Espiritualidade do Músico Católico

Essas coisas escrevi pensando em responder à carta do nosso irmão colombiano Ferley. Sem demora, se converteu em um exercício pessoal que hoje quero compartilhar com todo aquele que tenha o desejo e a paciência de ler o que nasce do meu coração ao buscar resposta para a seguinte pergunta: "Qual deveria ser a espiritualidade do músico católico?". Poderia querer responder essa pergunta com outra: "O que torna um músico qualquer, um músico católico?". Vamos ver.

Não creio que haja necessidade de explicar o que é ser Católico porque todos nós tratamos de viver e expressar de alguma maneira nossa fé católica. No entanto, quero mostrar que estou analisando este tema enquanto vou ruminando as idéias por escrito. Perdoem minhas redundâncias e minha pouca experiência expressando idéias no campo da música católica mas não nego que adoro poder trocar idéias com todos vocês parar ir crescendo com essa troca. Todos seus comentários realmente nos enriquecem pois nos fazem pensar. Penso que a ESPIRITUALIDADE de qualquer coisa ou pessoa se demonstra no pensamento, na conduta, na moral, nos valores e estilo de vida que a rege e move. Como católicos comprometidos, nossa espiritualidade é Cristocêntrica e por isso, abarca uma série de devoções por tudo e por todos que chamamos o corpo místico de Cristo que é a Igreja e que começa por nossa mãe Maria e pela comunhão de todos os santos e continua com cada um de nós que tratamos de viver de acordo com os ensinamentos de Cristo.

Qual a essência dos ensinamentos de Cristo?

Por acaso vale a pena perguntar quando todos nós já sabemos qual é?

O AMOR

"Deus amou tanto ao mundo que entregou seu filho único para que todo que creia não ser perca, senão tenha a vida eterna" João 3:16

"Amarás ao Senhor teu Deus, com todo seu coração, toda sua alma, com toda sua força e com todo seu espírito; e a teu próximo como a ti mesmo" Lucas 10:27

"Meu mandamento é este: Amem-se uns aos outros como eu vos amei. Não há amor maior que este: dar a vida pelos amigos. Vocês são meus amigos se cumprem o que mando" João 15: 12_16

Portanto, nosso amor a Deus se manifesta em nossa comunhão com Ele, a qual vamos com alegria e com gosto pela oração, a Eucaristia e toda nossa vida sacramental.

Nosso amor a nós mesmos se manifesta na maneira pela qual conduzimos nossa vida, cuidamos e a respeitamos (aqui entram todas essas coisas e vícios que devemos mudar porque põem em perigo o templo do Espírito de Deus, incluindo todos os abusos que cometemos a nós mesmos às vezes em nome de Deus e dos quais sou a primeira a me criticar). Nosso amor aos demais se manifesta pela compaixão, a compreensão, o respeito, a aceitação, a generosidade, que somos capazes de oferecer, além de sobre todo o serviço desinteressado que damos aos demais, começando por nosso lar (esposos, esposas, filhos e filhas), à família extensa, nosso lugar de trabalho ou estudo, nossa paróquia, nossa comunidade imediata.

Quando nos amamos e aos demais, também expressamos a máxima manifestação de amor ao Senhor. Entra aqui o elo que encerra o ciclo. Como diz a palavra:

"Então amemo-nos uns aos outros, já que Ele nos amou primeiro. Quem diz: "Eu amo a Deus" e odeia seu irmão é um mentiroso. Como pode amar a Deus, a quem não vê, se não ama seu irmão a quem vê? Ele mesmo nos ordenou: O que amar a Deus, ame também a seu irmão. 1 João 4:19-21

Meus irmãos, não estou dizendo nada de novo mas esta segue sendo a BOA NOVA de Cristo. Essa é a essência dos ensinamentos de Cristo. Essa é nossa espiritualidade cristã e católica.

Vamos então à primeira pergunta: "O que converte um músico qualquer num músico católico?"

Eu acho que a espiritualidade do músico católico não deveria ser diferenete do que mencionei. O ser "músico" é simplesmente um ofício, um trabalho, uma carreira ou um talento específico da pessoa assim como o ser advogado, maestro, enfermeiro ou gari.  Nossa espiritualidade católica consciente e verdadeira deve manifestar-se na maneira em que efetuamos nossos diferentes papéis na vida toda. Não teria sentido para nós dizer: Hoje vou ser um médico católico e amanhã um médico do mundo. Ou dizer que hoje vou varrer ou lavar os banheiros catolicamente e amanhã como me der vontade. Se você é médico e pratica sua fé católica deveria tratar o paciente de forma honesta e humana. Se você é uma faxineira ou limpa banheiros e é católica, pode fazer seu trabalho bem feito com a mesma honestidade e dignidade que qualquer outro trabalho.

