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José de Anchieta:
o biógrafo e o biografado

 
Dulce Maria Viana Mindlin
Universidade Federal de Ouro Preto

 
Biography is a major commitment, no matter who
the subject is, and to immerse oneself so totally
in someone else�s point of view means merging
on several levels with that person�s life.
Katherine Ramsland

É por demais conhecido o poema De Beata Virgine Dei Matre Maria, de José de Anchieta, pelas circunstâncias verdadeiramente inusitadas de sua enunciação: escrito durante um cativeiro, no qual o jovem jesuíta se oferecera para ficar entre os Tamoios, como refém, enquanto eram negociadas as pazes, na Capitania de São Vicente, entre os portugueses e os chefes da tribo, que se sentiam ameaçados e estavam em pé de guerra.

O poema, uma longa narrativa lírica escrita em dísticos elegíacos, tem como protagonista a Mãe de Jesus, de quem Anchieta se põe como biógrafo, na mais perfeita modelização artística, como quer Iuri Lotman. Construindo em versos a persona Virgem Maria, desde a sua concepção até a chamada dormição, vai o poeta tecendo em linguagem todos os episódios de sua vida, para o que, na falta de fontes bibliográficas, dada a situação de exilado em que se encontrava, apela para a memória e para a imaginação � por exemplo, quando se dispõe a narrar a visita que fez Jesus a sua mãe, após a Ressurreição, fato não relatado nos Evangelhos, como sabemos:

Deixa os prantos, ó mãe! Jesus vive, o guerreiro
que te arrancou do peito o sofrimento inteiro!
(...)
És a primeira a quem vem o filho saudar:
cabe à mãe, nesta glória, o primordial lugar.
Primeira a vê-lo vivo: ele sempre em teu peito
viveu e honra-te a fé com seu primeiro preito.
Primeira a recebê-lo em triunfo: na dor
cabe o primeiro gozo ao peito sofredor
(...)
Eis que teu filho vive e te abraça e te beija:
dá-te a doce canção que seu falar despeja.
(...)
Mãe feliz! Com razão, céu e terra perplexos,
em suas amplidões, olham-te genuflexos.
(Anchieta 1988-2, p. 191,193)

Anchieta forja, dessa maneira, aquela necessária referencialidade ficcional que vai fazer de sua narrativa uma forma de conhecimento, pela própria etimologia do narrar (= conhecer, do latim gnarus, sabedor, conhecedor): não contando com fontes documentais, ele usa a imaginação, como mencionei, e não só para preencher, como narrador, eventuais lacunas da biografia que escreve, como ainda para cumprir determinações eminentemente jesuíticas, contidas nos Exercícios Espirituais, justamente no que toca à composição (no caso do excerto a seguir, da do inferno, pelo exercitante):

El primer preámbulo composición,
que es aquí ver com la vista de la imaginación la longura,
anchura y profundidad del infierno
(Loyola 1991, p. 241).

Como se vê, através da imaginação, Anchieta vai compor, narrativamente, um mundo possível, aquele no qual será viável a identificação do leitor com o objeto narrado, posto que o pacto de verossimilhança não será jamais rompido. Se é consenso que o biógrafo, pela sua própria atividade, tem uma tarefa quase sagrada, a de "criar vidas", será consenso também que a biografia, em si, é uma falácia, uma vez que o sujeito "real" não poderá jamais ser capturado pela escrita de qualquer outro. O que fica de tudo isso é uma tentativa de aproximação, que será tanto mais bem sucedida quanto maior for o talento do biógrafo em criar essa "ilusão de vida", o que ele faz através de uma forma que atinja o leitor do modo mais atraente (a escolha da linguagem mais adequada e de lentes que dilatam ou reduzem episódios da existência do ser biografado, ou mesmo quando os ignoram ou suprimem) . Daí que, no exemplo citado, a aparição de Jesus ressuscitado à Virgem Maria não cause a menor estranheza, porquanto é mais que verossímil que um filho visite primeiro sua mãe ao retornar de qualquer viagem1.

