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Legião Urbana

Dois - 1986


Dois - 1986

O disco Dois, de 1986, é o que mais marcou. Quem nunca sentou numa rodinha e ouviu "Eduardo e Monica", "Quase Sem Querer", "Índios" e "Tempo Perdido"?


1. Daniel Na Cova Dos Leões
2. Quase Sem Querer
3. Acrilic On Canvas
4. Eduardo e Mônica
5. Central Do Brasil - Instrumental
6. Tempo Perdido
7. Metrópole
8. Plantas Embaixo Do Aquário
9. Música Urbana 2
10. Andrea Doria
11. Fábrica
12. "Índios"

Daniel Na Cova Dos Leões

Aquele gosto amargo do teu corpo

Ficou na minha boca por mais tempo:

De amargo e então salgado ficou doce,

Assim que o teu cheiro forte e lento

Fez casas no meu braço e ainda leve

E forte e cego e tenso fez saber

Que ainda era muito e muito pouco.

Faço nosso o meu segredo mais sincero

E desafio o instinto dissonante.

A insegurança não me ataca quando erro

E o teu momento passa a ser o meu instante.

E o teu medo de Ter medo de Ter medo

Não faz da minha força confusão:

Teu corpo é o meu espelho e em ti navego

E sei que a tua correnteza não tem direção.

Mas, tão certo quanto o erro de ser barco a motor

E insistir em usar os remos,

É o mal que a água faz, quando se afoga

E o salva-vidas não está lá porque não vemos.

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Quase Sem Querer

Tenho andado distraído,

Impaciente e indeciso

E ainda estou confuso.

Só que agora é diferente:

Estou tão tranquilo

E tão contente.

Quantas chances desperdicei

Quando o que eu mais queria

Era provar pra todo mundo

Que eu não precisava

Provar nada pra ninguém.

Me fiz em mil pedaços

Pra você juntar

E queria sempre achar

Explicação pro que eu sentia.

Como um anjo caído

Fiz questão de esquecer

Que mentir pra si mesmo

É sempre a pior mentira.

Mas não sou mais

Tão criança a ponto de saber tudo.

Já não me preocupo

Se eu não sei porquê

Às vezes o que eu vejo

Quase ninguém vê

E eu sei que você sabe

Quase sem querer

Que eu vejo o mesmo que você.

Tão correto e tão bonito:

O infinito é realmente

Um dos deuses mais lindos.

Sei que às vezes uso

Palavras repetidas

Mas quais são as palavras

Que nunca são ditas?

Me disseram que você estava chorando

E foi então que percebi

Como lhe quero tanto.

Já não me preocupo

Se eu não sei porquê

Às vezes o que eu vejo

Quase ninguém vê

E eu sei que você sabe

Quase sem querer

Que eu quero o mesmo que você.

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Acrilic On Canvas

É saudade então.

E mais uma vez

De você fiz o desenho mais perfeito que se fez:

Os traços copiei do que não aconteceu.

As cores que escolhi, entre as tintas que inventei,

Misturei com a promessa que nós dois nunca fizemos

De um dia sermos três.

Trabalhei você em luz e sombra.

Era sempre:

Não foi por mal. Eu juro que nunca

Quis deixar você tão triste.

Sempre as mesmas desculpas

E desculpas nem sempre são sinceras –

Quase nunca são.

Preparei a minha tela

Com pedaços de lençóis

Que não chegamos a sujar.

A armação fiz com madeira

Da janela do seu quarto.

Do portão da sua casa

Fiz paleta e cavalete

E com as lágrimas que não brincaram com você

Destilei óleo de linhaça

E da sua cama arranquei pedaços

Que talhei em estiletes

De tamanhos diferentes

E fiz então

Pincéis com seus cabelos.

Fiz carvão do batom que roubei de você

E com ele marquei dois pontos de fuga

E rabisquei meu horizonte.

Era sempre:

Não foi por mal. Eu juro que não foi por mal.

Eu não queria machucar você: prometo que isso nunca vai

Acontecer mais uma vez.

E era sempre, sempre o mesmo novamente –

A mesma traição.

Às vezes é difícil esquecer:

Sinto muito, ela não mora mais aqui.

Mas então porque eu finjo que acredito no que invento?

Nada disso aconteceu assim – não foi desse jeito.

Ninguém sofreu: é só você que provoca essa saudade vazia

Tentando pintar essas flores com o nome

De "amor perfeito" e "não-te-esqueças-de-mim".

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Eduardo e Mônica

Quem um dia irá dizer

Que existe razão

Nas coisas feitas pelo coração?

E quem irá dizer

Que não existe razão?

Eduardo abriu os olhos mas não quis se levantar:

Ficou deitado e viu que horas eram

Enquanto Mônica tomava um conhaque,

N'outro canto da cidade,

Como eles disseram.

