Associação dos Geógrafos Brasileiros  

Seção, Campina Grande - PB - AGBCG

 

LUZIA NEIDE CORIOLANO
Turismo sustentável

A professora e doutoranda Luzia Neide Coriolano é uma estudiosa e entusiasta do turismo comunitário. No Ceará além de lecionar na graduação e pós-graduação da Uece e da Faculdade Grande Fortaleza, acompanha de perto o trabalho feito por algumas comunidades do litoral e do Interior cearenses. Cuidadosa ao fazer afirmações, ela diz que é impossível pensar em turismo sustentável sem uma sociedade também sustentável

Lisiane Mossmann e Lúcia Helena Galvão
da Redação

Luzia Neide Coriolano (Foto: Eduardo Almeida)

[08 Dezembro 05h53min]

A professora Luzia Neide Coriolano é uma sertaneja de Crateús que chegou há 25 anos a Fortaleza. A geógrafa acabou se dedicando a desenvolver o turismo sustentável em comunidades pelo litoral e Interior cearenses. Nota-se logo o gosto pela atividade. Quando se entra na sala de visita a mesa de centro está repleta de miniaturas e lembranças por onde passou: Brasil, Ceará e Exterior.

No entanto, o tempo passado lá foi pouco, Luzia Neide preferiu conversar com a reportagem em sua sala de estudo cercada pelos seus livros - afinal são 22 anos de magistério - e onde desenvolve sua tese de doutorado, que está cursando na Faculdade Federal de Sergipe. Cuidadosa com as palavras - como a maioria dos estudiosos -, estava preocupada em mostrar o foco de estudo que vem desenvolvendo: o turismo de inclusão.

Professora, esposa, escritora, aluna e mãe. Entre as suas muitas ocupações, Luiza Neide é professora da Universidade Estadual do Ceará e da Faculdade Grande Fortaleza, além de coordenar o Núcleo de Estudos do Território e do Turismo (Netur) e o curso de especialização em Turismo e Meio Ambiente. Em fevereiro lança um novo livro em parceria com Instituto Terramar intitulado “Turismo Comunitário e Responsabilidade Socioambiental”. Também integra a equipe do Conselho Estadual de Turismo da Secretaria de Turismo (Setur) e ainda encontra tempo para acompanhar as populações de praias como Canto Verde, Batoque e Fleicheiras.

A doutoranda disse que encontrou no turismo um campo frutífero para seus estudos. ‘‘As pessoas que trabalham com materialismo histórico com a visão radical acham que trabalhar com turismo é ser elite. Então eu passei a estudar e a dar uma abordagem diferenciada para poder desmistificar essa história. O turismo é um objeto de análise tão sério como a indústria, como a comunicação, como a cidade, como a área urbana’’, afirma.

Defensora da idéia de que é possível construir alternativas de trabalho através do turismo, Luzia, ainda em Crateús, já estava inserida na luta pela inclusão nas comunidades junto ao progressista Dom Antônio Fragoso, que permaneceu 34 anos na diocese - desde 1998 está aposentado e morando na periferia de João Pessoa, na Paraíba. Segundo ela, já começa a surgir no Ceará iniciativas em que os nativos tomam a rédea em promover o desenvolvimento turístico nas suas localidades, se antecipando ao turismo de massa.