Anchieta lida exemplarmente com todas as possibilidades de construção dessa persona poética, seja quando, como biógrafo autorizado, usa esse poder para a construção de um real que conscientemente quer estabelecer (e portanto quando, ao trabalhar com o imaginário, leva à construção de um saber), seja quando não se furta a ser, também ele, outra persona poética, aquela que vai permitir a fusão dos horizontes, tanto o do leitor com o do enunciador do texto, quanto o desse enunciador com a matéria de sua narração. E é assim que ele, mais uma vez seguindo as diretrizes dos Exercícios Espirituais, vai compartilhar a experiência daquela cuja vida está narrando. Vejamos o episódio da morte de Jesus. Após narrar toda a reação da Virgem aos sofrimentos pelos quais passou seu Filho, vai o poeta envolver-se, também ele, nesse sofrimento, e mais, vai fazer ainda um verdadeiro ato de contrição, correspondendo à regra inaciana de proposta de emenda2. Dirigindo-de à Virgem, diz ele:

Quem te enublou o peito em tão fúnebreluto,
e deu-te o coração tão acerbo fruto?
Por que afeiam teu rosto esses prantos a fio,
e dos olhos te mana esse abundante rio?
(...)
Quem te cravou no peito essas rijas espadas,
e as veias te fincou com flechas tão aguçadas?
Bem o sabes, meu crime é que fez essas chagas,
vibraram golpes tais as minhas mãos aziagas!
(...)
Eu a lei infringi, ele em sangue se alaga!
Eu desprezei o Pai, é ele quem o paga!
(...)
Eu rogo, ó mansa, a ti, pelas chagas sem brilho
que eu fiz no filho, e em ti fez teu amor ao filho,
Faze que, todo em sangue, eu mil chagas suporte,
e com Deus, por meu Deus, sofra terrível morte!
(Anchieta 1988-2, p. 183-185)

Vê-se, pois, que a relação entre o biógrafo e o(a) biografado(a) é um ponto crucial: é a partir dessa relação que o texto se fará, na enunciação simultânea da vida do biografado, da do biógrafo (pelo compartilhar da experiência, como vimos) e da relação entre essas duas vidas. O tom da narrativa será, então, o elemento que vai permitir que o biógrafo se coloque, também ele, no centro daquilo que narra, e não apenas como mediador, mas como um privilegiado analista-intérprete que, ao descortinar os horizontes da vida do ser biografado, identifica-se com esse objeto, colhe atmosferas, recupera sensações, enfim, apreende o real do outro pela ativação do real de seu próprio eu. É por isso que a biografia, especialmente a artística, como este Poema à Virgem, é sempre muito mais do que o relato de uma sucessão de "casos", ou de uma coleção de aspectos: a biografia quer ser vida, na sua incessante busca de significações que o narrar é capaz de construir, a despeito de todas as suas dificuldades e falácias. E é por isso também que o biógrafo é muito mais do que um simples contador de histórias; ele é um artista que, através de seu trabalho, vai criar aquela já mencionada ilusão de vida, abrindo caminho para descobrir "a vida por detrás", aquela que não está documentada, mas que vibra intensamente ao ser compartilhada por este criador, e que "responde" a todos os apelos de sua imaginação, daí seu caráter indubitavelmente orgânico, que inclui uma busca de autocompreensão empreendida pelo biógrafo através da identificação com a vida focalizada por suas lentes3.

Talvez seja por essa razão que o biógrafo, como qualquer narrador, escolha com tanto cuidado a perspectiva a partir da qual os fatos serão contados. Dependendo dessa perspectiva, a focalização poderá ser mais ou menos aproximada, de acordo com a relação de afinidade existente entre ele e o sujeito da matéria a ser narrada, bem como de acordo com o tipo de informação que ele quer comunicar ao leitor, que passará a "ver" aquilo que ele, biógrafo, está vendo, ou melhor, contemplando4. Isso se dá não apenas em um caso como o do Poema à Virgem, dadas as implicações eminentemente jesuíticas da enunciação5, mas de modo geral em qualquer texto de biografia, pelo menos da artística, porquanto nesta a focalização é muito mais interpretativa, uma vez que o biógrafo adapta o ser biografado a instâncias de seu próprio gosto, ou a instâncias que lhe interessa narrar para que se possam estabelecer ilações previamente projetadas. Anchieta, como biógrafo da Mãe de Jesus, não foge à regra: é bastante freqüente a relação direta entre os episódios da vida da Virgem Maria e algumas passagens de sua própria vida6.

