Dona Célia Nazareth é que sabe histórias que envolvem a igreja de São Francisco de Assis. Também tive o prazer de ouvir esta história de viva voz, numa ensolarada e fria manhã de fim de julho, em sua agradável casa, atrás da Igreja do Pilar. Quase sempre as igrejas reservam histórias de amor e tragédia. Com a de Sã Francisco de Assis não seria diferente. Guardei esta para o desfecho dessa parte do livro, em que viajamos pelas igrejas e seus cemitérios... Eis a história de Bolão... Em frente à Igreja de São Francisco de Assis, onde hoje existe a exposição de artesanato em pedra-sabão, havia um casarão, que era república de estudantes. E em uma casa, na qual atualmente reside o senhor Antônio Lobo Leite, na subida após o Largo da Marília de Dirceu, morava Emília, tataraneta do Virissaia. Moça prendada, de "finos tratos", tocava piano, falava várias línguas e era filha única. Como ela teve uma doença grave na infância, os pais fizeram a promessa de, caso ela se salvasse, até cumprir a maior idade, enfeitaria os altares de Nossa Senhora da Conceição e Nossa Senhora dos Anjos (a imagem principal do altar, na parte mais alta), nas duas igrejas. Dentre os estudantes da república, havia um carioca debochado. Os pais dele mandavam mensalmente um "bolão" de dinheiro para o filho, daí ficou o apelido. Certo dia, ele viu Emília passando com as flores que seriam levadas ao altar de Nossa Senhora dos Anjos e disse aos colegas que iria conquistar o coração daquela moça, apenas como farra. Passou então a fazer psiu para ela do alto da janela de sua república, andava atrás dela, fez de tudo para namorá-la... até que conquistou o coração da inexperiente donzela. Suas intenções, contudo, eram de apenas "abusar" da moça. Os dias iam-se passando e o casal se encontrava na Ponte de Antônio Dias, que alguns chamam de Ponte do Suspiro por causa de Tomás Antônio Gonzaga e sua "Marília", outros dizem que o "suspiro" pertence à história de Bolão e Emília. Percebendo ser difícil conseguir o seu intento, Bolão resolveu ficar noivo da moça e passou a freqüentar a casa dela. Quando consegue o que queria, abandona a pobre, e conta tudo aos colegas, vitorioso. Emília não teve coragem de contar nada aos pais, o que seria um escândalo para a época. Um dia, quando ela ia novamente levar flores para Nossa Senhora dos Anjos, os colegas de Bolão começaram a gritar da república: "Emília vai ter Bolãozinho, Emília vai ter Bolãozinho!". Emília, em choque, cai por terra e vem a falecer. Bolão sente grande remorso, fica desesperado para ir ao enterro, mas os colegas não deixam. Ele, então, sai alta noite e vai ao cemitério (Mercês de Baixo) pedir perdão a Emília, com alguns colegas vigiando-o ao longe. Ao debruçar-se sobre a recente lápide da moça, ouve apenas uma voz vinda das profundezas: "Não te perdôo!". Os estudantes saem correndo de medo e, ao voltarem sob a luz do dia para buscar o companheiro, encontram Bolão ainda debruçado sobre a tumba de Emília... também morto. Desde esse dia, o sino da Igreja de São Francisco de Assis toca "bolão... bolão...". Quando ele rachou, foi levado para o conserto (como os sinos de Ouro Preto têm muita liga de ouro, fica difícil consertá-los). O povo pensou que o sino tocaria de maneira diferente após o remendo, mas, quando novamente badalado, lá estava o velho e monótono refrão: "bolão... bolão...". E assim toca até hoje.