Equações Cúbicas e Biquadradas.

 

(i)                 Introdução

 

            A solução de equações cúbicas gerais é devido a algebristas italianos do século XVI: Scipione Del Ferro, Tartáglia e Cardano.

            Em 1545 a forma de resolução das equações cúbicas (3º grau) e das quádricas (4º grau) tornam-se conhecidas com a publicação de Ars Magna de Girolamo Cardano. A publicação dessa obra causou tal impacto que 1545 é freqüentemente tomado como marco inicial do período moderno da matemática. Deve-se frisar que Cardano (ou Cardan) não foi o descobridor original das soluções quer das cúbicas, quer das quádricas. Ele próprio admitiu isso em seu livro. A sugestão para resolver as cúbicas, ele afirma, lhe tinham sido dadas por Niccolo Tartaglia. A solução das quádricas tinha sido descoberta de seu antigo aluno, Ludovico Ferrari. O que Cardano deixou de mencionar em Ars Magna foi o solene juramento que havia feito a Tartaglia de não revelar o seu segredo, pois este pretendia firmar sua reputação publicando a solução das cúbicas, até então desconhecida, em um tratado sobre álgebra.

Agora descreveremos seus trabalhos, os quais são de fundamental importância para a história da álgebra.

 

(ii)               Scipione Del Ferro.

 

 

 

Professor de matemática italiano nascido em Bologna, descobriu a resolução das equações de terceiro grau (1520), as cúbicas mistas, porém não tornou pública sua descoberta, divulgando-a apenas entre seus alunos.

Lembrar que a solução das quadráticas (ax2 + bx + c = 0) era conhecida dos babilônios e que até meados do século XVI o ZERO não era usado na Europa. Também não se usavam os números negativos e, portanto, não se sabia que as quadráticas tinham duas soluções. Filho de Floriano, empregado de uma fábrica de papel, e Filippa Ferro, pouco se sabe sobre sua edificação, mas deve ter estudado na Universidade de Bologna, uma das mais antigas e tradicionais universidades medievais, porém se sabe que foi nomeado professor de aritmética e geometria dessa universidade (1496), ali permanecendo pelo resto da vida. Com a passagem de Pacioli por Bologna (1501-1502), período em que este foi seu colega professor na universidade, e que afirmara ser a solução impossível (1494), iniciou sua pesquisa para sua grande descoberta. Seus escritos não chegaram ao nossos dias, mas é sabido que seu caderno de anotações foi passado após sua morte em Bologna, ao seu neto, um matemático menor e comerciante local, Hannibal della Nave, que o teria mostrado a  Gerônimo Cardano e seu assistente Lodovico Ferrari (1543), quando da visita desses àquela universidade.

Bem, vamos iniciar a parte matemática mostrando algumas fórmulas gerais e como poderiam ser reduzidas através de substituições, para que depois se mostre o que Del Ferro resolveu.

            Era sabido que a equação cúbica geral:

 

ax3 + bx2 + cx + d = 0

 

poderia ser reduzida, por introdução de uma nova variável:

 

                                                           x’= x + (1/3)a

 

para a simples forma:

 

x3 + px + q = 0.

 

Se só os coeficientes positivos e valores positivos de x são admitidos, há três tipos:

 

x3 + px + q = 0                                                           (1)

x3 = px + q                                                                 (2)

x3 + q = px                                                                 (3)

 

            O primeiro a resolver a equação (1) foi Scipione Del Ferro. Existem autores que afirmam que ele teria resolvido estas três equações, mas que não estaria seguro das respostas.

            Os fundamentos da idéia básica da solução de (3) é simples e é baseado no livro de Cardano: “Ars Magna, sive de regulis algebraicis”. Cardano inicia com o exemplo:

 

x3 + 6x = 20                                                               (4)

 

            Cardano expressa esta idéia na linguagem de “retórica algébrica”, como:

“Seja um cubo e seis vezes o lado é igual a 20”.

