Cinema Paradiso

Ribeirão Preto: Cinema Paradiso

Se você é brasileiro e tem mais de trinta anos, provavelmente olha com um misto de simpatia e descrédito para empreendimentos na área cultural. Investimentos em música erudita, literatura, dança, teatro e cinema são vistos como “a fundo perdido” - quase filantropia - e as empresas que os patrocinam, abastados mecenas.

Dificilmente levada a sério do ponto de vista da viabilidade econômica, a indústria cultural vem adquirindo novos contornos nos últimos anos. A necessidade das empresas, principalmente as varejistas, de sair da vala comum dos descontos e promoções para atrair e manter consumidores tem favorecido a busca por uma nova forma de construir marcas. Quanto mais exigente e elitizado for o público alvo de uma determinada empresa, maior será a sensibilidade deste público para reconhecer os investimentos que esta empresa venha a fazer nas áreas sociais e culturais. Além do retorno em imagem, tem chamado a atenção o fato de que alguns destes investimentos culturais proporcionam retorno financeiro.

Particularmente o cinema brasileiro, que tem um histórico de dependência de subsídios públicos, tem se revelado promissor e auto-suficiente. Neste contexto, surge em Ribeirão Preto o Núcleo de Cinema - uma ONG que tem como objetivo principal instalar uma indústria cinematográfica auto-sustentável nesta região. Depois de um ano de seu nascimento, o Núcleo manda dizer que vai muito bem, obrigado.

Em artigo publicado recentemente pela imprensa nacional cobrava da iniciativa pública e privada, da região de Ribeirão Preto, maior criatividade e empenho na busca de alternativas viáveis de diversificação da nossa economia. Alertava para o risco óbvio de “colocarmos todos os ovos na mesma cesta”, ainda que fosse uma ótima cesta como a dos agronegócios, notadamente, cana-de-açúcar e derivados. Na ocasião, foram citadas en passant algumas iniciativas louváveis, dentre elas uma da qual tinha ouvido falar, mas pouco conhecia: o Núcleo de Cinema.

Confesso que gosto do assunto (e quem não gosta?), mas daí a considerar a produção cinematográfica regional como um negócio viável e rentável é outra história bem diferente. Fui conferir de perto e fiquei gratamente surpreso. O cinema é de fato uma boa oportunidade de diversificação estratégica para nossa economia regional que deve ser levada a sério.

Garanto que não há nada de quixotesco ou romântico nesta conclusão. Quando se avalia um negócio há que se deixar de lado ufanismos, preferências e ideologias e concentrar-se em seus aspectos mais objetivos. Neste caso, uma boa dose de pragmatismo – “american way” – cai muito bem; portanto, deixemos a poesia e a arte a quem é de direito (diretores, atores, roteiristas, figurinistas etc.) e vamos direto ao que interessa, a profissionais e investidores da região.


Quem faz o Núcleo?

O primeiro aspecto positivo do ambiente interno do Núcleo é sua liderança. Preocupação de dez entre dez administradores modernos, não sem motivo, a liderança de um projeto diz muito sobre sua exeqüibilidade. No caso do Núcleo de Cinema, o timoneiro é o experiente produtor Edgard de Castro. Com um belo currículo que inclui produções nacionais de sucesso como “O Cortiço”, uma adaptação da obra de Aluísio Azevedo, com Betty Farias e grande elenco, e “Bacalhau”, uma sátira de “Tubarão” que teve mais de cinco milhões de espectadores mundo a fora e que lhe valeu uma solicitação de cópia por parte do próprio Steven Spielberg, Castro é um daqueles líderes que respiram e transpiram o que fazem. Possui um alto poder aglutinador, capaz de mobilizar as mais diferentes personalidades em torno do mesmo objetivo e conhece muito bem o ramo em que atua. Sem dúvida um ponto forte. Ao seu lado está o jovem diretor André Ristum, assistente de direção de Bernardo Bertolucci em “Beleza Roubada”, Ristum lançou recentemente seu curta, “Homem Voa?”, sobre Santos Dumont e anda entre a Itália e o Brasil costurando parcerias para um longa metragem, o primeiro do Núcleo.

Além dos curtas e longas, o Núcleo possui dois projetos que visam propagar a cultura cinematográfica junto à comunidade: a “film comission”, um grande levantamento das potencialidades cinematográficas das 84 cidades da região, que poderá servir como cartão de apresentação destas cidades a novos investidores e como material de apoio a projetos educacionais; e o I Festival do Minuto de Ribeirão Preto que, apesar do nome, não se trata apenas de uma versão local do famoso festival internacional. Os três melhores filmes produzidos aqui são automaticamente classificados para o Festival Internacional e a premiação é cumulativa.

O Núcleo conta ainda com uma equipe de apoio administrativo e logístico de alta qualidade e com profissionais que, por acreditarem na iniciativa, têm se interessado e contribuído com suas habilidades para a viabilização do projeto.

