás é de difícil administração. O que admira é Wells ter conseguido sucesso, quase sempre, sem contudo possuir aparelhagem apropriada.

A introdução do éter, no ano seguinte, colocou Wells e protóxido de azôto em segundo plano. Muito acabrunhado, Wells acabou por apresentar sinais de loucura, finalmente suicidou-se. Deve, porém creditar-se a ele o fato de ter percebido a importância da anestesia pelo protóxido de azoto e de tentar a sua aplicação na cirurgia odontológica. No início da década de 1860, Colton, o conferencista viajante, que 20 anos antes despertara a atenção de Wells com a sua demonstração pública, reviveu o interesse pelo uso do protóxido de azôto, e alguns anos mais tarde o gás já era largamente empregado em odontologia.

Em março de 1842, três séculos após a descoberta química do éter por Valerius Cordus em 1540 (denominado "aether" por August Sigmund Frobenius em 1730), Crawford W. Long, de Jefferson, na Geórgia, fez um amigo inalar éter enquanto ele removia um pequeno tumor da nuca, sem que o paciente acusasse dor. Os médicos americanos estavam familiarizados com os efeitos do éter, principalmente os efeitos estupefacientes, já descritos por Faraday em 1818: "Quando o vapor de éter misturado com ar comum é inalado, produz efeitos semelhantes aos do protóxido de azôto". Contudo, nos meios médicos conservadores achava-se o éter perigoso principalmente em concentrações que levavam à perda da consciência.

Estudantes de medicina e outros investigadores fizeram experiências baseadas nas observações de Faraday, organizando "reuniões sociais" de éter, ou, como as denominavam, jags (bebedeiras).

O Dr. Long observou muitas dessas experiências de éter, tendo testemunhado pela primeira vez, alguns anos antes, em Filadélfia. Finalmente, empregou-o diversas vezes em seu serviço cirúrgico, depois de despertado o seu interesse pelas possibilidades anestésicas do éter.Infelizmente, Long deixou de publicar suas experiências, e seus achados continuaram, por isso, desconhecidos até que a anestesia pelo éter foi descoberta e adequadamente desenvolvida por Morton e outros como um procedimento aceito em cirurgia.

William T 1

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