7  PRÁTICA DE ANÁLISE LINGÜÍSTICA

 

Durante os últimos anos, a crítica ao ensino de Língua Portuguesa centrado em tópicos de gramática escolar e as alternativas teóricas apresentadas pelos estudos lingüísticos, principalmente no que se refere à consciência dos fenômenos enunciativos e à análise tipológica dos textos, permitiram uma visão muito mais funcional da língua, o que provocou alterações nas práticas escolares, representando, em alguns casos, o abandono do tratamento dos aspectos gramaticais e da reflexão sistemática sobre os aspectos discursivos do funcionamento da linguagem. Para ampliar a competência discursiva dos alunos, no entanto, a criação de contextos efetivos de uso da linguagem é condição necessária, porém não suficiente, sobretudo no que se refere ao domínio pleno da modalidade escrita.

 

Além da escrita, leitura e produção de textos, parece ser necessária a realização tanto de atividades epilingüisticas, que envolvam manifestações de um trabalho sobre a língua e suas propriedades, como de atividades metalingüísticas, que envolvam o trabalho de observação, descrição e categorização, por meio do qual se constroem explicações para os fenômenos lingüísticos característicos das práticas discursivas.

 

Por outro lado, não se podem desprezar as possibilidades que a reflexão lingüística apresenta para o desenvolvimento dos processos mentais do sujeito , por meio da capacidade de formular explicações para explicitar as regularidades dos dados que se observam a partir do conhecimento gramatical implícito.

 

Entretanto, prática de análise lingüística não é uma nova denominação para ensino de gramática.

 

Quando se toma o texto como unidade de ensino, os aspectos a serem tematizados não se referem somente à dimensão gramatical. Há conteúdos relacionados às dimensões pragmática, e semântica da linguagem, que por serem inerentes à própria atividade discursiva precisam, na escola, ser tratados de maneira articulada e simultânea no desenvolvimento das práticas de produção e recepção de textos.

 

Quando se toma o texto como unidade de ensino, ainda que se considere a dimensão gramatical, não é possível adotar uma categorização preestabelecida. Os textos submetem- se às regularidades lingüísticas dos gêneros em que se organizam e às especificidades de suas condições de produção isto aponta para a necessidade de priorização de alguns conteúdos e não de outros. Os alunos, por sua vez, ao se relacionarem com este ou aquele texto, sempre o farão segundo suas possibilidades: isto aponta para a necessidade de trabalhar com alguns desses conteúdos e não com todos.

 

Ao organizar atividades de análise lingüística para possibilitar aos alunos a aprendizagem dos conteúdos selecionados, alguns procedimentos metodológicos são fundamentais para o planejamento do ensino:

ü       isolamento entre os diversos componentes da expressão oral ou escrita, do fato lingüístico a ser estudado, tomando como ponto de partida as capacidades já dominadas pelos alunos: o ensino deve centrar-se na tarefa de instrumentalizar o aluno para o domínio cada vez maior da linguagem

 

ü       construção de um corpus que leve em conta a relevância, - simplicidade, bem como a quantidade dos dados, para que o aluno possa perceber, ó que é regular;

 

ü       análise do corpus promovendo o agrupamento dos dados a partir dos critérios construídos para apontar as regularidades observadas;

 

ü       organização e registro das conclusões a que os alunos tenham chegado;

 

ü       apresentação da metalinguagem, após diversas experiências de manipulação e exploração do aspecto selecionado o que, além de apresentar a possibilidade de tratamento mais econômico para os fatos da língua, valida socialmente o conhecimento produzido.

 

Para esta passagem, o professor precisa possibilitar ao aluno o acesso a diversos textos que abordem os conteúdos estudados:

 

ü       Exercitação sobre os conteúdos os estudados, de modo a permitir que o aluno se aproprie efetivamente das descobertas realizadas;

 

ü       reinvestimento dos diferentes conteúdos exercitados em atividades mais complexas, na prática de escuta e de leitura ou na prática de produção de textos orais e escritos.

 

 

8 VARIAÇÃO LINGÜÍSTICA

 

A Língua Portuguesa é uma unidade composta de muitas variedades. O aluno, ao entrar na escola, já sabe pelo menos uma dessas variedades - aquela que aprendeu pelo fato de estar inserido em uma comunidade de falantes. Certamente, ele é capaz de perceber que as formas da língua apresentam variação e que determinadas expressões ou modos de dizer podem ser apropriados para certas circunstâncias, mas não para outras. Sabe, por exemplo, que existem formas mais ou menos delicadas de se dirigir a alguém, falas mais cuidadas e refletidas, falas cerimoniosas. Pode ser que saiba, inclusive, que certos falares são discriminados e, eventualmente, até ter vivido essa experiência.

 

Frente aos fenômenos da variação, não basta somente uma mudança de atitudes; a escola precisa cuidar para que não se reproduza em seu espaço a discriminação lingüística. Desse modo, não pode tratar as variedades lingüísticas que mais se afastam dos padrões estabelecidos pela gramática tradicional e das formas diferentes daquelas que se fixaram na escrita como se fossem desvios ou incorreções. E não apenas por uma questão metodológica: é enorme a gama de variação e, em função dos usos e das mesclas constantes, não é tarefa simples dizer qual é a forma padrão (efetivamente, os padrões também são variados e dependem das situações de uso). Além disso, os padrões próprios da tradição escrita não são os mesmos que os padrões de uso oral, ainda que haja situações de fala orientadas pela escrita.