            A idéia de Cardano para resolver a equação (4) colocando:

 

x = u – v                                                                     (5)

 

            Substituindo (5) em (4), obtemos:

 

x3 + 6x = (u – v)3 + 6(u – v) = (u3 – v3) – 3uv(u – v) + 6(u – v) = 20.

 

            Agora u e v são temas para as seguintes condições:

 

(u3 – v3) = 20 (6) e 3uv = 6 (7).

 

            Então segue que x = u – v satisfaz a equação (4).

            Na terminologia geométrica de Cardano a redução de  (u – v)3 para:

 

                                   (u3 – v3) – 3uv(u – v)

 

é muito incômoda, mas a idéia fundamental é mesma.

            É fácil determinar u e v da condição (6) e (7).

De (7) achamos:

uv = 2,

uma vez que:

u³v³ = 8.

Agora a diferença e o produto dos dois cubos u³ e v³ são conhecidos, e achamos:

 

u³ = √108 + 10

v³ = √108 – 10,

 

assim u e v raízes cúbicas de números conhecidos e temos:

 

x = ∛(√108 + 10) - ∛(√108 - 10).

 

Scipione Del Ferro nunca publicou esta solução: ele somente disse a poucos amigos. Entre estes estava Antônio Maria Fiore, de Veneza.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

(iii)             Tartáglia e Cardano.

 

Abaixo uma ilustração de Tartáglia:

 

 

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Agora uma ilustração de Cardano:

 

 

            Neste período do início do século XVI, prosperavam desafios que ofereciam considerável soma de dinheiro, que era uma forma normal no mundo erudito. Um professor de matemática de Veneza, Niccolò Tartáglia, nascido em Brescia (1499) e falecido em Brécia (13/12/1557), ganhara vários prêmios. Tartáglia, “o gago”, era seu apelido, pois quando tinha 12 anos, sua cidade foi saqueada e um soldado francês cortou-lhe o rosto. A feri­da deixou-o com um defeito da fala e com o nome Tartaglia (gago). Sua mente, todavia, não gaguejava e, na maturidade, ensinou ma­temática em várias universidades do norte da Itália, chegando a Veneza em 1524.

            Em 1535, Tartáglia foi desafiado para uma competição de resoluções de problemas, por Fiore (pupilo de Scipione Del Ferro). Existiam 30 questões, sendo que o perdedor pagaria 30 banquetes.

              Tartáglia preparou uma variedade de problema, mas Fiore tinha somente um truque para todas estas: Todos estes problemas eram da forma (1). Numa noite de fevereiro, entre 12 e 13, pouco tempo antes da competição Tartáglia teve uma inspiração. Ele descobriu o método de solução da equação (1) e resolveu todos os 30 problemas em poucas horas. Na competição, Fiore provou-se incapaz d resolver os problemas e Tartáglia foi declarado o vencedor. Ele renunciou aos trinta banquetes.

Em 1537 Tartaglia publicou o primeiro li­vro sobre a teoria dos projéteis. (Leonardo da Vinci já havia escrito um que não chegou a ser publicado.) Tartaglia pensava que o projétil iniciava seu caminho com movimen­to violento, indo em linha reta a partir da boca do canhão e terminando com um movimento natural, ao cair verticalmente, com uma zona intermediária de movimento Isso não estava de acordo com a experiência prática dos artilheiros, que não podiam evidentemen­te lutar contra os argumentos teóricos de Tartaglia.            A balística não recebeu uma base cor­reta até os tempos de Galileu, cerca de um século mais tarde.

            Voltando às equações.

Em 1539, outro autor entra em cena: Gerolano Cardano (24/09/1501 – Pávia a 24/09/1576 - Roma), um famoso médico, astrólogo, filósofo e matemático, que viveu em Milão. Cardano tinha ouvido do descobrimento de Tartáglia, e aproximou-se dele, sendo intermediado pelo livreiro Zuan Antônio de Bassano de Veneza.

            Tartáglia não revelou este método e Cardano enfatizou que o apresentaria a Afonso d’Avalos, um comandante militar de Milão.