Assim, a experiência compartilhada acaba por ser um elemento fundador da própria escrita da biografia que, dessa maneira, sempre contém fortes elementos autobiográficos, quaisquer que sejam as balizas de identificação � históricas, interpessoais, religiosas etc. Nesse sentido, é bom lembrar, a escrita da biografia parece ter sido uma experiência bem interessante para Anchieta, tanto que ele, mais tarde, vai continuar essa prática, desta vez identificando-se com seus companheiros da Companhia de Jesus, de cujas vidas irá narrar episódios nos quais se destacarão as qualidades que faziam deles exemplares jesuítas: em Manuel da Nóbrega, ao lado dos dotes de administrador, de pregador, de justiceiro, a vivência em pobreza, castidade e obediência, de acordo com as Regras; em Diogo Jácome, principalmente a humildade e a obediência; em Manuel de Paiva, a candura, a oratória, a dedicação aos trabalhos religiosos, a obediência; em Salvador Rodrigues, a devoção à Virgem e a obediência; em Fernando Pires, a virtude, a paciência, os dons de catequista; e em Gregório Serrão, o zelo na ajuda às almas, na conversão dos índios, no exercício da pobreza.

Como se vê, acaba por ser uma constante na Companhia de Jesus a prática de biografar, sem dúvida para reforçar, pelo exemplo, o que pontificavam os textos escritos pelo fundador Inácio de Loyola. E se Anchieta não escapa à regra como biógrafo, igualmente não lhe escapará como biografado: são inúmeras as biografias do Taumaturgo, e que vão de simples registros inseridos em obras de outra configuração, até aquelas em que o canário ocupa o lugar de protagonista focalizado pelas lentes as mais amplificadoras de seus passos e dos resultados que obteve em sua vivência brasileira. A síntese feita pela Profa. Maria Aparecida Ribeiro, da Universidade de Coimbra, é das mais felizes:

Morto em 9 de junho de 1597, o Padre José continuava a operar as maravilhas que fizera em vida. Chamado, durante as suas exéquias, "O Apóstolo do Brasil" pelo Padre Bartolomeu Simões Pereira, faltava ser reconhecido como santo. A primeira providência foi escrever uma memória da sua vida, uma Breve Relação, elaborada, em 1598, pelo Padre Quirício Caxa, e utilizando os depoimentos de vários jesuítas, por iniciativa do Provincial Pero Rodrigues. Depois, o espírito agudo e sensível do Padre Fernão Cardim levaria a que, pelo próprio punho de Pero Rodrigues, viesse a ser escrita, em 1607, uma outra biografia, mais ampla que a primeira e incorporando testemunhos de "pessoas antigas e graves" não pertencentes à Companhia de Jesus. Esta imagem de Anchieta foi-se repetindo, reflectindo e refazendo em outros textos � todos biográficos � que os jesuítas publicaram na Europa durante o século XVII: o de Berettari, que serviu de base ao de Estêvão Paternina (1617), o de Pierre d�Oultremann (1619), o de Longaro degli Oddi (1638), o de Battista Astria (1643) e o de Simão de Vasconcelos (1672) (Ribeiro VII-VIII).