O POVO - O conceito de desenvolvimento sustentável tem recebido enorme atenção de especialistas, cientistas e acadêmicos de várias ciências e ramos de atividade produtiva, principalmente após a publicação de trabalhos como o Our Common Future, e da publicação da Agenda 21. Como estabelecer o que seja o turismo sustentável, quais as atividades, comportamentos e procedimentos que permitem seu desenvolvimento?
Luzia Neide Coriolano - Para falar de turismo sustentável faz-se necessário falar, antes de tudo, de sociedade sustentável. Porque se a sociedade não é sustentável o turismo também não é. Uma sociedade em que as pessoas têm moradia, alimentação, lazer, entretenimento e trabalho. Porque o turismo é apenas um componente desta sociedade. O turismo faz parte desse rol de atividades econômicas que a sociedade precisa para poder se sustentar, poder dar oportunidade a todos que vivem. Esse conceito de sustentabilidade é um conceito da biologia que foi estendido a todas as outras áreas do conhecimento. Hoje, nós temos uma luta para tornar o turismo uma atividade menos discriminadora, menos segregadora, menos opressiva, menos elitista e é nessa compreensão que a gente fala de um setor sustentável. Então, o que seria um turismo sustentável? Um turismo que não fosse voltado só para as elites, que não fosse só de luxo, que não fosse só para os resorts, mas que desse oportunidade, não só as grandes cadeias hoteleiras, mas também os pequenos empreendedores da comunidade. Temos quem faz o turismo e quem vende o produto e temos que analisar os dois ângulos. A primeira questão seria quem faz turismo e a segunda quem vende o serviço. Por exemplo, nos países pobres quando se fala em turismo sustentável não se está pensando no cidadão do lugar pobre fazer turismo. Porque cada dia está mais difícil, até para a classe média, viajar. Imagina para as pessoas que mal tem alimentação e trabalho. Então, nesse ponto de quem faz o turismo se sabe que num país pobre com altos índices de exclusão ninguém pensa nem em fazer turismo. Hoje, as pessoas deixam de viajar sobretudo para o Exterior, ficando mais no próprio país. As pessoas querem comida e lazer. Isso é necessidade básica. O turismo é uma invenção do capitalismo. É o lazer transformado numa viagem e, portanto, não é para todo mundo. Agora, nas comunidades, nos núcleos receptores, a pergunta é como entrar na cadeia produtiva vendendo negócios turísticos? Vendendo hospedagem em uma pousada, vendendo suvenir, vendendo entretenimento, vendendo festa, enfim fazendo parte dessa cadeia. Quando se fala em sustentabilidade a gente remete para que? Também para o meio ambiente e para as questões culturais. Só será sustentável aquele turismo que também respeite a natureza, a sociedade e a cultura dos lugares visitados.

OP - Quais são as reais possibilidades de se desenvolver um turismo sustentável no Nordeste e especialmente aqui no Ceará?
LNZ - Há muitos órgãos, muitas instituições preocupadas com essa história do turismo e tentando torná-lo sustentável. Então há o que a gente chama de certificação. As ofertas, os produtos turísticos precisam ser certificados, avaliando o serviço e o produto turístico. Então entram em ação princípios para ver se é um bom produto. O turista está cada vez mais exigente e quer garantias. Mas em que? A primeira garantia seria no respeito à legislação do lugar. As legislações ambientais, respeito às leis naturais do lugar. Outra coisa básica é respeitar os direitos das populações locais. O desrespeito à terra do nativo, à sua cultura, em que as pessoas não são inseridas no processo turístico não ganha crédito junto aos turistas e não há crédito de que é um bom pacote turístico. Os próprios órgãos do turismo como a Organização Mundial do Turismo (OMT) estão lançando um programa de combate à pobreza. Então, para que isso aconteça é preciso que esse princípio do turismo sustentável seja respeitado. Precisamos envolver as comunidades num processo de desenvolvimento econômico. Ou seja, onde as pessoas nativas, dos núcleos receptores, são capacitados e não se traga só o trabalhador de fora, o agente de fora, o hoteleiro de fora, mas que, cada vez mais, a população das comunidades sejam incluídos nos programas. Isso através de que? Através da capacitação. Só tem um caminho: capacitar. Por que a empresa grande que chega não desenvolve um programa de responsabilidade social e capacita as pessoas que precisa no hotel ou na agência? Isso é o que a gente chama de incluir a comunidade e as pessoas num processo de desenvolvimento econômico e social local. É preciso também que se crie a cultura do turismo que nós ainda não temos. O turismo é um produto vendido e não é um favor que se faz, portanto, tem que ter qualidade. E essa qualidade de oferta do turismo passa pela capacitação, passa pela cultura do turismo que o núcleo receptor precisa desenvolver.