            Tartáglia aceitou o convite.Ele havia feito algumas invenções militares, e estava ansioso para mostrar estas ao militar.

            Depois que Tartáglia chegou a Milão, Cardano o persuadiu a revelar-lhe a solução secreta da equação (1). Cardano jurou nunca publicar a descoberta de Tartáglia.

            O juramento aconteceu, de acordo com Tartáglia, em 25 de março de 1539.

            Para que não se dê a Tartaglia a indevida simpatia, deve-se lembrar que ele havia publicado, em 1543, uma tradução de Arquimedes, derivada de Moerbeke, dando a impressão que a obra era sua. E em seu Quesiti e invetioni diversi (Veneza-1546) ele deu a lei do plano inclinado, presumivelmente derivada de Jordanus Nemorarius, sem a devida atribuição.

            Antes de iniciar uma discussão mais matemática, acrescento somente mais uma coisa: a resolução das equações cúbicas e quádricas foi talvez a maior contribuição a álgebra desde que os babilônicos, quatro milênios antes, aprenderam a completar o quadrado para equações quadráticas. Nenhuma outra descoberta constituiu um estímulo para o desenvolvimento da álgebra comparável a essas reveladas em Ars Magna. A resolução das cúbicas e quádricas não foi em nenhum sentido motivada por considerações práticas, nem tinha valor para engenheiros. Soluções aproximadas de algumas equações cúbicas já eram conhecidas na antiguidade, e al-Kashi, um século antes de Cardano, podia resolver com qualquer grau de aproximação qualquer equação cúbica resultante de problemas práticos. A fórmula de Cardano-Tartaglia é de grande importância lógica, mas nem de longe tão útil para as aplicações, quanto métodos de aproximações sucessivas.

            O correto é que depois da visita a Tartáglia, Cardano estendeu o método da solução da equação (1) para outros tipos: (2) e (3). Nestes dois casos, uma tinha escrito a solução como u + v ao invés de u – v. Para o resto o cálculo era o mesmo. Assim, no caso (2), temos:

x3 - px = q

x = u + v

x3 - ex = (u3 + v3) + 3uv(u + v) - p(u + v) = q

3uv = p

u3 + v3 = q

u3 = ½ q + w

v3 = ½ q + w

 

com,

                        w = √[(½ q)² – (⅓p)³]

 

e uma vez que:

                        x = u + v = ∛(½ q –w) + (½ q + w)           

Mas agora surgiu uma nova dificuldade. A diferença sob o sinal da raiz em (8) pode tornar-se negativo. Neste caso, os assim chamados “casus irredutibilis”, sem raiz quadrada são possíveis. Já, a equação pode ser resolvida em números reais. Elas podem se obtidas como segue.

            No “casus irredutibilis” podemos escrever w = (-c). As duas expressões (½ q + w) e (½ q - w) são conjugados complexos. Para a primeira raiz cúbica em (9), nós temos três possibilidades: a raiz pode ser multiplicada por uma raiz cúbica em (9) tem que escolher conjugado complexo para o primeiro, assim a soma é sempre real, sem importância do qual das três possibilidades é escolhida.

            Cardano conheceu também esta dificuldade, no capítulo 1 do “Ars Magna” ele apresenta uma discussão completa das raízes de números positivos ou negativos de equações cúbicas dos tipos (1), (2) e (3). Ele conhece que nos casos  (2) e (3), se (⅓p)³ excede (½ q)², há todas em todas as raízes reais. Contudo, explanando a solução por meio de raízes cúbicas, ele cuidadosamente evita o “casus irredutibilis”.

            Em todos estes exemplos, w é sempre uma raiz para um numero positivo, e há somente uma raiz (positiva).

            No “casus irredutibilis” tem-se que extrair somente uma raiz de um numero negativo. Tal raiz quadrada, o qual nós chamaremos agora “imaginárias”, ocorre também em outro capítulo do “Ars Magna”.

            Até onde é conhecido, Cardano foi o primeiro a introduzir números complexos

a + (-b).