Na impossibilidade de entrar em maiores minúcias, por injunções de espaço e tempo, deter-me-ei em algumas passagens de algumas das obras mencionadas, e que de fato se mostram como um verdadeiro denominador comum, uma vez que, de uma forma ou de outra, acabam sempre por destacar as qualidades de caráter, as virtudes e o zelo missionário do Taumaturgo do Brasil, e mesmo as razões pelas quais essa expressão tão bem lhe cabe. O jesuíta Longaro degli Oddi diz, por exemplo, no "Avvertimento" que faz à sua Vita del Venerabil Servo di Dio P. Giuseppe Anchieta:

I doni sopranaturali, e gratuiti, co� quali Iddio illustrar volle la Vita del suo fedel Servo, tanti fono in numero, e cosi sorprendenti, da formar essi foli da fe un intiero, e grosso volume (Oddi 4-5).

Na mesma clave é possível ler-se o texto de Simão de Vasconcelos que, na sequência das declarações de Oddi, relata alguns dos milagres do "Santo Canário". Vejamos um exemplo:

Parira uma índia, e vinha expirando a criatura, tratavam sepultá-la; a este tempo chegou José, pediu-a, batizou-a, e cobrou logo vida; chamou-lhe Maria, entregou-a a seu pai, que era um filho de Pindobuçu, por nome Quiraaobuçu. Foi caso este maravilhoso de que ficaram pasmados os índios (Vasconcelos 1977-II 95 [grifos meus]).

Naturalmente que o autor da Crônica da Companhia de Jesus não deixaria por menos a enumeração de outros fatos considerados milagrosos e que tiveram como protagonista José de Anchieta7. O que importa inferir é a intenção deliberada de salientar a santidade do Apóstolo, no que se destaca, quanto à técnica da narrativa, mais do que as ações propriamente ditas do ilustre biografado, o olhar de um focalizador interessado, que faz com que a apresentação dos episódios trazidos ao texto seja uma verdadeira interpretação, comprometida, é claro, com todas as injunções do ponto em que se encontra esse sujeito focalizador que, embora narre em terceira pessoa, não constrói jamais uma apresentação "objetiva", já que o que o leitor será informado através de um certo modo de dizer, e mais, de concluir: o pasmo dos índios diante das "maravilhas" operadas por Anchieta, para ficar com um exemplo. Mais uma vez, será possível observar aquela fusão de horizontes já mencionada neste trabalho: pelas lentes de Vasconcelos, forja-se um bloco indivisível na mente de todos os envolvidos no processo da enunciação: a reação dos índios é relatada de modo a suscitar, no leitor, uma reação similar diante dos fatos narrados, nos quais o destaque é para os dons sobrenaturais de Anchieta, a fim de que a linha de continuidade discursiva da Companhia de Jesus (cf. Oddi, retrocitado) não sofra qualquer esgarçamento.

Considerando, pois, a dinâmica da focalização, será possível ainda dizer que, na verdade, a maneira como é apresentado o sujeito de quem se fala diz muito mais do sujeito que constrói o texto do que do objeto narrado, independente de seu status (real ou fictício), pois é na enunciação que se revelam as simpatias, as antipatias, as reverências e as preferências daquele que detém um poder sem precedentes, o de dono do discurso. Talvez seja por isso que todos os escritos sobre José de Anchieta, principalmente aqueles produzidos por padres jesuítas, sejam detentores de uma irrefutável unanimidade: o Taumaturgo do Brasil, por suas qualidades verdadeiramente ímpares, é um Santo de altar, embora neste momento ainda não reconhecido pelo Vaticano. E, se partirmos dessa premissa, não será difícil entender por qual razão as biografias de José de Anchieta são tão próximas das demais vidas de santos da Igreja Católica, especialmente por seu caráter de exemplaridade, cujos resultados catequéticos eram os mais evidentes: a ênfase nas ações diretas, a simplicidade da linguagem, a ausência de ambigüidades, a tentativa de fazer a linguagem representar de fato a vida do biografado. Tudo isso contribui para que os programas missionários da Companhia de Jesus sejam mais e mais alimentados com o valor dos exemplos extraídos da vida desse Santo, cujas ulteriores biografias serão escritas também por pessoas pertencentes à mesma comunidade de fé, embora nem sempre necessariamente jesuítas. É possível citar, como ilustração, aquela composta por Jorge de Lima que, curiosamente, nega a seu texto a pretensão biográfica8, mas que narra a vida de Anchieta desde seu nascimento até sua morte. Levando em conta o ponto de focalização deste escritor � o catolicismo, a devoção ao Taumaturgo, a vontade de dar um testemunho que contribuísse para o processo de canonização � será então possível acompanhar alguns de seus evidentes arroubos, como o do final:

