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OLENDINO

 

Ele foi o mais lírico quadrinhista da chamada "terceira geração da HQ nacional".Aficcionado pelo gênero terror,compôs obras brilhantes,que encantavam e perturbavam os leitores.Existia magia em suas histórias,aquela magia que ouvimos de contos antigos,contos que ouvimos na infância e ficam gravados em algum lugar de nossas almas.Mas tal qual um personagem misterioso de uma crônica de Edgar Allan Poe,ele sumiu sem dar muitos vestígios.Mas a justiça pode tardar ,porém, jamais falha.

Para os antigos fãs matarem a saudade,e para os mais jovens conhecerem sua arte,eis aqui uma entrevista com Olendino Mendes.

 

 

 

-Entrevistador:Pra começar ,Olendino,nome completo,idade,estado civil,etc.

Olendino:Olendino Mendes ,46 anos até 26 de novembro,casado com Márcia desde 1994.O "etc" é se tenho filhos?Tenho dois:Ana Luiza(6 anos)e Rafael (4 anos).

Como foi seu início na àrea de desenho e de quadrinhos?

Bem,acho que pus o carro na frente dos bois,em relação a quase todo mundo.A primeira vez que ganhei dinheiro com desenho já foi ao publicar "Ru"na Spektro 18,em 1980.Até então minha timidez mórbida não me deixava mostrar meu trabalho aos outros.Só em 1982 tive a carteira assinada como desenhista em uma editora de BH.Eu estava apaixonado e queria casar.Perdi a namorada,mas continuei trabalhando em várias editoras locais,riscando formulários,arte-finalizando blocos de notas fiscais,ilustrando apostilas,até 1998,quando fui despedido e nunca mais consegui emprego na área,só bicos.Hoje tenho a carteira assinada,mas como vigia noturno da escola de meus filhos.

-Olendino,você diz que seu desenho era fraco,mas eu não concordo.Acho que era uma arte que precisava amadurecer,mas que já tinha alma própria.O roteiro e a arte interagiam de forma quase perfeita.Por exemplo,se déssemos a HQ "Tahara",para um artista como Mozart Couto (que é um extraordinário desenhista)ilustrar,creio que não teria o mesmo impacto.Concorda comigo?

Em parte sim.Justamente por ser um desenhista cheio de deficiências,eu escrevia histórias adequadas ao meu estilo,e as coisas se completavam,como você observou .Quem melhor recita os versos é o poeta que os escreveu,mesmo que ele seja gago.

-Fale sobre como era o sistema de trabalhar com o Ota e com a legendária editora Vecchi,creio que muitos leitores tem curiosidade em saber.

Otácilio(nunca consegui chamá-lo pelo apelido),parecia ele próprio um personagem de quadrinhos.Lá estava ele numa salinha cheia de originais e revistas empilhados,os pés sobre a mesa,muito sério,examinando minha história"Uiara".Era uma época especial,sentíamos que estávamos de certa forma fazendo história nos dois sentidos.Nas poucas vezes em que visitei a Vecchi eu tinha a sensação de estar recuando no tempo,visitando a Continental,a Outubro,a Regiart,a GEP,todas as editoras lendárias.Era bom;eu tinha total liberdade para criar.E era ruim;eu não tinha com quem trocar idéias e ou técnicas e dicas para aperfeiçoar o trabalho mais rapidamente.Eu mandava minhas histórias pelo correio,e só ia ao Rio de dois em dois meses,para pegar os cheques.Chegava de manhã e voltava na tarde do mesmo dia.

-E aquela editoras de trabalhos eróticos,você nunca chegou a colaborar com elas?

Uma leitora me escreveu certa vez para contar que a coisa mais erótica que tinha lido era a cena do desvirginamento da Isabel Maria em "Chegaram os Tempos-Parte 3".Era uma coisa mais sugerida que mostrada,e perfeitamente encaixada na narrativa.O meu problema com histórias eróticas é esse:O erótico para mim só funciona bem se integrado á narrativa.Se você vai fazer uma história pelo sexo escrachado em si,ela acaba tendo que ser simples demais,boba demais,ruim demais.Eu até já escrevi alguns roteiros eróticos,mas não desenhei nenhum.Não julguem que é moralismo,nada disso!É que quando eu vejo,a história que deveria ser "erótica" ,já criou ramificações,a trama "se adensou" como diria o Snoopy,e o sexo virou só mais um elemento nela.Não é isso que os editores(e os leitores dessas revistas)iriam querer.