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Abaixo uma ilustração da folha de rosto do “Ars Magna”, de Cardano:

 

 

           

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

A seguir uma página do Ars Magna, de Cardano:

 

 

 

 

 

(iv)             Rafael Bombelli

 

Algebrista italiano nascido em Bologna, o mais importante da história da matemática da Itália, pioneiro no estudo sobre os números imaginários: sua principal publicação sobre álgebra, Álgebra, composta de cinco volumes, e com os livros IV e o V incompletos, só foi editada (1573) no ano seguinte à sua morte. O mais velho dos seis filho de Antonio Mazzoli, cuja família havia chegado a Bologna no século anterior (1443). Com o controle da cidade tomado de Giovanni II Bentivoglio pelo papa Júlio II (1506), seu pai envolveu-se numa tentativa de retomado do poder pelos antigos governantes, os Bentivoglios, porém foram derrotados (1508), os cabeças dos Bentivoglios executados, sua família exilada e todos os bens confiscados. Após vários anos de exílio os Mazzoli foram perdoados e Antonio Mazzoli pode voltar para Bologna, recuperar as propriedades da família e se tornou um bem-sucedido negociante no ramo de lãs. Embora não tenha tido educação universitária, mudou seu nome para Bombelli, na tentativa de disfarçar sua descendência e, depois de várias atividades menores, passou a trabalhar para um nobre romano, Alessandro Rufini, futuro bispo de Melfi. Neste período interessou-se por matemática e envolveu-se na coqueluche da época que era a solução das cúbicas e quárticas, envolvendo del Ferro, Fior, Tartaglia, Cardano e Ferrari, terminando com o encontro entre  Ferrari e Tartaglia, em Milão (1548). Estudou matemática com o professor Pier Francesco Clementi (1548), que era ligado ao papado, e quando seu patrão adquiriu os direitos sobre a região do Val di Chiana (1549), que passara a pertencer aos Estados Papais, ele foi encarregado de demarcar as fronteiras (1551-1555), quando teve de interromper os serviços pão causa de uma reclamação dos vizinhos fronteiriços. Foi nesse período, enquanto aguardava o recomeço das demarcações, que resolveu escrever seu famoso livro de álgebra, partindo dos estudos de Cardano. Ele começou a escrevê-lo quando o trabalho em Val di Chiana ainda estava suspenso (1557). Quando o trabalho recomeçou (1560) o livro ainda estava sendo escrito. Após uma visita ao professor da Universidade de Roma, Antonio Maria Pazzi, este lhe mostrou um manuscrito de Diofanto, Aritmética, que o deixou encantado e os dois resolveram fazer uma tradução, porém no seu livro III, a despeito de 143 dos 272 problemas existentes serem baseados nos escritos de Diofanto, ele não deu os devidos créditos ao grande matemático grego. Desafortunadamente morreu, provavelmente em Roma, antes de completar os livros IV e V, porém sua criação mudou a história da álgebra. O pesquisador Bortolotti encontrou seus manuscritos numa biblioteca de Bologna (1923) e republicou seus cinco livros (1929).                  

Antes de falar um pouco de sua Álgebra, vamos mostrar sua contribuição para as notações algébricas modernas:

 

                  Vamos falar mais da obra dele e de alguns aspectos matemáticos.

            Bombelli admirava muito o “Ars Magna”, mas ele decidiu que Cardano não tinha sido claro em sua exposição. Assim ele decidiu escrever um tratado que capacitaria um iniciante na disciplina.

            O livro I da Álgebra de Bombelli trata de cálculos de raízes cúbicas. Muito notável é esta aproximação de raízes quadradas por frações contínuas. Para a aproximação de 2, Bombelli escreve:

 

                             2 = 1 + 1/y.                                                                         (1)

 

                       Desta ele acha:

 

                                   Y = 1 + 2                                                                (2)

 

            Por adição de 1 em ambos os lados de (1), obtemos:

 

                                   y =  2 +1/y                                                                 (3)

 

            Substituindo (3) em (1) Bombelli acha:

 

2 = 1 + 1/(2 +1/y).