OP - Mas no Ceará e no Nordeste existe essa cultura do turismo?
LNC - No Ceará começa a existir um movimento que vai na contramão desse turismo global, desse turismo das massas. O turismo das massas que eu estou chamando é esse turismo dos resorts, que fica fechado nos grandes empreendimentos e que traz tudo de fora. Ele não beneficia a comunidade nem circula muito dentro do lugar. Está começando a se pensar no Ceará e as próprias escolas e universidades estão divulgando essa rede de turismo comunitário. É uma rede de turismo com certificação, uma rede que leva em consideração o nativo, que o inclui, não no sentido pejorativo de achar que é o índio, o selvagem. É aquele que é natural do lugar e que deve ser incluído no processo de desenvolvimento.

OP - A senhora pode citar alguns exemplos?
LNC - Seriam, por exemplo, pequenos núcleos que estão tentando se incluir na cadeia produtiva. Por exemplo, Canto Verde, Redonda, Icapuí, Balbino e Tatajuba. São núcleos receptores onde os nativos, as pessoas do lugar estão despertando para se capacitar, para desenvolver um tipo de turismo que não é voltado ao global, é voltado ao local. Eles privilegiam muito mais o turismo doméstico e não o estrangeiro. Os estudantes ou as pessoas que vão até este local querem se identificar e conhecer e respeitar a cultura.

OP - Então, qual é o impacto desses grandes resorts que existem aqui no Ceará e outros grandes empreendimentos que estão sendo anunciados?
LNC - Uma aluna está fazendo uma dissertação sobre os resorts do Ceará e está constatando que os resorts do Ceará ainda não dão lucro. Dão prejuízo. Ninguém sabe como é que eles conseguem se sustentar com a baixa clientela que têm. E nesses resorts, eu mesma não tenho pesquisa, mas sei que não têm pacotes voltados às pessoas do lugar. São mais voltados aos turistas estrangeiros, com raras exceções. Há um ou dois resorts, que como o turismo estrangeiro não está dando certo e o espaço está ocioso, estão buscando ocupar o espaço vazio com pacotes dentro do próprio Estado. Estão fazendo programações para o final de semana, em que há uma atividade de lazer e entretenimento e conseguem atrair famílias, grupos, jovens que vão daqui (de Fortaleza) ocupar o resort num final de semana. Mas esse não é seu objetivo. Isso é uma emergência para suprir um vazio, uma carência econômica, para diminuir os prejuízos.

OP - O público que eles querem é o estrangeiro?
LNC - O resort é um lugar para quem pode comprar lazer. É diferente de uma pessoa que vem a negócios em Fortaleza e faz turismo. Porque esse turista mata dois coelhos com uma cajadada só. A clientela do resort é a de uma semana que fica lá usufruindo de todas as variedades de serviços que oferece e, portanto, é o que a gente chama de turista propriamente dito. É o turista de férias que vem para lazer mesmo. Porque a maioria dos outros segmentos é um adendo na atividade econômica. Mas o turista de resort não, quer brincar a semana inteira. O Ceará tenta ampliar esse mercado mas ele enfrenta problemas econômicos em todo lugar.

OP - E por que isso acontece?
LNC - Pela crise econômica. A questão é porque o resort tem de tudo, ele oferece de tudo. A filosofia do resort é não deixar o turista sair de dentro do seu ambiente. O ambiente tem shopping, cassino, hotel e boate. O resort não quer que você saia daquele ambiente, portanto, ele tira a pessoa do contato com a comunidade. Se pertencer a uma cadeia, esse dinheiro vai circular nela. Ele é sustentável para aquela empresa. Às vezes, ele está no lugar mas não é do lugar, não influencia o seu desenvolvimento. Quando ele pertence a uma grande cadeia hoteleira fica tudo circulando internamente e não deixa resultado local. Qual a grande cobrança que se faz hoje ao turismo? É que ele deixe resultado no lugar.