-Você criou a HQ "Coração de estudante",na época da morte do Tancredo e da chamada abertura política.Chegou a sofrer repressão dos militares ou do governo?

É preciso dar o devido crédito ao Ofeliano,que foi quem me sugeriu o tema.Ele me mandou recortes de revistas mostrando o tumulto no velório do Tancredo e disse:"Isso aconteceu na sua cidade.Não dá para fazer uma história?"Eu me senti desafiado(no bom sentido)e topei.Já no dia seguinte mandei uma sinopse que escrevi no trabalho,durante o almoço.Ofeliano vibrou,porque além de romancear sobre uma das pessoas de verdade que morreram naquele episódio,eu fiz uma ligação com a "ciranda da morte"que acontecia naquela época na carceiragem do centro de triagem,que nós aqui chamamos de depósito de presos".

Na hora de desenhar,me perdi um pouco,viajei mais do que devia e coloquei elementos demais,mesmo para as trinta páginas(a história mais longa que já fiz).Tem episódios meus misturados ali.A personagem Luísa é a mesma que mereceu uma dedicatória no quadrinho final da HQ "Uiaramari".Delano é meu alter ego,e os complexos dele são os meus.O ratinho de laboratório Olavo representa a sociedade que acostumou-se a viver sob tutela.Ele se viu indefeso diante da coruja que representa uma certa parcela da classe política.Quanto à sua segunda pergunta,Ademir,quem conseguiu viver os "anos de chumbo"sem ser reprimido?

A antológica história "Coração de estudante".

Falando nisso,não existia na época o projeto de se fazer um filme sobre esta HQ?Que fim levou esta idéia?

O sujeito que se interessou por isso escreveu ao Ofeliano,que me escreveu e eu escrevi de volta.Creio que o nome era Luiz Antonio Qualquer coisa.Ele sumiu sem dar resposta ou vestígio.Não chegou a ser um projeto,foi mais uma consulta.

Olendino,você é mineiro,assim como Tancredo Neves.O que a época da posse e morte dele representou para você?

O mesmo que para todo brasileiro:frustação.A gente sonhou com a volta do Estado de Direito e na hora H,uma coruja deu um rasante,levou nossa esperança no bico e o ex-maioral da ARENA pousou na presidência.Eu acredito muito na Política( com P maiúsculo).Pena que o p minúsculo ainda predomine.

Alguns leitores deram-lhe o título de "Poeta do Terror".O que acha disso?

Eu já disse uma vez no fanzine dos irmãos do Watson que,ao contrário do que possa parecer,não gosto de ler poesia !Que a verdadeira poesia não é cultivada,brota ao acaso como as flores do campo.Se há alguma poesia nas minhas histórias,ela é espontânea,não intencional.Uma curiosidade:Olen era o nome de um poeta grego lendário,sacerdote do templo de Apolo.E Dino quer dizer "terrível",em grego!

Ainda neste assunto,nunca o compararam a Edgar Allan Poe?

Quem me dera!

A sua geração revelou muitos talentos,como Mozart Couto,Ofeliano,Mano,Júlio Emílio Braz,Zenival,Rodval Mathias,Watson Portela,entre outros.Hoje,parece que este pessoal está sumido.O grande problema é mesmo morar no Brasil?

De jeito nenhum!Morar no Brasil é uma benção,acredite!Acontece que as coisas mudam sem pedir licença e sem perguntar o que a gente quer.Não foi esse pessoal que sumiu,mas as revistas onde eles publicavam.

Em matéria de literatura,o que você aprecia?

Romances naturalistas.Quando eu tinha 15 anos li um livro chamado "O delito de todos",escrito por um espanhol,Eduardo Zamacoiz.Era a história de uma camponesa,Águeda Rodriguez,e seus infortúnios.O livro foi como um soco no estômago que eu precisava levar,mostrando os sofrimentos,crises e intrigas das classes miseráveis.Também adorei "Selva Trágica",do Ernani Donato.Recentemente relí "O cortiço",do Aluísio Azevedo.Pena que o Aluísio não era o André Toral,e não fez um álbum retratando aquelas coisas também com imagens.

Cantores mineiros como Mílton Nascimento ,Lô Borges,Beto Guedes,entre outros,trouxeram alguma influência para o seu trabalho?