Então, qual é a diferença entre um músico secular e um músico católico?

Depende da espiritualidade que o define? Poderia ser eu uma cantora secular e ter uma espiritualidade católica?

Claro que sim! Não tenho certeza de que chegaria muito longe num mercado onde o que importa mais é a aparência e o que vende do que o que canta e como canta. Mas creio que com muito esforço poderia manter sua espiritualidade intacta. E o que me dizem da música instrumental? Se for tocada pelo Martim Valverde seria música católica? E se tocada pela Rita Lee seria secular? Como diferenciamos a música secular da católica? Acho que minha pergunta é boba. Acredito que a música católica como a compreendemos é definida por suas letras. É realmente o CONTEÚDO do que dizemos que canta (Ainda que os gêneros musicais afetem a mensagem de alguma maneira e isso não podemos negar). Com certeza não é questão de que esse estilo ou aquele seria melhor ou pior. Isso é questão de gosto.

O que cantamos? Quais são os temas de nossas músicas? O cantor modelo por excelência , o Rei Davi, cantava a nosso Deus com toda sua alma. Há também em nossos temas a Virgem Maria em nossa música cristã contemporânea. Em grande parte é isso que nos define e nos diferencia da música do mundo: conteúdo.

Agora, se alguém decide cantar alguma música do mundo onde os valores cristãos estão implícitos, qual a nossa reação imediata? As reações são de todo jeito, da mais positiva à mais negativa. Vamos nos perguntar porque gostamos ou desgostamos. Deixo à critério de cada um. Pessoalmente, acho que existem várias formas de pescar nesse imenso mar de almas e entre as formas de pescar há uma grande variedade de instrumentos que podemos usar para os diferentes peixes e seus tamanhos. Seguindo essa linha de pensamento, qual foi nossa reação quando soubemos que Britney Spears e os Backstreet Boys iam gravar as orações do papa?

Eu, impulsiva do jeito que sou, pulei e disse: Havendo tantos músicos católicos bons porque procurar esses caras? Depois, considerando todas as redes de pesca e tudo o que foi mencionado previamente, pensei na repercussão positiva que isso poderia ter para os fãs desses artistas que colecionam com grande devoção todos os seus trabalhos. Isso quer dizer que muitos desses caras poderiam chegar a ser tocados pelo Espírito Santo. Só Deus sabe... e nosso venerável papa que permitiu.

Agora voltemos às letras de músicas. Se são as letras das músicas que definem um músico católico, então a Britney Spears e o BSB vão ser cantores católicos. Bem, não me olhem assim!! É uma brincadeira, começando porque eles não são os autores dessas letras...

O ponto é que como cantores católicos comprometidos, não só essas letras devem refletir nossa fé como nosso estilo de vida e a maneira que nos conduzimos no âmbito da música (isso serve também para aqueles cantores que não são autores e vice-versa). Nossos valores cristãos são os que nos devem reger onde quer que vamos, inclusive em nosso emprego.

O mundo da música não é fácil. Há muitos enganadores. Dentro da música católica pode acontecer da mesma maneira porque somos humanos, mas não deveria ser a regra, como ocorre no mundo. A música do mundo é regida pelo dinheiro, imagem, fama e por último a expressão artística.

Mistério ou Negócio?

