Delírio

 


 

 

A noite quando durmo, esclarecendo

As trevas do meu sono,

Uma etérea visão vem assentar-se

Junto ao meu leito aflito!

Anjo ou mulher? não sei. - Ah! se não fosse

Um qual véu transparente,

Como que a alma pura ali se pinta

Ao través do semblante,

Eu a crera mulher... - E tentas, louco,

Recordar o passado,

Transformando o prazer, que desfrutaste,

Em lentas agonias?!

 

Visão, fatal visão, por que derramas

Sobre o meu rosto pálido

A luz de um longo olhar, que amor exprime

E pede compaixão?

Por que teu coração exala uns fundos,

Magoados suspiros,

Que eu não escuto, mas que vejo e sinto

Nos teus lábios morrer?

Por que esse gesto e mórbida postura

De macerado espírito,

Que vive entre aflições, que já nem sabe

Desfrutar um prazer?

 

Tu falas! tu que dizes? este acento,

Esta voz melindrosa,

Noutros tempos ouvi, porém mais leda;

Era um hino d'amor.

A voz, que escuto, é magoada e triste,

- Harmonia celeste,

Que à noite vem nas asas do silêncio

Umedecer as faces

Do que enxerga outra vida além das nuvens.

Esta voz não é sua;

É acorde talvez d'harpa celeste,

Caído sobre a terra!

 

Balbucias uns sons, que eu mal percebo,

Doridos, compassados,

Fracos, mais fracos; - lágrimas despontam

Nos teus olhos brilhantes...

Choras! tu choras!... Para mim teus braços

Por força irresistível

Estendem-se, procuram-me; procuro-te

Em delírio afanoso.

Fatídico poder entre nós ambos

Ergueu alta barreira;

Ele te enlaça e prende... mal resistes...

Cedes enfim. . . acordo!

 

Acordo do meu sonho tormentoso,

E choro o meu sonhar!

E fecho os olhos, e de novo intento

O sonho reatar.

Embalde! porque a vida me tem preso;

E eu sou escravo seu!

Acordado ou dormindo, é triste a vida

Dês que o amor se perdeu.

Há contudo prazer em nos lembrarmos

Da passada ventura,

Como o que educa flores vicejantes

Em triste sepultura.

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