A
interrupção de um processo*
A sociedade brasileira no pré 1964, parafraseando Darcy
Ribeiro, aos trancos e barrancos, estava aprendendo o rico exercício da
participação. O governo Vargas, apesar de todas as mazelas do período
ditatorial, conseguia ainda ser mais participativo que os governos da
República Velha. Esse avanço deu-se em conseqüência da ebulição social,
vivenciada pela sociedade brasileira durante os anos 20 e que desembocaram
no movimento que levou Vargas ao poder em 1930.
Ao assumir, Vargas teve que abrir espaço para os setores emergentes. É
evidente que alguns setores conseguiam mais espaço que outros, no entanto,
os setores que, nesse período conseguiram o mínimo de organização acabaram
em maior ou menor grau, se beneficiando das mudanças propostas no projeto de
desenvolvimento que começou a ser gestado.
Essa participação da sociedade era fundamental para que, ao se sentir
beneficiada e fazendo parte do projeto, as camadas sociais tomassem para si
a tarefa de implementar as medidas propostas pelo governo. Não se pode negar
que Getúlio Vargas foi mestre na arte de conseguir esse engajamento da
sociedade. Quando o projeto esteve ameaçado e Vargas recorreu à sociedade,
mesmo depois de 15 anos de ditadura, ele obteve apoio, foi o caso do
movimento queremista. Naquele momento, não era apenas a figura de Vargas e
sim o projeto que estava se gestando que passou a ser defendido.
Com a morte de Vargas e a ascensão de Juscelino Kubitscheck, novamente se
clamou pela sociedade para que viesse assumir o seu papel no desenvolvimento
nacional, dessa feita, de forma acelerada, e esta não se negou a cumprir
este importante papel. Não quero entrar no mérito da avaliação do projeto de
Vargas ou das mudanças neste, feitas por Juscelino. O que estou demonstrando
é que a participação da sociedade na elaboração e, principalmente, na
execução de qualquer projeto de desenvolvimento é fundamental e extremamente
enriquecedora, porque forja novas lideranças no calor da discussão em busca
de melhores alternativas de desenvolvimento. E a sociedade brasileira
estava, aos poucos, acostumando-se a participar.
Foi exatamente esse processo que os militares ousaram por fim. O fim do
projeto de desenvolvimento econômico nacional que teve início no governo
Vargas e chegou ao fim no governo militar, significou a maior perda que o
país enfrentou.
A ditadura militar destruiu com suas ações e sua truculência, a capacidade
de se autogestar de toda uma geração e isto tem tido repercussões graves. Ao
destruir o projeto de desenvolvimento, intimidar e perseguir as pessoas que
atuavam no campo político, bem como, nos movimentos sociais, os militares
destruíram o sonho de uma geração e alienaram a outra. Por outro lado, a
fragilidade das lideranças geradas no período militar é latente. Em sua
grande maioria trata-se de políticos sem nenhuma vinculação real com a
maioria da sociedade.
Os vinte anos de ditadura criaram na sociedade brasileira o habito de
esperar que os problemas, desde os mais simples e localizados, até os mais
complexos e amplos, sejam resolvidos por agentes externos que na realidade
não se sabe de onde aparecerão. Durante a ditadura, os militares tentaram
cumprir esse papel e fracassaram, e o que se viu no pós-ditadura foi à
implantação da política do imediatismo, em geral com aplicação de fórmulas
geradas fora do país e adaptadas pobremente para a realidade nacional.
A distância e o vácuo de tempo entre os sonhadores do pré 1964 e a nova
geração pós-ditadura militar é muito grande, conseqüentemente, ainda não se
fez sentir em termos práticos. É preciso que a sociedade, de forma
organizada, volte a discutir as saídas e alternativas para viabilizar
novamente esse país. Só a força e a capacidade criativa e inventiva do povo
brasileiro colocadas a serviço da busca de alternativas, será capaz de tirar
o país desse marasmo e colocá-lo novamente no rumo do desenvolvimento e,
dessa feita, que o desenvolvimento venha acompanhado pela necessária e
urgente justiça social.
|