Um quesito que ainda pode melhorar, segundo o próprio Castro, é a oferta de mão-de-obra especializada local, tanto na parte técnica (bons roteiristas, por exemplo) quanto nas áreas de apoio como: profissionais que entendam de marketing cultural, leis de incentivo e captação de recursos. A perspectiva é boa. Existe uma promessa do prefeito do campus da USP de Ribeirão Preto, Antônio Mestriner, que já trouxe para a cidade o curso de música, de trazer também o curso de cinema. A conferir.

Além disto, o Núcleo tem promovido cursos e workshops que servem tanto para instruir quanto para garimpar novos talentos. Nas palavras de um dos colaboradores do Núcleo, Enéas da Silva Santos: “Estes cursos são o nosso manguezal”. Deles, se espera, sairão os futuros diretores, roteiristas, atores, enfim, as pessoas que viabilizarão tecnicamente o projeto.


Cinema é negócio?

Sim, e dos grandes. A indústria cinematográfica já é a segunda maior dos EUA. Em Bombaim, na Índia, chegou-se à incrível marca de dois lançamentos por dia – por esta profusão cinematográfica a cidade ficou conhecida como “Bollywood”. O cinema iraniano, por exemplo, fez escola e tem seu público cativo. A pergunta a ser respondida pelo empresariado local é: por que não nós? Vale lembrar também que o cinema tem um grande cliente cativo: a televisão. Mais da metade do que se assiste em TV aberta é cinema.

Em Ribeirão Preto temos luz o ano inteiro, matéria-prima essencial, e excelentes cenários naturais. Temos gente competente para produzir, temos público e dinheiro. Temos o apoio da Prefeitura Municipal de Ribeirão Preto e incentivos fiscais federais, temos um dos menores preços de ingresso do mundo e isto para dizer o mínimo.

O mercado brasileiro de cinema cresce em média 25% ao ano desde a inauguração dos multiplex em 1997. Basta lembrar que o número de salas de cinema em Ribeirão Preto saltou de seis, há cinco anos, para as atuais trinta e duas. O crescimento do cinema nacional é visível e já representa 10% da bilheteria deste mercado. A audiência é qualificada (público das classes A e B), os chamados formadores de opinião e o ambiente proporcionado pelo cinema é extremamente favorável à publicidade e ao merchandising. Não há controle remoto ou telefone tocando, de forma que os fatores de dispersão são mínimos.

Ainda sobre publicidade, o cinema é um veículo que faz excelente associação de imagem. O consumidor, que anda cada vez mais atento, certamente saberá valorizar empresas que apóiem iniciativas como estas. Segundo David Aaker, uma das maiores autoridades mundiais em construção de marcas, o conceito de Brand Equity (valor da marca) é o que vai diferenciar os vencedores dos perdedores neste novo milênio, “foi-se o tempo em que o consumidor se contentava apenas em consumir produtos. O novo, exigente e poderoso consumidor quer saber o que mais a empresa pode fazer por ele e pela sociedade, além de fornecer o óbvio”.

Embora o retorno em imagem seja significativo e a renúncia fiscal seja um direito líquido e certo, o que o Núcleo de Cinema espera é repetir sucessos como o do filme de Sandra Werneck, “O Pequeno Dicionário Amoroso”, patrocinado pela Shell. Neste caso, além da renúncia fiscal, a empresa tinha direito à parte da bilheteria. O resultado não poderia ter sido melhor: deu lucro.

Trocando em miúdos, a empresa tem o direito de eleger o destino do imposto – que, aliás, é devido e deverá ser pago de uma forma ou de outra, ganha com a associação de imagem positiva fortalecendo a marca perante seus consumidores, alimenta o crescimento de uma indústria “limpa”, não poluente, que pode aquecer diversos setores da economia local e ainda corre o saboroso risco de ter lucro. Não há como dar prejuízo. A pior hipótese é o empate financeiro com retorno em imagem.

Henrique Dumont, visionário barão do café, patrocinou o vôo do homem. E o homem voou. O nome do seu filho, Alberto Santos Dummont, está gravado para sempre nas páginas da história mundial e nas imagens do filme de André Ristum. A pergunta que se faz agora é: e o cinema local? Voa? Com a palavra, a iniciativa privada. A oportunidade está aí. Quem tiver olhos para ver, veja.

Fonte: Walber Schwartz que é Professor e Consultor de Administração Mercadológica e Planejamento e Coordenador da Empresa Jr. do Centro Universitário Barão de Mauá ([email protected]).
 

 Alunos da Turma do Curso de Administração de 2002 do Centro Universitário Barão de Mauá de Ribeirão Preto - S.P.
Copyright © 2004  Todos os direitos reservados

 

Hosted by www.Geocities.ws

1 1