A última viagem ia ser de dezoito léguas num ataúde, de Reritiba à vila do Espírito Santo. Botaram o cadáver numa caixa de cedro, levaram nos ombros. Levinho, levinho; não acharam nenhum peso no corpo do Santo Apóstolo. Padre João Fernandes ia na frente, de alva e estola, e acompanhando o ataúde chorava baixinho uma multidão de gente, curumins, morubixabas, mulheres, tudo, tudo. (...) Entraram na vila, e já parecia que levavam um andor. Depositaram o corpo na igreja da Companhia. No dia seguinte foi celebrada missa cantada, pregando mesmo o administrador, o qual proclamou em José de Anchieta o Apóstolo do Brasil. Porém quando se abriu o ataúde, verificou o superior que não havia podridão. A satisfação do povo à vista do fenômeno pagava à tristeza do luto. São José de Anchieta! (Lima 167 [grifos meus]).

A narrativa biográfica, neste caso, assume um caráter de interpretação mais do que comprometida: o "eu" que enuncia o discurso acentua a sua opinião como focalizador, através do uso de uma linguagem explicitamente afetiva, na qual são expostos todos os seus sentimentos de reverência e de simpatia. E mais que isso: a menção explícita ao andor já prepara o leitor para a finalização de certa forma apoteótica: "São José de Anchieta!".

O mesmo vai ocorrer com inúmeros outros biógrafos de Anchieta, jesuítas ou não. A unanimidade a que já me referi acaba por prevalecer em todos os discursos que, hoje, extrapolam o simples signo verbal: são incontáveis as biografias do Taumaturgo em formatos os mais diversos: peça de teatro, filme de longa metragem, história em quadrinhos. Em todos, a mesma dinâmica, que não se afasta nem um pouco da tradicional hagiografia: a ênfase no apego do Santo às virtudes teologais (fé, esperança e caridade), às virtudes morais (justiça, prudência, estoicismo, temperança) e às especificidades puramente religiosas, jesuíticas (votos de pobreza, castidade e obediência). Em destaque, sempre, a descrição de seus milagres, o que de fato, pode levá-lo à canonização. As biografias serão, neste caso, testemunhos poderosos em todo esse processo. Enquanto isso não ocorre, a comunidade anchietana terá que conviver mais algum tempo com o título de Beato para o objeto de sua veneração, e reverenciá-lo por suas relíquias, por sua lembrança, por sua presença espiritual e até material, se considerarmos a obra que deixou escrita, na qual também será possível perceber elementos de uma biografia, ou melhor, de uma autobiografia, como mencionei na primeira parte deste trabalho.

Nesse sentido, não é possível deixar de mencionar suas cartas, seus relatórios, suas notícias e até seus escritos de cunho histórico, já que a marca da enunciação haverá sempre de revelar sentimentos, preferências, enfim, elementos de sua personalidade, a partir das escolhas que faz, considerando as circunstâncias e a sua própria experiência. Mas, considerando a totalidade dos textos de Anchieta, dois serão paradigmáticos no que toca a uma específica autobiografia: o Poema à Virgem e o auto Na Visitação de Santa Isabel. No primeiro, como vimos, pela explicitude com que compõe seus colóquios, que revelam o que de mais íntimo lhe passava pela alma, na contemplação dos diversos episódios da vida da Mãe de Jesus, e ainda na relação que estabelece entre esses episódios e os de sua própria vida. No segundo, pelo caráter ficcional que imprime ao texto, como que a desculpar-se pelo fato de compor esta nova persona a partir da vontade de deixar perenizada, também no teatro, aquela tão forte relação com aquela a quem fizera solenes votos de eterna castidade. Mas aqui será interessante que nos detenhamos, pouco que seja, nas circunstâncias da enunciação, porquanto serão elas verdadeiramente determinantes na construção da personagem que pode ser lida como o próprio José de Anchieta, que vai criar um mundo narrativo mais do que funcional como objeto de referência, no qual ele, o autobiógrafo, adquire, como as outras personagens, uma função dramática.