Eduardo e Mônica um dia se encontraram sem querer

E conversaram muito mesmo pra tentar se conhecer.

Foi um carinha do cursinho do Eduardo que disse:

Tem uma festa legal e a gente quer se divertir.

Festa estranha com gente esquisita:

Eu não estou legal. Não aguento mais birita.

E a Mônica riu e quis saber um pouco mais

Sobre o boyzinho que tentava impressionar

E o Eduardo, meio tonto, só pensava em ir pra casa:

É quase duas, eu vou me ferrar.

Eduardo e Mônica trocaram telefone

Depois telefonaram e decidiram se encontrar.

O Eduardo sugeriu uma lanchonete

Mas a Mônica queria ver o filme do Godard.

Se encontraram então no parque da cidade

A Mônica de moto e o Eduardo de camelo.

O Eduardo achou estranho e melhor não comentar

Mas a menina tinha tinta no cabelo.

Eduardo e Mônica eram nada parecidos –

Ela era de Leão e ele tinha dezesseis.

Ela fazia Medicina e falava alemão

E ele ainda nas aulinhas de inglês.

Ela gostava do Bandeira e do Bauhaus, de Van Gogh e dos Mutantes, de Caetano e de Rimbaud

E o Eduardo gostava de novela e jogava futebol-de-botão com seu avô.

Ela falava coisas sobre o Planalto Central,

Também magia e meditação.

E o Eduardo ainda estava no esquema

"escola-cinema-clube-televisão".

E, mesmo com tudo diferente,

Veio mesmo, de repente,

Uma vontade de se ver

E os dois se encontravam todo dia

E a vontade crescia, como tinha de ser.

Eduardo e Mônica fizeram natação, fotografia, teatro, artesanato e foram viajar.

A Mônica explicava pro Eduardo coisas sobre o céu, a terra, a água e o ar:

Ele aprendeu a beber, deixou o cabelo crescer e decidiu trabalhar;

E ela se formou no mesmo mês em que ele passou no vestibular.

E os dois comemoraram juntos e também brigaram junto, muitas vezes depois.

E todo mundo diz que ele completa ela e vice-versa. Que nem feijão com arroz.

Construíram uma casa uns dois anos atrás,

Mais ou menos quando os gêmeos vieram –

Batalharam grana e seguraram legal

A barra mais pesada que tiveram.

Eduardo e Mônica voltaram pra Brasília

E a nossa amizade dá saudade no verão.

Só que nessas férias não vão viajar

Porque o filhinho do Eduardo

Tá de recuperação.

Quem um dia irá dizer

Que existe razão

Nas coisas feitas pelo coração?

E quem irá dizer

Que não existe razão?

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Tempo Perdido

Todos os dias quando acordo,

Não tenho mais o tempo que passou

Mas tenho muito tempo:

Temos todo o tempo do mundo.

Todos os dias antes de dormir,

Lembro e esqueço como foi o dia:

"Sempre em frente,

não temos tempo a perder."

Nosso suor sagrado

É bem mais belo que esse sangue amargo

E tão sério

E selvagem.

Veja o sol dessa manhã tão cinza:

A tempestade que chega é da cor dos teus olhos castanhos.

Então me abraça forte e me diz mais uma vez

Que já estamos distantes de tudo:

Temos nosso próprio tempo.

Não tenho medo do escuro, mas deixe as luzes acesas agora.

O que foi escondido é o que se escondeu

E o que foi prometido, ninguém prometeu.

Nem foi tempo perdido;

Somos tão jovens.

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Metrópole

"É sangue mesmo, não é mertiolate."

E todos querem ver

E comentar a novidade.

"É tão emocionante um acidente de verdade."

Estão todos satisfeitos

Com o sucesso do desastre:

Vai passar na televisão.

"Por gentileza, aguarde um momento.

Sem carteirinha não tem atendimento –

Carteira de trabalho assinada, sim senhor.

Olha o tumulto: façam fila por favor.

Todos com a documentação.

Quem não tem senha, não tem lugar marcado.

Eu sinto muito, mas já passa do horário.

Entendo seu problema mas não posso resolver:

É contra o regulamento, está bem aqui, pode ver.

Ordens são ordens.

Em todo caso, já temos sua ficha.

Só falta o recibo comprovando residência.

P’ra limpar todo esse sangue, chamei a faxineira –

E agora eu já vou indo senão eu perco a novela

E eu não quero ficar na mão."

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Plantas Embaixo Do Aquário

Aceite o desafio e provoque em desempate:

Desarme a armadilha e desmonte o disfarce.

Se afaste do abismo –

Faça do bom-senso a nova ordem;

Não deixe a guerra começar.

Pense só um pouco,

Não há nada de novo.