Há outras coisas que eu queria examinar com vocês. Por exemplo Quando cantamos é ministério ou negócio? Quando abusamos e quando somos abusados ou querer "exercer" nosso talento? O que é justo? O que é bom diante dos olhos de Deus? Quando se tem uma carreira diferente da da música (medicina, advocacia, magistério, informática, negócios) é mais fácil tratar o ministério de música de maneira livre e sem preocupações de se vendo ou não o produto. O que acontece quando a profissão é a música? O que ocorre quando toda a família depende do quanto o músico ganha? É algo a se pensar porque às vezes julgamos rapidamente (começando por mim mesma, admito envergonhada) ao músico que tem preço fixo. Talvez às vezes que eu tenha julgado, tenham sido sem conhecimento de causa... uma vez me disseram sobre as tarifas exorbitantes e a inflexibilidade para 'servir' de alguns artistas católicos. Mas, será que sabemos porque situação esse músico realmente passa? Quando alguém é músico tem que cobrar com certeza. Porém pode um músico católico pago chamar seu trabalho de "ministério de serviço aos demais"? Não estou falando de serviço ao público como é a medicina ou o magistério mas me refiro ao serviço gratuito por amor que o mesmo Cristo nos sugeriu. Alguém poderia me dizer : "Você acha fácil  viver na corda bamba o tempo todo? ". Compreendo que ser músico católico é um trabalho difícil mas volto a me perguntar: "Como se reflete aqui a espiritualidade do músico católico? Há músicos católicos que não vivem em nenhuma corda bamba porque estão bem estabelecidos. Será que temos errado o conceito de esmola?

Eu realmente não tenho respostas para essas perguntas e sempre que as fiz, a resposta foi que cada um tem que discernir isso em seu coração. Encontrar a vontade de Deus em nossas vidas com o talento que Ele deu e tratar de viver bem a justa lei do amor. O que outros decidirem devemos saber respeitar com a mesma devoção com que amamos. Profissionalismo, mediocridade, conformismo ou possibilidade? Vocação ou ganho pessoal?  Por outro lado, penso que todos nós  gostaríamos de melhorar nossos níveis de profissionalismo em nossas produções mas isso implica também uma inversão econômica. A pergunta aqui não é se vale a pena ou não porque para Deus devemos dar nosso máximo. 'Como nos afeta o ânimo e a visão fazer todos esses sacrifícios econômicos que por vezes envolvem nossas famílias? Estamos todos prontos para essa mudança? Outro ponto a considerar: Esse chamado a melhorar é um chamado de Deus ou nasce do nosso próprio afã de competir com o mundo secular?

Outra pergunta que me fiz muitas vezes: Estão todos os músicos católicos chamados a melhorar sua música? Há a possibilidade de que alguns músicos sejam realmente músicos frustrados que não poderão sonhar com a possibilidade de serem músicos profissionais a não ser pela necessidade da igreja de bons músicos. Essa pergunta é dura. Nunca me vi cantando músicas que não falem de Deus. Se eu gostasse de estudar música e tivesse a possilidade de me graduar em algum conservatório, toca piano ou guitarra de maneira profissional, seria bom mas não aconteceu. Talvez Deus que conhece meu ego, tenha querido me proteger ao negar a mim a possibilidade.

Devemos deixar de cantar em alguns lugares porque não reúnem as condições para nos receber? Eu já fui em lugares em que tive de cantar sem microfone porque havia microfonia e minha voz com microfonia não ia dar certo. Em outra vez cancelei uma apresentação porque era em uma feira e havia muito barulho. As vezes temos que aprender a ser humildes e fazer um sacrifício, outras vezes devemos nos dar o respeito pois há lugares em que não é questão de possibilidade e sim de descuido por não haverem se equipado adequadamente dando mais importância às flores, às decorações, às luzes, às roupas que ao som.

E sobre os ciúmes no meio católico? Nem quis entrar nesse tema por medo de ferir algumas pessoas. Porém é uma obrigação moral minha com vocês. Lembro a mim mesma que estou incluída no que vou falar agora. Já senti cíumes mas reconheci a tempo e retifiquei se me meteram em alguma confusão. Meus ciúmes são uma simples manifestação de insegurança. Trago este tema porque nos afeta. Muitas vezes tratamos de encobrir os ciúmes criticando o estilo de vida de nossos companheiros ou pecando por omissão ao não fazer nada para que surjam novos músicos quando podíamos ter feito. Escutei bastante e me deu muita tristeza o que ouvi porque me afetou. Às vezes os mais antigos e bem sucedidos são mais desconfiados e os que começam acham que sabem tudo e que são melhores que os que cederam espaço. Tenho sido uma santa de ficar calada ao ouvir certos comentários mas pago meu pecado tratando me culpar todos os dias.

Meu querido irmão Ferley, eu creio que a espiritualidade do músico católico é a espiritualidade inspirada no amor de Cristo e que esta se manifesta com individualidade própria de cada parte, de cada célula do corpo místico de Cristo: sua Igreja. Este tema tem muitas subdivisões que não conseguiremos esgotar.

Com amor incomensurável de Jesus

Sara

 

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