Em maio de 1597 está então Anchieta com sessenta e três anos, recolhido a Reritiba, o lugar de que mais gostava, tendo deixado suas funções de Provincial e Superior por encontrar-se doente e muito enfraquecido. Para atender a um pedido da Confraria da Misericórdia de Vila Velha, cuja capela deveria ser inaugurada em 2 de julho, ele escreve esta peça que se pode chamar de um autêntico auto de devoção � e não poderia ser outra a razão por que o criava: era a última oportunidade para deixar gravado, mais uma vez, o seu testemunho de amor àquela a quem já tinha dedicado a sua obra-prima, trinta e quatro anos antes.

Do ponto de vista narrativo, tem-se, pois, uma certa "insularidade situacional"9, de certo modo relacionado ao conceito de frame10, e que será determinante de vários dos detalhes de composição do auto: quanto ao tempo, a circunstância de premência, por achar-se à beira da morte o autor do texto; quanto ao espaço, a alusão explícita à capela onde se devia representar o auto; quanto ao enredo, a recapitulação de um episódio dos mais conhecidos da História Sagrada; e quanto às personagens, a presença de Santa Isabel, protetora das Santas Casas, em Portugal e no Brasil; da Virgem Maria, trajada com o vestido e o manto da Misericórdia; e do Romeiro Castelhano, alter ego do próprio Anchieta.

Outros detalhes da enunciação se mostram ainda interessantes: por um lado, a presença da contemplação, no que Anchieta mais uma vez atualiza exemplarmente os Exercícios Espirituais: a) para trazer à cena a instância da memória, ele usa uma estratégia enunciativa das mais felizes, fazendo com que o Romeiro peça a Santa Isabel as informações de que necessita sobre o pecado original:

R:Este punto es farseado.
Declarádmelo mejor.
I: El niño estaba enlodado
Del original pecado,
Sin sentido ni vigor,
 
Mas viniendo su Señor,
En la Virgen encerrado,
Al punto que fué lavado,
Dió saltos, com gran fervor,
Sin la carga del pecado
(NVSI, vv. 212-222)11

b) para descrever o entendimento, ele faz com que o Romeiro, após conversar com Santa Isabel sobre as maternais qualidades da Virgem Maria, sempre disposta a interceder pelos pecadores, sugira aos habitantes do Espírito Santo que não abram mão de tão preciosa advogada:

R: Por eso los moradores
De aquesta Capitanía
Por alcanzar sus favores
Andan com tantos fervores
En esta su Cofradía.
 
Porque esta santa hermandad,
Que com pobres ejercita
Las obras de piedad,
Ella sempre la visita
Com materna caridad.
(NVSI, vv. 343-352)12

c) por fim, para fechar as três etapas do método preconizado por Loyola, ele explicita a vontade, o que corresponde a um verdadeiro ato de contrição, através do desejo de emendar-se:

R: Pido a la suma clemencia
(pués me hizo acá allar),
me perdone e quiera dar
que haga tal penitencia,
com que la pueda agradar.
 
Que esta tierra, vuestra amada,
Yo creo que siempre llora
A los pies de esta Señora,
Su mala vida pasada,
Que quiere enmendar agora
(NVSI, vv. 364-373)

Vê-se, pois, no que toca à autobiografia, que Anchieta não se exime de marcar presença como jesuíta, numa modelização narrativa verdadeiramente inaciana, bem como não se exime de criar uma persona � o Romeiro � que possa sintetizar tanto a sua mais que declarada devoção à Virgem como ainda a circunstância empírica do momento em que se encontrava. Após promover um diálogo dos mais piedosos entre o Castelhano e a Mãe de Jesus, e dela alcançar uma bênção das mais especiais, ele praticamente se despede da vida, ao despedir-se de sua interlocutora:

R: Pues que Dios en vos se encierra,
De los malos yo, el más malo,
Os pido que, en paz y guerra,
Todo el pueblo de esta tierra
Tratéis com todo regalo.
 