Bastante.O mineiro é moldado pela geografia do estado.Não sei se uma pessoa nascida em outro lugar consegue captar o significado de uma música como "Paisagem na janela".Eu a ouvi aos 14 anos,em meu quarto,e fiquei hipnotizado.Se você ler "Coração de estudante" com atenção,vai achar versos embutidos nas legendas.Na cena do Antônio Brito anunciando a morte do Tancredo,Edson e Luiza estão em um bar chamado "Clube da esquina",e a legenda diz:"A noite chegou outra vez".

A HQ "Tahara" é para mim um clássico do terror,não consigo esquecer esta história.Alguns leitores também já lhe fizeram comentários sobre ela?

A revista Spektro,no começo,publicava alguns contos clássicos de terror.Lembro-me do conto de Ambrose Bierce,"A Janela Entaipada",que é uma pequena maravilha.Ou "A maldição do quarto vermelho"(Acho que esse é de Conan Doyle,não tenho certeza),ou "Fechado na catacumba",de Lovecraf(esse dá arrepios na gente ,no final).Eu sempre fui alucinado por essas histórias e as recomendava a quem não levava o terror a sério.Então me propus a criar o clima dessas histórias num roteiro de quadrinhos .A primeira tentativa foi "Vingança",que a Spektro publicou com o título de "Necrofilia".

Essa foi a minha primeira história a aparecer nas pesquisas da revista.Tahara foi o melhor momento dessa minha fase.E era para ser uma série.Por vários motivos isso não se concretizou.As revistas da Vecchi foram descontinuadas e,quando ofereci a série ao Franco,ele me disse que as revistas da Press já tinham" vampiras demais".Mais tarde ele mudou de idéia,mas aí já era as revistas da Press que estavam indo para o brejo.Realmente,a maior parte dos comentários elogiosos que recebo são voltadas para esta histórias.Talvez pela frustração de não tê-la continuado eu não a tenha citado como possível obra-prima.

Lendo suas histórias de terror,tinha-se a impressão de se estar tendo um sonho,era tudo impreciso,nebuloso.Isso era planejado?

Planejado não,era espontâneo!Quando criança,ouvi minha mãe narrar casos sobrenaturais que ela afirmava ter ouvido ou presenciado.O que a mãe diz cala fundo na alma de uma criança .E o medo que eu sentia era o que eu passava adiante.Minhas histórias foram feitas durante a noite,no silêncio absoluto,para que a emoção que eu sentia chegasse a quem fosse ler.Parece que deu certo.

Você falou em uma entrevista das dificuldades que sentia sendo um artista autodidata.Hoje você acredita ser fundamental ,para um jovem que quer ser desenhista, ter formação acadêmica e cursar uma boa escola de desenho?

Diploma não é fundamental!Fundamental é ter intercâmbio.Eu só fui autodidata porque não tive a quem recorrer.Não havia fanzines,não havia convenções de quadrinhos.Cursos e oficinas,nem pensar.Então fiz o que podia(as vezes até o que não devia).

Quem é o melhor autor de quadrinhos de terror na sua opinião?

Melhor,não sei.Vou citar o que acho mais importante:Bernie Kriegstein,da EC.Ele foi revolucionário numa época importante.

O que você tem a dizer sobre Stephen King?

Ele tem idéias fantásticas,mas como trabalha em escala industrial faz lá suas porcarias.Talvez eu esteja sendo muito severo.Ele pega detalhes do dia-a-dia das pessoas e mostra seu lado assustador.O problema é que a gente se acostumou a ver a sociedade norte-americana como artificial e fantasiosa,então um cemitério indígena deles não mexe tanto com a minha imaginação quanto uma urna funerária tupiniquim com um esqueleto dentro.

Você criava histórias de terror apenas porque o mercado daquela época(anos 1980)aceitava bastante este tipo de material ou você realmente é (ou era) um grande aficcionado do gênero?

As duas coisas.

Existiu naquela época(85,86)o fã-clube Olendino,que foi criado por um grande fà seu,o Marco Muller.Ele era responsável pelo fanzine "Mutação".Você ainda mantêm algum contato com ele?

O Marco passou a se interessar mais por música,ao que parece, e eu não o acompanhei nesse gosto.Talvez ele tenha se chateado comigo,não sei.Há anos que não tenho notícias dele.

Falando nisso,comente sobre sua HQ "Cissalda",publicada no "Mutação".Esta história teve alguma influência do Moebius?

Alguma?Cissalda seria a minha"Garagem Hermética" ,se tivesse prosseguido.

