Poesias de Raquel Wandelli

Diário de Pedra

Atrás do tanque da favela tem um olhar que paira

no alto do morro tem uma mulher que berra

a sombra do caminhão de lixo é uma mãe que vela

ameaçando os homens de glória uma prosa rude

na bainha da língua um punhal que estala

de um papel de banha a escrita ruge

em cima do fogão uma pena espera

no meio da prateleira um livro que era

uma sopa vazia, um diário de pedra

no meio das letras uma poeta morta

depois da vida uma lição que tarda

quando amanhecer virá alguém que fala

na sombra da cidade uma alma negra,

e uma voz não cala .

O Outro

O outro me olha com seu olhar turvo

O outro me olha e não me vejo

Ele está atrás das páginas amarelas

ele está atrás de qualquer imagem

Vai aparecer quando o sinal abrir

vai surgir quando eu bater a porta

O outro me imagina sóbrio,

quando sou beat.

Me quer louco ,

onde sou concreto .

Faz da minha prosa poesia

tira acordes para um réquiem

de meus gemidos blues.

Toma minha história mais íntima por fábula

e fabrica meias-verdades de grandiosas mentiras

Rouba minhas intenções,

extrapola minhas margens,

deturpa todos os sentidos.

O outro esfola suas cicatrizes

Às custas do meu prato

Confunde suas lágrimas

com meu sangue

entrega seus sentimentos mais nobres a

minha vil ladainha,

constrói uma criatura de pernas

que não ( tem dono ) é a minha e não é sua.

Contamina-me com suas marcas.

Esparrama-me em meus parágrafos.

Aprisiona meus pensamentos às vezes e

liberta-os em outras.

O outro me acolhe em suas lembranças,

e se esquece de que sou uma ficção

julga-me amigo, mas

me trai a cada palavra

Escrevemos um diálogo surdo, sem

início, nem fim

Compartilhamos estranhas rugas da

memória

sem pertencemos ao mesmo tempo

somos inimigos em silêncio

sou seu aliado na fama

O outro é um fantasma

que segura minha pena quando as folhas

ainda estão em branco.

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