Você vive insatisfeito e não confia em ninguém

E não acredita em nada

E agora é só cansaço e falta de vontade,

Mas, faça do bom-senso a nova ordem:

Não deixe a guerra começar.

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Música Urbana 2

Em cima dos telhados as antenas de TV tocam música urbana,

Nas ruas os mendigos com esparadrapos podres cantam música urbana,

Motocicletas querendo atenção às três da manhã –

É só música urbana.

Os PM’s armados e as tropas de choque vomitam música urbana

E nas escolas as crianças aprendem a repetir a música urbana.

Nos bares os viciados sempre tentam conseguir a música urbana.

O vento forte seco e sujo em cantos de concreto

Parece música urbana.

E nos pontos de ônibus estão todos ali: música urbana.

Os uniformes

Os cartazes

Os cinemas

E os lares

Nas favelas

Coberturas

Quase todos os lugares.

E mais uma criança nasceu.

Não há mentiras nem verdades aqui.

Só há música urbana.

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Andrea Doria

Às vezes parecia que, de tanto acreditar

Em tudo que achávamos tão certo,

Teríamos o mundo inteiro e até um pouco mais:

Faríamos floresta do deserto

E diamantes de pedaços de vidro.

Mas percebo agora

Que o teu sorriso

Vem diferente,

Quase parecendo te ferir.

Não queria te ver assim-

Quero a tua força como era antes.

O que tens é sói teu

E de nada vale fugir

E não sentir mais nada.

Às vezes parecia que era só improvisar

E o mundo então seria um livro aberto,

Até chegar o dia em que tentamos Ter demais,

Vendendo fácil o que não tinha preço.

Eu sei – é tudo sem sentido.

Quero Ter alguém com quem conversar,

Alguém que depois não use o que eu disse contra mim.

Nada mais vai me ferir.

É que eu já me acostumei

Com a estrada errada que eu segui

E com a minha própria lei.

Tenho o que ficou

E tenho sorte até demais,

Como sei que tens também.

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Fábrica

Nosso dia vai chegar, teremos nossa vez.

Não é pedir demais:

Quero justiça, quero trabalhar em paz.

Não é muito o que lhe peço –

Eu quero trabalho honesto

Em vez de escravidão.

Deve haver algum lugar

Onde o mais forte não consegue escravizar

Quem não tem chance.

De onde vem a indiferença

Temperada a ferro e fogo?

Quem guarda os portões da fábrica.

O céu já foi azul, mas agora é cinza

E o que era verde aqui já não existe mais.

Quem me dera acreditar

Que não acontece nada de tanto brincar com fogo.

Que venha o fogo então.

Esse ar deixou minha vista cansada,

Nada demais.

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"Índios"

Quem me dera, ao menos uma vez,

Ter de volta todo ouro que entreguei

A quem conseguiu me convencer

Que era prova de amizade

Se alguém levasse embora até o que eu não tinha.

Quem me dera, ao menos uma vez,

Esquecer que acreditei que era por brincadeira

Que se cortava sempre um pano-de-chão

De linho nobre e pura seda.

Quem me dera, ao menos uma vez,

Explicar o que ninguém consegue entender:

Que o que aconteceu ainda está por vir

E o futuro não é mais como era antigamente.

Quem me dera, ao menos uma vez,

Provar que quem tem mais do que precisa Ter

Quase sempre se convence que não tem o bastante

E fala demais, por não Ter nada a dizer.

Quem me dera, ao menos uma vez,

Que o mais simples fosse visto como o mais importante,

Mas nos deram espelhos

E vimos um mundo doente.

Quem me dera, ao menos uma vez,

Entender como um só Deus ao mesmo tempo é três

E esse mesmo Deus foi morto por vocês

Só maldade então, deixar um Deus tão triste.

Eu quis o perigo e até sangrei sozinho.

Entenda – assim pude trazer você de volta para mim,

Quando descobri que é sempre só você

Que me entende do início ao fim

E é só você que tem a cura para o meu vício

De insistir nessa saudade que eu sinto

De tudo que eu ainda não vi.

Quem me dera, ao menos uma vez,

Acreditar por um instante em tudo que existe

E acreditar que o mundo é perfeito

E que todas as pessoas são felizes.

Quem me dera, ao menos uma vez,

Fazer com que o mundo saiba que seu nome

Está em tudo e mesmo assim

Ninguém lhe diz ao menos obrigado.

Quem me dera, ao menos uma vez,

Como a mais bela tribo, dos mais belos índios,

Não ser atacado por ser inocente.

Eu quis o perigo e até sangrei sozinho.

Entenda – assim pude trazer você de volta para mim,

Quando descobri que é sempre só você

Que me entende do início ao fim

E é só você que tem a cura para o meu vício

De insistir nessa saudade que eu sinto

De tudo que eu ainda não vi.

Nos deram espelhos e vimos um mundo doente –

Tentei chorar e não consegui.

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