 

                        A seguir, escreve-se a fração continua como:

 

                                               1 + 1/(2+).1/ y.

 

                        Continuado neste caminho, Bombelli obtêm frações contínuas infinitas:

 

                                               2 = 1 +  1/(2+)1/(2+)1/(2+) ... .

Se depois de um número finito de passos, negligenciou 1/y, obtemos uma aproximação de 2, a saber:

1 + ½ = ⅔

1 + 1/(2+) ½ = 7/5

 

            e assim segue.

Bombelli aplica o mesmo método para outras raízes quadradas tais como (13). Ele obtêm uma primeira aproximação:

 

(13) ~ 3 + 4/6 = 3.3/2

 

O capítulo 2 da Álgebra de Bombelli trata com equações de grau 4. Para cúbicas ele segue Cardano. Em contraste com Cardano, ele discute complemente o “casus irredutibilis”. Resolvendo a equação:

 

            x³ = 15x + 4                                                                                                  (4)

 

            pela regra de Cardano, ele acha:

 

                     x = ∛(2 + √(- 121)) + ∛(2 - √(- 121))                                  (5)

 

            Seguindo Cardano, Bombelli chama de raiz imaginária “sophistic” mas ele nota que a equação (4) é pelo significado impossível, por ter quatro raízes.

Ele agora investiga quando pode atacar um significado para raízes cúbicas de um número complexo. Mais precisamente, ele experimenta tentar igualar a primeira raiz cúbica de (5) com um complexo p + √(-q):

 

∛(2 + √(- 121)) = p + √(-q)                                                                                   (6)

 

                        Isto dá:

 

                        2 + √(- 121) = (p³ – 3pq) + (3p² - q)√(-q)   

 

                        Esta equação pode ser satisfeita por:

 

                        2 = (p³ – 3pq)                                                                          (7)

√(- 121) = (3p² - q)√(-q)                                                                                          (8)

 

                        Agora, se estas duas condições são satisfeitas, temos:

 

                        ∛(2 - √(- 121) = p - √(-q)                                                                       (9)

                              

            Multiplicando (6) e (9), Bombelli obtêm:

 

                       ∛125 = p² + q

ou

                   q = 5 - p²                                                                  (10)                             

            Substituindo este em (7), obtemos uma equação para p:

                       4p³ - 15p = 2.                                                                                   (11)

            Uma solução desta equação é p = 2, e de (10), temos:

 

                        q = 5 – 4 = 1,

 

assim temos:

 

                       ∛(2 + √(- 121) = 2 + √(-1)

e,

                       ∛(2 - √(- 121) = 2 - √(-1)

 

portanto:

                      

x = ∛(2 + √(- 121) + ∛(2 - √(- 121) = (2 + √(-1) +>

(2 + √(-1)) = 4.

 

            Depois de ter este resultado, Bombelli estava satisfeito. Ele escreveu:

“No primeiro, a coisa pareceu-me ser baseada mais sobre sofismo que sobre verdade, mas eu procuro até criar a prova”.

            Bombelli introduz uma notação para o qual chamamos de (+ i), a saber: più di meno, e para (-i), meno di meno. Ele apresenta regras de cálculo tais como:

meno di meno uia men di meno fà meno, o qual significa,

 

(-i)x(-i) = -1,

 

e alguns exemplos de cálculos envolvendo números complexos.

Na página seguinte a capa do livro “A álgebra” (1579), de Bombelli.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Outra página do “Álgebra”:

(v)               Ludovico Ferrari.

 

Ludovico Ferrari (1522-1560) nasceu em Bologna. Foi o mais famoso dos discípulos de Cardano. De origem muito humilde foi trabalhar como servo na casa de Cardano quando tinha 15 anos. Sua inteligência foi logo reconhecida e logo ocupou o cargo de secretário. Seu gênio incontrolável gerava constantes atritos com Cardano, mas apesar disso, eram amigos e colaboradores. A partir dos 18 anos, Ferrari passou a ensinar por conta própria em Milão e sob a proteção do Cardeal de Mantôva, alcançou posições que lhe proporcionavam boa renda. Aos 38 anos tornou-se professor de matemática na Universidade de Bologna e em seguida veio a falecer, provavelmente envenenado pela própria irmã.