OP - As políticas cearenses estão voltadas para o desenvolvimento? E se pensa de uma maneira integrada o turismo?
LNC - Os governos ainda não vêem o turismo como entrada de divisas. Então é muito melhor que venha o estrangeiro porque entra a moeda externa, entra dólar, enquanto o doméstico traz a moeda nacional. A maioria dos programas, mesmo do Ministério de Turismo, da Embratur ou das secretarias estaduais, é voltado para esse macroturismo, para esse turismo econômico. A base (da sociedade) é que pressiona uma reviravolta. Mas a política não planejou isso. Agora, ela lentamente vai assimilando à medida que há crítica, à medida que as comunidades, à medida que as pessoas vão cobrando. É uma cobrança, mas não é uma proposta do governo. Por exemplo, com o programa de inclusão social no estado do Ceará facilitou muito. Foi uma grande oportunidade que se abriu porque agora a inclusão vai passar também pelo turismo. Para eu incluir eu tenho que levar em conta todas as atividades. Então é uma grande abertura do governo do estado do Ceará falar na inclusão social pelo turismo.

OP - Mas ainda é incipiente?
LNC - Bastante incipiente. Bastante.
OP - No seu livro ‘‘Turismo de Inclusão e Desenvolvimento Local’’ a senhora aborda a questão da cooperativa como alternativa. A senhora acha que as cooperativas poderiam dar uma resposta a esse problema?
LNC - Não seria mais aquela cooperativa tradicional. Mas a cooperativa é uma tentativa de socializar, de fazer atividade turística funcionar de forma complementar. Mesmo tendo pouco capital, as pessoas podem se associar e trabalham de forma comunitária. É essa solução que as comunidades têm encontrado. Eles não têm capital, mas têm boa vontade, têm iniciativa. Não têm grandes empreendimentos, mas têm o artesanato, têm a gastronomia, têm a pequena pousada. Então como é que eles estão funcionando? Fazendo o turismo comunitário, em que se associam, oferecem o produto de forma comunitária e dividem os lucros ao modo deles. É uma estratégia de sobrevivência. E a gente sabe que a raiz da cooperativa é mesmo uma atividade socialista, não é capitalista. Veja o que fazem os médicos: estão ganhando pouco, não estão satisfeitos, e acabam se associando para dividir os custos. É uma forma de ganhar coletivamente. A cooperativa, então, em época de crise, é uma solução. Porque se é uma solução para a classe médica, porque não é para o pequeno produtor lá da comunidade.