 

A discriminação de algumas variedades lingüísticas, tratadas de modo preconceituoso e anticientífico, expressa os próprios conflitos existentes no interior da sociedade. Por isso mesmo, o preconceito lingüístico, como qualquer outro preconceito, resulta de avaliações subjetivas dos grupos sociais e deve ser combatido com vigor e energia. É importante que o aluno, ao aprender novas formas lingüísticas, particularmente a escrita e o padrão de oralidade mais formal orientado pela tradição gramatical, entenda que todas as variedades lingüísticas são legítimas e próprias da história e da cultura humana.

 

Para isso, o estudo da variação cumpre papel fundamental na formação da consciência lingüística e no desenvolvimento da competência discursiva do aluno, devendo estar sistematicamente presente nas atividades de Língua Portuguesa.

 

A seguir relacionam-se algumas propostas de atividades que permitem explorar mais intensamente questões de variação lingüística:

 

• transcrição de textos orais, gravados em vídeo ou cassete, para permitir identificação dos recursos lingüísticos próprios da fala;

 

• edição de textos orais para apresentação, em gênero da modalidade escrita, para permitir que o aluno possa perceber algumas das diferenças entre a fala e a escrita;

 

• análise da força expressiva da linguagem popular na comunicação cotidiana, na mídia e nas artes, analisando depoimentos, filmes, peças de teatro, novelas televisivas, música popular, romances e poemas;

 

• levantamento das marcas de variação lingüística ligadas a gênero, gerações, grupos profissionais, classe social e área de conhecimento, por meio da comparação de textos que tratem de um mesmo assunto para públicos com características diferentes:

                

* elaboração de textos procurando incorporar na redação traços da linguagem de grupos específicos;

 

* estudo de textos em função da área de conhecimento, identificando jargões próprios da atividade em análise;

 

* comparação de textos sobre o mesmo tema veiculados em diferentes publicações (por exemplo, uma matéria sobre meio ambiente para uma revista de divulgação científica e outra para o suplemento infantil);

 

* comparação entre textos sobre o mesmo tema, produzidos em épocas diferentes;

 

* comparação de duas traduções de um mesmo texto original, analisando as escolhas estilísticas feitas pelos tradutores;

 

* comparação entre um texto original e uma versão adaptada do mesmo texto, analisando as mudanças produzidas;

 

* comparação de textos de um mesmo autor, produzido em condições diferentes (um artigo para uma revista acadêmica e outro para uma revista de vulgarização científica);

 

• análise de fatos de variação presentes nos textos dos alunos;

 

• análise e discussão de textos de publicidade ou de imprensa que veiculem qualquer tipo de preconceito lingüístico;

 

• análise comparativa entre registro da fala ou de escrita e os preceitos normativos estabelecidos pela gramática tradicional.

 

 


 

 

 

CONCLUSÃO

 

Tomando-se a linguagem como atividade discursiva, o texto como unidade de ensino e a noção de gramática como relativa ao conhecimento que o falante tem de sua linguagem, as atividades curriculares em Língua Portuguesa correspondem, principalmente, a atividades discursivas: uma prática constante de escuta de textos orais e leitura de textos escritos e de produção de textos orais e escritos, que devem permitir, por meio da análise e reflexão sobre os múltiplos aspectos envolvidos, a expansão e construção de instrumentos que permitam ao aluno, progressivamente, ampliar sua competência discursiva.

 

Deve-se ter em mente que tal ampliação não pode ficar reduzida apenas ao trabalho sistemático com a matéria gramatical. Aprender a pensar e falar sobre a própria linguagem, realizar uma atividade de natureza reflexiva, uma atividade de análise lingüística supõe o planejamento de situações didáticas que possibilitem a reflexão não apenas sobre os diferentes recursos expressivos utilizados pelo autor do texto, mas também sobre a forma pela qual a seleção de tais recursos reflete as condições de produção do discurso e as restrições impostas pelo gênero e pelo suporte. Supõe, também, tomar como objeto de reflexão os procedimentos de planejamento, de elaboração e de refacção 10 dos textos.

 

A atividade mais importante, pois, é a de criar situações em que os alunos possam operar sobre a própria linguagem, construindo pouco a pouco, no curso dos vários anos de escolaridade, paradigmas próprios da fala de sua comunidade, colocando atenção sobre similaridades, regularidades e diferenças de formas e de usos lingüísticos, levantando hipóteses sobre as condições contextuais e estruturais em que se dão. É, a partir do que os alunos conseguem intuir nesse trabalho epilingüístico 11 , tanto sobre os textos que produzem como sobre os textos que escutam ou lêem, que poderão falar e discutir sobre a linguagem, registrando e organizando essas intuições: uma atividade metalingüística 12 , que envolve a descrição dos aspectos observados por meio da categorização e tratamento sistemático dos diferentes conhecimentos construídos.

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