Em quais fanzines publicou e qual deles você mais gostava?

Além do Mutação,tive uma história publicada no "Energia",dos irmãos do Watson.Também perdi contato com eles.Tenho guardados todos os fanzines que recebi,e gosto de todos.Quem tem me contactado ultimamente é o Tião Ferreira,do Cabrumzine.Estou sempre prometendo mandar algo para ele,mas fique relapso.Não consigo desenferrujar o lápis!

Qual sua opinião sobre o Ofeliano e a revista "Medo"?

Um conceito legal que não foi adiante por questões de mercado.O "Notícias dos Quadrinhos"foi um marco,também.Ofeliano tinha um diferencial como editor:Ele fazia sugestões,apontava falhas e sugeria formas de melhorar o trabalho.Não era um mero compilador de histórias.Eu achava isso muito legal!

Qual foi o último ano que você teve uma HQ publicada? Foi pela "Press editorial"(Maciota)?

Acho que sim."Vento Solar" saiu em 1987,só que nunca foi paga.Aliás,em 1989 eu vi uma revista de terror e comprei.Para minha surpresa,a história de abertura era minha,uma reprise de "Velha História".Não recebi um centavo por essa republicação,como Colin,Shima,Nico Rosso e outros,que tiveram suas histórias reprisadas vezes sem fim por várias editoras ao longo dos anos 60.Compreendi então que o ciclo tinha se fechado de vez.A história estava se repetindo.

Como você acha que será o futuro dos quadrinhos,com todas estas novas tecnologias e com a Internet?

Como bem sugeriu Shimamoto,um dia as pessoas vão voltar a se encantar com a idéia de desenhar com tinta e pincel e,quem sabe,colecionar revistas de papel.Enquanto isso os quadrinhos vão buscando um jeito de se adpatar às novas tecnologias e à Internet.

Que recado você tem a dar aos fãs que esperam uma volta do Olendino ao mecado de quadrinhos?

Esperemos que primeiro o mercado de quadrinhos volte.Bom..se eu tiver paciência para desenhar um daqueles roteiros eróticos...

Antero Leivas me procurou há um ano ou mais,propondo uma republicação dos meus trabalhos,como foi feito com Shima e Marcatti.Mas o projeto parece que esfriou.Também,o álbum ia se chamar Hibernatus.Ao que parece,voltou para a geladeira.

E a clássica pergunta:Que conselho daria para a molecada que quer fazer quadrinhos?

Quem quer fazer quadrinhos não tem cura! Já pegou o vírus!Recomendo vitamina C e muito estudo,para ter uma outra atividade que lhe permita sustentar a si e a família.Garantido isso,pode se entregar sem culpa ao prazer solitário.Estou falando de desenhar!Vocês pensaram o que?Muito importante:busquem formar equipe,sempre que possível.

"O vestido de Anabela"importante história de Olendino,publicada em Mestres doTerror,21(D-Arte).

" No segundo quadro,cena da HQ "Noturnos",obra-prima de Olendino,publicada em Calafrio 24(pela mesma editora D-Arte).

 

 

 

DEZ REFLEXÕES

 

 

Cite um filme que o emocionou.

2001!Mais do que Blade Runner!Pelo menos até eu assistir "Sexto Sentido".

Um grande livro.

Crime e Castigo,de Dostoyevsky.

Uma grande história em quadrinhos.

A Balada do Mar Salgado,de Hugo Pratt.

O disco que você ouviu e nunca esqueceu.

Que os Beatles me perdoem a infidelidade,mas Dark Side Of the Moon,do Pink Floyd,é o disco mais perfeito de todos os tempos.E também foi gravado em Abbey Road.

Um grande ator(TV,cinema,teatro).

Sean Connery,perfeito no meu quarto filme favorito,O nome da Rosa.

A melhor revista nacional de todos os tempos.

Pererê!Pererê!Pererê!Meninos eu li!E era demais!

Uma série de desenhos animados.

Johnny Quest!

Qual HQ você classificaria como sua obra-prima?

"Noturnos",pelo roteiro.

Qual desenhista você gostaria de conhecer?

Shimamoto ,é claro!Quem não gostaria?

Em qual país do mundo você gostaria de passar férias?

No Brasil,em qualquer lugar onde haja mata,montanha,lago,onde tenha friozinho e café com broa de milho de manhãzinha,e sol quente,caminhada e banho de cachoeira à tarde.Conhece algum lugar assim?

 

FIM


 

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