OP - Como surgiu essa consciência de turismo comunitário?
LNC - Num primeiro momento, as comunidades que tinham consciência tentaram fazer resistência ao turismo externo. São comunidades que já têm um nível de organização. Num segunda etapa, foram motivadas por algumas instituições que trabalham no litoral, Terramar é uma delas. Mas isso não é desvantagem. Porque a gente sabe que é ruim quando o professor, o intelectual ou a instituição chega de fora ditando normas. Mas quando chega colaborando, é o que o Antonio Gramsci chama de intelectual orgânico, pode ser de grande ajuda. O intelectual orgânico vai ajudar, assimilar, fazer pesquisa participativa. As pessoas chegam, se conhecem e começam a participar da vida comunitária. Conquistam a amizade e passam a ver os problemas, iniciando uma discussão com pistas, encaminhando idéias e ações e movimentando a comunidade. Porque os resultados a própria comunidade sabe, o que não sabe é encaminhar. Então essas Organizações Não-Governamentais (ONGs), como o Terramar e o Cearah Periferia, têm ajudado muito. Há resistência, mas depois descobrem que podem encontrar uma alternativa no turismo. Chegam a dizer que não sabem como é o turismo que querem, mas sabem que não é esse que está posto. Já é o primeiro passo ao verificar que o turismo ‘‘grande’’ não é benéfico para eles. E lentamente vão discutindo, se reunindo e começam a aparecer tentativas de entrada na cadeia produtiva do turismo. Essas pessoas que foram excluídas começam a entrar na cadeia produtiva através do turismo comunitário. Oferecendo algum produto, pousadas residenciais, melhorando suvenir. Eles preferem sobretudo o turismo de eventos, que envolve universidades, pessoas que têm uma certa visão do que é a comunidade e que querem conhecer e respeitar a comunidade. Não é esse turismo de massa, não é o turismo de praia. O pessoal vai ao Canto Verde não vai nem na praia. Por que? As pessoas não foram para lá tomar sol e banho de praia. Eles vão para lá para conversar, para conhecer a cultura, para ver o artesanato, para ver gastronomia e aí você passa dois, quatro, cinco dias em Canto Verde sem ir à praia. Também já existe no País o Conselho Brasileiro de Turismo Sustentável que associa as comunidades que vem desenvolvendo o turismo com responsabilidade social ou o turismo comunitário e do Ceará fazem parte as comunidades que vem sendo trabalhadas: Canto Verde, Balbino, Batoque, Fleicheiras, Guajiru, Redonda, Parajuru, Ponta Grossa, Tatajuba, Barra das Moitas, Nova Olinda, Caetanos, dentre outras que começam a se organizar e não aparecem.

OP - A prostituição, a falta de limpeza e segurança são maximizadas em cidades turísticas. Que políticas poderiam ser desenvolvidas para minimizar esses problemas?
LNC - Veja como isso é muito sério e precisa de uma análise. Vamos excluir o turismo dessa realidade, mas os problemas ficam todinhos. A sujeira, o desemprego, a prostituição, o descaso, a violência, vai continuar mesmo sem ter turismo. O turismo, às vezes, é posto como o vilão. O cômodo é dizer que o problema está no setor turístico. A gente encontra a prostituição dentro da família. A gente encontra os descasos no lugar, independente ou não do turismo. Se a gente joga os problemas para o turismo não se está querendo encontrar as raízes do problema e a não se está querendo resolver. A gente está querendo mascarar. Na verdade, o turismo tem contribuído para fazer entender e ver que o modelo de desenvolvimento adotado chegou ao seu limite. Excluiu a grande maioria, tornando a vida insuportável. Nisso ele vem dando uma grande contribuição, pois os problemas são da sociedade mas ele vem fazendo os problemas aflorarem. Um exemplo típico é o da prostituição. Está na sociedade mas aflora como sendo do turismo, quando ele pega carona.

OP - E qual é a raiz desses problemas?
LNC - A injustiça social. A injustiça social é o grande problema. Numa cidade grande, imagina, a coisa vai ficando insustentável. As pessoas sem emprego, as pessoas sem escola, as pessoas sem respeito à dignidade, sem saúde... Aí a gente diz que é o turismo que faz tudo isso? Não. O turismo vem e pega carona mesmo. Ele pega carona na história da prostituição. Mas ele não é a coisa mais importante. Natal, por exemplo, está fazendo um bom combate à prostituição infantil. Eu fiquei feliz com o trabalho que está sendo feito lá porque não é dizendo que é o turismo. Vamos combater a prostituição infantil e o turismo entra no combate só que não é o principal causador desse problema. A gente sabe que é a sociedade injusta e a sociedade desigual. Mas tem que se ver que esses problemas existem sem o turismo.

OP - O Brasil sempre vendeu lá fora a imagem do país do futebol, de mulheres bonitas, do Carnaval. Como reverter essa imagem?
LNC - A imagem por si só não segura. Tanto não segura que baixou a crise no turismo lá fora e a gente pensava que agora os turistas viriam todos para o Brasil e não vieram. Deveriam vir para o Ceará e não vieram. E por que não vieram? Porque a imagem da pobreza, da exploração, da violência é muito forte e praia bonita tem em todo lugar. Não é só isso que atrai turista. O turista quer segurança. Enquanto a gente não se atentar para isso, não vai aumentar esse fluxo para o Ceará nem para o Brasil. As pessoas dos lugares ricos não viajam para países pobres, periféricos que não oferecem segurança. É entre eles que viajam. É da França para a Itália, da Itália para a França. É de um país rico para um país rico.

