[Sem título]

 


É noite, a cidade está sombria e fria, tão inóspita quanto um floresta africana. As pessoas se mechem, e andam por aí como insetos idiotas, perdidos em seus próprios pensamentos mesquinhos e egoístas. No meio dessa massa convulsa de gente, está um rapaz, não muito alto, pele branca. O cabelo negro lhe recobre a face, e sua jaqueta também negra, o deixa com um aspecto vago, quase fantasmagórico. Ele olha a multidão, assim como um apicultor olha as abelhas em seu ninho, caminha mais um pouco, e logo vê uma mulher surgir a sua frente. Diferente de todas aquelas pessoas a sua volta, diferente de tudo o que ele já havia visto. Aquela mulher estava destacada na multidão, como um rosa vermelha em meio a um mundo em preto-e-branco. 

A mulher,dona de um longo cabelo negro, seguia seu rumo, mas não parecia se locomover normalmente. Era como se o vento a levasse,e ela somente aceitasse o caminho imposto. Ela passa pelo rapaz, e nem nota sua presença, simplesmente continua a caminhar alheia a tudo a sua volta. O rapaz sente como se cada poro de sua epiderme fosse perfurado por agulhas pontiagudas, aquela moça tinha algo realmente diferente, seus olhos tristes, seu rosto vago lhe despertam a atenção... instintivamente ele começa a segui-la. Ela tinha o caminhar de uma Deusa, um olhar que deixaria o próprio mistério em dúvida, e ainda sim, tinha a face tão desolada... O rapaz começa a dar passos apressados, e finalmente a toca no ombro. 

A moça, que andava distraída, perdida em pensamentos, para sentindo a mão desconhecida em seu corpo, porém não olha para traz, simplesmente espera algo acontecer. E na frialidade eterna de um segundo, como se o vento parasse, e junto com ele o tempo, o rapaz caminha até a frente dela, e começa a admirar seu rosto, tão belo e exótico, quanto um perfume oriental. A moça, tomada pelo susto, hesita ao ver o homem de semblante tão extasiado ao ver seu rosto, e da um passo pra trás, afastando-se por instinto. 
- Calma, não precisa de assustar. Diz o rapaz um tanto tímido, porém com um sorriso um tanto ressabiado. Ele caminha até a moça, pega sua mão, se agacha e lhe da um terno beijo.
- É que você se destaca na multidão, perdão por lhe assustar. 
A moça ainda está um tanto assustada, mas finalmente pergunta : 
- O que faz um homem, caminhar solitário por essas ruas vazias e tristes ?
- Sou tão solitário quanto as ruas daqui. Estava caminhando a pensar, respirando um pouco desse ar, podre e fétido, até que lhe vi, como uma flor luminosa em meio a um mar de lama. Agora... simplesmente não sei o que estou fazendo, afinal... o que importa não é ? Mas e você ? Bela desconhecida ? o que a traz a essa noite tão fria ?
- Ando levada pela solidão, pensando em futilidades. Não pensei que ainda pudesse atrair alguém, pois a tristeza e a amargura distorcem minha face. 
- A tristeza me atrai, assim como um vampiro é atraído por sangue. Mas, me diga uma coisa, o que a deixa tão triste ? Poderia dizer a esse estranho prostrado a sua frente ? 
- A solidão é que amargura meu coração, minha alma, tão gélida anseia por uma companhia, para que eu possa me sentir segura. 
- sim, entendo... assim como você, sofro do mesmo mal: Mesmo rodeado por tantas pessoas, é como se eu estivesse só, tudo é em preto e branco, e só a noite me acalma... será que compartilhamos das mesmas dores ? 
- Apenas sei que meu sofrimento não cessa à anos, desde que perdi tudo que tinha por uma aventura inútil. Hoje vejo como minha precipitação foi um erro. Mas, não gosto de voltar ao passado obscuro, fale-me do seu sofrimento. 
- Assim, como você perdi o meu maior bem, mas não me meti em aventuras, simplesmente vi ele sumir, como uma pedra lançada na profundeza do mar. A dor tomou meu coração, e até pensei que o havia perdido, porém, hoje quando a vi, senti meu peito dilacerado ser recuperado. Senti um novo fôlego de vida me invadir assim como o ar invade os pulmões, e percebi que ainda era humano. 

A moça, sentiu algo, que não sentia a muito tempo, porém o medo e a desconfiança ainda não haviam dado trégua para seu coração, e num último esforço, ela pergunta tentando esconder sem êxito a emoção : 
- Quem... é a pessoa, que fez seu coração tão solitário despertar novamente ? 
Nesse momento, ele se aproxima mais, e leva a mão até o cabelo da jovem, e diz : 
- Ora, minha bela desconhecida, você ! Você navegou até a profundeza perdida da minha alma, e de lá resgatou meu coração ferido e aprisionado, no grande castelo da mágoa.

Um calor percorre todo o corpo da jovem, quando a mão do rapaz a toca. Seus olhos fitam ele docemente. Ele sente que aquele momento é sublime, sutil e belo como o nascimento de uma flor. Sua mão toca a pele macia da jovem, e seus olhos tímidos se encontram com os dela. 
- Você possui olhos perfeitos como a noite, eu poderia passar a vida inteira a observa-los. 
Extasiada por tantos elogios, e pelo momento, a moça se entregara completamente a situação. Ela desejava que aquilo nunca mais terminasse. E em um ato de coragem espontânea aproxima o seu rosto ao dele a procura de seus lábios. 

O rapaz, finalmente vence a timidez, e encosta seus lábios aos dela. Nunca havia sentido tamanha alegria. Ele a envolve em seus braços, e a acaricia ternamente. 

O toque dele tinha efeito calmante sobre o corpo e a mente dela, uma sensação profunda a toma, e aquele momento parece durar eternamente. Até que os dois separam as faces. Ele volta a fitá-la nos olhos, mais uma vez lhe acaricia o cabelo, e solta um leve sorriso. Sua expressão está calma e serena, e após algum tempo finalmente sua voz quebra o silêncio. 
- Lhe procurei por tanto tempo, e agora a encontrei. As estrelas devem estar a meu favor hoje. 
- Finalmente você apareceu, durante tanto tempo achei que não haveria ninguém como eu neste mundo, mas finalmente lhe encontrei. 

A moça disse isso, com uma voz tão doce e um olhar tão apaixonado, que o rapaz a abraçou novamente, sentindo-se totalmente entregue a ela. Minutos se passam, até que ela finalmente diz : 
- Você pode resgatar meu coração, que a tanto tempo se perdeu na escuridão da minha tristeza, e amargura ! 
- Não só o resgato, como também o coloco ao lado do meu. Irei contigo aonde desejar, e nem mesmo a fúria do mar, da terra, ou do ar, lhe deixará em perigo. Mas, se essa for nossa mercê, a de morrer, então morrerei contigo, pois ficar sem você seria um terrível castigo. 

Dito isso, ele a beija mais uma vez. Uma fina chuva começa a cair sobre os jovens amantes, e a noite segue... 

A cidade está sombria e fria, tão inóspita quanto um floresta africana. As pessoas se mechem, e andam por aí como insetos idiotas, perdidos em seus próprios pensamentos mesquinhos e egoístas. Mas em meio a massa monocromática de pessoas, dois pontinhos luminosos brilham, anunciando que duas vidas acabam de se fundir...


 

 

Colaboração de: Wellington

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