Pártome, sin me partir
De vos, mi madre y señora,
Confiado que, en la hora,
En que tengo de morir,
Seréis mi visitadora
(NVSI, vv. 551-560)13

Se em qualquer autobiografia o fator emocional é presença que não pode e não deve ser escamoteada, uma vez que a busca de autoconhecimento não prescinde de um certo narcisismo, dado pelo específico viés da criação de um sujeito ficcional que represente o sujeito por assim dizer real, é preciso não esquecer que esse "outro" que aparece nada mais é do que a imagem que o sujeito deseja projetar acerca de si mesmo, a partir de uma focalização interna, neste caso sincrônica, na qual a exposição dos sentimentos, dos valores, da visão de mundo e das aspirações do enunciador do texto poderá ser lida como uma verdadeira autocontemplação � e aqui, seja de José de Anchieta, seja do Romeiro Castelhano, o recado que nos fica é o da memória de alguém que trabalhou até o fim de sua vida, o do entendimento de quem jamais se rendeu às dificuldades que se lhe interpunham pelo caminho, e o da vontade inabalável de se afirmar como devoto da Virgem, como jesuíta, como castelhano14 e como poeta, na mais perfeita fusão de horizontes � da vida, da obra.

Canonizado ou não pelo Vaticano, importa mesmo registrar é a sua urgente canonização pelos historiadores da Literatura Brasileira. Se o testemunho de seus biógrafos, nesse sentido, não ajuda muito, pois que a maioria se detém nas qualidades morais e nos milagres que dizem ter feito, é preciso começar a ler os críticos de sua obra, para que se lhe possa fazer a justiça que merece, e que ele nem de longe poderia imaginar quando se via no espelho de si mesmo, autobiografando-se humilde, ou quando, afastando toda pretensão de individualismo, assinava em suas cartas simplesmente "Joseph".


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Schneider, Roque. José de Anchieta � seu perfil e sua vida. São Paulo: Loyola, 1994, 44 p.

Vasconcelos, Simão de. Crônica da Companhia de Jesus. Petrópolis: Vozes, 1977, vol. II, 216 p.

Viotti, S. J., Hélio Abranches. Anchieta, o Apóstolo do Brasil. São Paulo: Loyola, 1980, 342 p.


Notas

1. Cf. o belíssimo sermão do Pe. César Augusto dos Santos, ma Missa que abriu o Encontro Internacional Nóbrega e Anchieta: do Colégio das Artes de Coimbra ao Abraço no Brasil, na Igreja do Pátio do Colégio (São Paulo-SP), em abril de 1999.

2. "Acabar com un coloquio de misericordia, razonando y dando gracias a Dios nuestro Señor, porque me há dado vida hasta agora, proponiendo enmienda com su gracia para adelante" (Loyola 239).

3. Cf. Bal 1985.

4. "I like my subject to be encapsulated in a life, as history is not. (...) Perhaps the thing I am really striving for is empathy. While simpathy merely means fellow feeling, empathy means 'the power of projecting one's personality into, and fully understanding, the object of contemplation'. I can do this only with someone I like" (Longford. 147).