OP - É necessário desenvolvimento?
LNC - É. Qualidade de vida e melhoria das condições sociais do lugar são necessárias. A imagem chega lá mas tem que ser certificada. Não vale a imagem duvidosa. Imagem que não tem por trás uma garantia da segurança.

OP - A impressão que se tem é de que a atual crise que o turismo enfrenta é uma crise da sociedade?
LNC - É isso mesmo. É uma crise da sociedade. Essa crise da sociedade extrapola para a educação, para a saúde, para a agricultura e para o turismo. Como é que eu posso falar de turismo rural num Estado onde a agricultura só é desenvolvida em alguns locais pontuais. Porque o modelo do Ceará não é um modelo agrícola, até por causa do clima semi-árido. Onde tem irrigação são pólos, são pontos privilegiados. Como é que eu vou falar de turismo rural sem ter uma fazenda produtiva com toda vida do campo? Onde é que nós temos essa vida produtiva, essa fazenda produtiva, que possa receber dessa forma? Não adianta montar fazendas artificiais para abrir no dia que vai o turista. Não adianta. Por que no Sul o turismo rural funciona? Porque as fazendas produzem independentemente do turista. O turista que chega lá vai só complementar uma atividade que já existe. Aqui, houve a tentativa de fazer esse tipo de turismo, mas não funciona.

OP - Com relação a preparação e capacitação de pessoal para trabalhar com o turismo, como a senhora avalia as escolas existentes e porque há uma evasão tão grande de alunos?
LNC - Houve uma procura muito grande e uma demanda absurda. A pessoa achava que ia fazer o curso e já estava empregado, e não é bem assim. O mercado só é bom para aqueles alunos, aqueles profissionais que são muito bons, que estão da média para cima. Mas qualquer profissional não entra na área de turismo não. Qualquer profissional que está da média para baixo ele não tem muita chance de emprego. Então, houve uma demanda muito grande do turismo no Ceará. Hoje parece que são 23 faculdades. Cada faculdade com duas, três turmas e cadê os turistas e cadê a ocupação, cadê o mercado? Então as pessoas vão se desiludindo e vão procurando sair. Até porque esperam ainda um emprego e não pensam no seu próprio negócio. As pessoas teriam que montar o seu empreendimento, montar o seu negócio e talvez nem todas as universidades estejam pensando nisso e oferecendo capacitação. Nem todo aluno que sai da universidade está pensando em ser um empreendedor, em montar o seu negócio. Hoje, quem está com seu emprego se garante e não vai sair. Mas isso não acontece só no turismo, acontece em todas as atividades. Na geografia, no direito...

OP - O empresário do setor turístico está absorvendo esse pessoal que está saindo da faculdade de turismo?
LNC - Não está absorvendo. Há a maior dificuldade até para os estágios dos alunos porque eles não aceitam mais gente. Há muitas pessoas querendo estagiar e não há campo para todo mundo. Os alunos às vezes terminam os cursos fazendo monografia no lugar do estágio porque não encontram onde estagiar. Porque a empresa não dá espaço para ele. Então o que você diz de um trabalho que é um trabalho prático, que é um trabalho de gestão, onde o aluno não recebeu essa prática?

OP - E por que existe essa resistência do mercado em absorver até para estagiar?
LNC - Não. Eu não acho que seja resistência. Acho que seja uma demanda muito maior do que a capacidade das empresas absorverem.

Fonte. O Povo - Jornal do Cerá. http://www.noolhar.com/opovo/paginasazuis/320803.html . Fortaleza, 5 de Fevereiro de 2004

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