Ferrari descobriu que a equação de quarto grau poderia ser reduzida a equações cúbicas e uma vez resolvida por raízes quadráticas e cúbicas. Cardano explicou a Ferrari o método do capítulo 39 do “Ars Magna”.

Como era costume na época os matemáticos proporem desafios uns aos outros, um certo Zuanne de Tonini da Coi propôs uma questão que envolvia a equação

x4+ 6x2- 60x + 36 = 0

Após inúmeras tentativas sem êxito, Cardano passou a questão a Ferrari, que encontrou um método geral para a solução das equações do 4º grau. Tal método foi publicado por Cardano em Ars Magna.

Eis o raciocínio:

A equação geral do 4º grau ax4 + bx3 + cx2 + dx + e = 0 sempre pode ser transformada em outra do tipo
y4 + px2 + qx + r = 0 fazendo x = y + m de modo a anular o termo de 3º grau
Ferrari olhou para a equação x4 + px2 + qx + r = 0 e procurou completá-la de modo a fatorá-la num quadrado perfeito. Se tal agrupamento fosse possível , seriam extraídas as raízes quadradas e o problema recairia na solução de equações de 2º grau. Completando a equação temos :

x4 + (p + a)x2 + (r + b) = ax2 - qx + b

para que os dois lados sejam quadrados perfeitos, é preciso que os descriminantes sejam iguais a zero simultaneamente

o que é uma equação do 3º grau em a . Como as equações de 3º grau podiam ser resolvidas ( formula de Cardano) , acha-se a e em seguida b e extraem-se as raízes quadrada

Para cada alternativa de sinal + ou - tem-se uma equação do 2º grau, ambas com duas soluções. Portanto o método fornece 4 raízes.

            O grande mérito de Ferrari foi demonstrar que a solução das equações de 4º grau eram possíveis somente com operações algébricas.

 

 

 

(vi)             Conclusão

 

Cardano e Ferrari estavam numa posição privilegiada, pois tinham feito descobertas extremamente importantes, mas não publicaram, porque Cardano tinha jurado não publicar a solução de Tartaglia para cúbicas, o qual formava a base seu trabalho.

No ano de 1543, Cardano e Ferrari decidiram ir a Bolonha e perguntar a Nibale della Ferro se era verdadeiro que o rumor que Scipione Del Ferro tinha descoberto a solução de equações cúbicas antes que Tartáglia. Eles tiveram permissão e examinaram os artigos póstumos de Scipione, no qual a solução era claramente explanada.

Agora Cardano decidiu publicar a solução das equações no livro “Ars Magna” (1545) e ficou claro que a solução tinha sido descoberta por Scipione Del Ferro e redescoberto por Tartáglia, que ele mesmo tinha estendido a solução para as equações (2) e (3), e que a solução das biquadradas era devido a Ferrari.

Tartáglia ficou furioso. Antes de um ano ele publicou a história do julgamento, com todos os detalhes, incluindo o texto do juramento.

 

 

(vii)           Tópico avançado: O segredo das cúbicas revelado.

 

Neste apêndice, daremos a solução das equações cúbicas, que é essencialmente de Del Ferro, Tartáglia e Viète.

            Primeiro vamos ver que números complexos x + iy podem ser escritos na “forma polar” r(cosA + isenA), quando r é um número real ≠ 0. Assim, temos:

                        cos 3A= cos3A – 3 cos A sen2 A

                        sen 3A= 3 cos2A sen A – sen2 A

segue que:

                        (r(cosA + isenA))3 = r3 (cos 3A + i sem3A).

            Agora seja w = (-1 + Ö(-3))/2. Podemos mostrar que:

(i)                  w2 = (-1 - Ö(-3))/2.

