Estâncias para Música

 

 

Alegria não há que o mundo dê, como a que tira. 
Quando, do pensamento de antes, a paixão expira 
Na triste decadência do sentir; 
Não é na jovem face apenas o rubor 
Que esmaia rápido, porém do pensamento a flor 
Vai-se antes de que a própria juventude possa ir. 
Alguns cuja alma bóia no naufrágio da ventura 
Aos escolhos da culpa ou mar do excesso são levados; 
O ímã da rota foi-se, ou só e em vão aponta a obscura 
Praia que nunca atingirão os panos lacerados. 

Então, frio mortal da alma, como a noite desce; 
Não sente ela a dor de outrem, nem a sua ousa sonhar; 
toda a fonte do pranto, o frio a veio enregelar; 
Brilham ainda os olhos: é o gelo que aparece. 

Dos lábios flua o espírito, e a alegria o peito invada, 
Na meia-noite já sem esperança de repouso: 
É como na hera em torno de uma torre já arruinada, 
Verde por fora, e fresca, mas por baixo cinza anoso. 

Pudesse eu me sentir ou ser como em horas passadas, 
Ou como outrora sobre cenas idas chorar tanto; 
Parecem doces no deserto as fontes, se salgadas: 
No ermo da vida assim seria para mim o pranto. 

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