5. Cf. Exercícios Espirituais (Loyola 248s)

6. "Ele nos fala de seu batismo e crisma (v. 665), de sua fé de infância (v. 3447), do ideal de pureza de sua adolescência, cândida talvez como a neve do pico de Teide (v. 1653). Pinta-nos sombriamente os perigos do mundo humanista de Coimbra, que o levaram à resolução do voto de virgindade e à vida religiosa (vv. 629, 3471), seu torpor em executá-lo até a decisão final (vv. 729, 2250). Cheio de gratidão alude à sua entrada na Companhia de Jesus e a seus votos religiosos (v. 901). Sugere veladamente através da Anunciação suas ânsias de salvação do mundo pelas missões (v. 1061), seus serviços humildes no Brasil, como os de Maria na Visitação (v. 2125). Parece descrever no alpendre de Jesus a cabana do Colégio de Piratininga (vv. 2509, 2521), a renovação de seus votos na adoração dos magos (v. 31630. Revela sua detestação da heresia negadora da virgindade de Maria na diatribe contra Helvídio e Calvino (vv. 1671, 1733) e o afeto de toda a sua vida para com o nome de Jesus, em seu episódio próprio, provocado pelas palavras do Anjo na Anunciação (v. 1403). Principalmente põe em relevo o exílio de Iperuí, com seus sofrimentos físicos e morais, na Fuga para o Egito (vv. 3321, 3817); seus desejos ardentes de martírio, na Paixão (v. 4709) e no último colóquio (v. 5699); sua alegria pela libertação própria e triunfo das pazes, na Volta do Egito, no Encontro de Jesus no Templo , nos mistérios gloriosos de Jesus e Maria (vv. 4151, 4351, 4911, 5303)". (Cardoso 1988-1 150-51)

7. Cito mais dois, à guisa de ilustração: "Mais espantoso foi outro caso, e mais celebrado dos índios. Tinha certa velha enterrado vivo um menino filho de sua nora, no mesmo ponto em que parira, por ser filho a quem chamam marabá (quer dizer mistura) aborrecível entre esta gente; e era que o pariu a índia em poder do marido, tendo sido gerado por outro, com quem fora casada primeiro; e não era parto adulterino, como cuidou o Padre Paternina (...). Foi José avisado do caso depois de passada mais de meia hora; e indo ao lugar, desenterrou-o, batizou-o vivo, e são, e entregou-o à mulher segura para que o criasse. (...). [esse caso] foi semelhante a outro que lhe aconteceu em São Vicente: foi assim. Tivera notícia que uma gentia havia parido um filho, e vendo que era monstruoso em algumas partes do corpo, envergonhada, contra toda a piedade de mãe o escondera, e enterrara vivo; acudiu à pressa, desenterrou-o ainda com vida, aplicou-lhe a água do batismo, e logo entre suas mesmas mãos morreu, para viver eternamente. Viam os bárbaros essas maravilhas, e tinham a José por mais que homem" (Vasconcelos 1977-II 95-96 [grifos meus]).

8. "a minha fala é simples narrativa e é comentário; biografia romanceada ou novela didática jamais foi, nunca será" (Lima. 108).

9. Cf. Gumbrecht 8.

10. "A set of related mental data representing various aspects of reality and enabling human perception and comprehension of these aspects" (Prince 33)

11. R: Este ponto é intrincado.
Explicai-mo ora melhor.
I:O filho estava enlodado
Pelo primeiro pecado,
Sem sentido, nem vigor.
 
Mas chegando seu Senhor,
Dentro da Virgem fechado,
No ponto em que foi lavado
Deu saltos com grão fervor,
Sem a carga do pecado
(Cardoso 1977 350)
12. R: E por isso os moradores
De nossa Capitania,
Para alcançar seus favores,
Andam com tantos fervores
Nesta sua Confraria.
 
Porque esta santa irmandade,
Que com pobres exercita
As obras de piedade,
A Virgem sempre a visita
Com materna caridade.
(Cardoso 1977 353-354)
13. R: Pois que Deus em vós se encerra,
Eu, dentre os maus o pior,
Vos peço que, em paz e guerra,
Todo o povo desta terra
Trateis com todo o favor.
 
Parto-me sem me partir
De vós, ó Mãe e Senhora,
Confiado em que, nessa hora,
De a vida me despedir,
Me sereis visitadora
(Cardoso 360-361)

14. Na Visitação de Santa Isabel foi o único auto inteiramente escrito em sua língua materna, como se, no fim da vida, ele lhe quisesse "atar as duas pontas".

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