Temos: w2 = [(-1 + Ö(-3))/2]2 = ¼ - Ö(-3)/2 –3/4 = -1/2 - Ö(-3)/2 =

= [-1 - Ö(-3)]/2.

 

(ii)                w + w2 = -1.

Temos:

                                   w + w2 = (-1 + Ö(-3))/2 + [-1 - Ö(-3)]/2 = -2/2 = -1.

(iii)               w - w2 = Ö(-3)

Temos:

            w - w2 = (-1 + Ö(-3))/2 - [-1 - Ö(-3)]/2 = Ö(-3).

(iv)              w3 = 1.

Temos:

            w3 = w2.w = [-1 - Ö(-3)]/2 . (-1 + Ö(-3))/2 = ¼ - (-3)/4 = 1.

            Seja s um número real e seja a raiz cúbica do número real. A equação x3 – s = 0 terá 3 soluções, que serão: t, tw, tw2. Então:

                        x3 – s = (x – t)(x – tw)(x - tw2)

(v)                (x – t)(x – tw)(x - tw2) = x3 - tw2x2 - twx2 – tx2 + t2w3x + t2w2x  - t2wx   – t3w3

= x3 + x2(- tw2 - tw - t) + x(t2w3 + t2w2 + t2w) – s = x3 + x2(-t) ( w2 +w +1) –

- x(t2) (w3 + w2 + w) – s = x3 – s.

 

A cúbica geral tem a forma:

                        x3 + ax2 + bx + c = 0

onde a, b, e são reais. Colocando x = y – a/3 (descoberto por Tartáglia), esta equação torna-se:

                        y3 – 3py – 2q = 0,

onde: p = (a2 – 3b)/9 e q = (- 2a3 + 9ab – 27c)/54.

            Agora vamos mostrar a afirmação acima:

            Se p ou q é 0, a solução é trivial. Suponha que não é assim.

            Suponha x = y – a/3. Vamos substituir na equação cúbica geral:

            x3 + ax2 + bx + c = 0

            (y – a/3)3 + a(y – a/3)2 + b(y – a/3) + c = 0 => y3 – 3y2a/3 + 3ya2/9 – a3/27 + ay2 – 2ya2/3 + a3/9 + by – ba/3 + c              => y3 + y(3a2/9 - 2a2/3 + b) + (– a3/27 + a3/9 - ba/3 + c) =

y3 + [(- a2 + 3b)/3]y + [(2a3 - 9ba + 27c)/27 = 0

=> y3 + [(- a2 + 3b)/9]y + [(2a3 - 9ba + 27c)/54 = 0 => y3 – 3py – 2q = 0.

            Seja u e v (possivelmente não reais) raízes de z2 –yz + p (quando y3 – 3py – 2q = 0). Então u + v = y e uv = p. Substituindo u + v por y em y3 – 3py – 2q = 0, obtemos:

            u3 + v3 + 3(uv – p)(u + v) – 2q = 0

            Mostremos o fato acima:

            y3 – 3py – 2q = 0 => (u + v)3 – 3p(u + v) – 2q + v3 = 0

ð      u3 + 3u2v + 3uv2 – 3pu – 3pv – 2q = u3 + v3 + 3(uv – p).(u + v) – 2q = 0.

Como uv = p, encontraremos u3 + v3 = 2q.

Além disso, u3v3 = p3, segue que u3 e v3 são soluções de:

            w2 – 2qw + p3 = 0.

Temos então que:

u3 = q + Ö(q2 – p3) e v3 = q - Ö(q2 – p3 ).

Então como y = u + v = u + p/u, x = u + p/u – a/3, onde u é uma das raízes cúbicas de q + Ö(q2 – p3). Se uma destas raízes é u1, então as outras são u1w e v1w2. Seja

v1 = p/u1, então:

            u1w + p/(u1w) = u1w + v1w2

            v1w2 + p/(v1w2) = v1w2+ v1w.

            Portanto, a cúbica possui as três raízes:

            u1 + v1 – a/3

            u1 + v1w2  - a/3

            u1w2  + + v1w - a/3.

 

 

 

 

 

 

 

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