CIDADES MORTAS
Monteiro Lobato

*Profa. Maria Jerusa Rodrigues Marinho

1. O AUTOR – DADOS BIOGRÁFICOS  
José Renato Monteiro Lobato ( o segundo nome, depois, foi substituído por Bento), nasceu em Taubaté, em 1882. Cursa Direito por imposição da família. Participa de grupos e jornais literários e depois de formado é nomeado promotor público. Torna-se fazendeiro ao herdar a fazenda do avô, a qual é vendida para que ele crie a Editora Monteiro Lobato. Embora tenha dinamizado o mercado livreiro, sua editora vai à falência, o que o leva à imprensa do Rio de Janeiro, onde passa a ser colaborador. Mora em Nova York, e na Argentina, que acolhe muito bem suas obras, principalmente as infantis. Participa de inúmeras campanhas públicas e até foi preso por suas idéias revolucionárias. Morre vítima de espasmo pulmonar a 04 de outubro de 1948.

2. OBRAS  
Literatura em Geral – Urupês, Cidades Mortas, Idéias de Jeca Tatu, A Onda Verde, O Choque das Raças ou O Presidente Negro, O Escândalo do Petróleo, entre outras. – Literatura Infantil – Narizinho Arrebitado, O Saci, Fábulas de Narizinho, O Marquês de Rabicó, A Caçada da Onça, Aventuras do Príncipe, História do Mundo, As Caçadas de Pedrinho, Emília no País da Gramática, História das Invenções, Geografia da Dona Benta, Dom Quixote das Crianças, entre dezenas de outras obras.

3. CARACTERÍSTICAS GERAIS
ü Escritor combativo e arrojado.
ü Autor de contos, ensaio e crítica polêmica.
ü Primeiro escritor a elaborar um projeto editorial para crianças.
ü Defensor de uma língua sem a “gramatiquice” – o velório da língua.
ü Defensor ardoso das riquezas brasileiras; famoso é o seu grito de guerra: O Petróleo é Nosso!
ü Um aristocrata (menino de tempo do império) republicano.

ESPAÇO
Itaoca é uma cidadezinha qualquer do interior paulista onde o escritor ambienta suas histórias; nela, aparecem casas de tapera, ruas mal iluminadas, políticos corruptos, patriotas, ignorância, miséria. Representa todas as cidadezinhas que Lobato viu se afundarem no vale do Paraíba.

ESTRUTURA DA OBRA
Cidades Mortas, A vida em Oblivion, Os Perturbadores do Silêncio, Vidinha Ociosa, Cavalinhos, Noite de São João, O Pito do Reverendo, Pedro Pichorra, Cabelos Compridos, O Resto de Onça, Por Que Lopes se casou, Júri na Roça, Gens Ennyyeux, o Fígado Indiscreto, O Plágio, O Romance do Chopin, O Luzeiro Agrícola, A Cruz de Ouro, De Como Quebrei a Cabeça à Mulher do Melo, O Espião Alemão, Café Café, Toque Outra, Um Homem de Consciência, Anta que Berra, O Avô de Crispim, Era no Paraíso, Um Homem Honesto, O Rapto, A Nuvem de Gafanhotos, Tragédia de um Capão de Pintos.

ENREDOS
1. CIDADES MORTAS
Primeiro conto e nome da coletânea faz um retrato das cidades do Norte de São Paulo, no vale do Paraíba, nos áureos tempos do café: “Umas tantas cidades moribundas arrastam um viver decrépito, gasto em chorar na mesquinhez de hoje as saudosas grandezas dantes”. Nos soberbos casarões, vivem plantas, umedecidas pelas goteiras; os móveis empoeirados ainda guardam o esplendor da época com seus candelabros azinhavrados, cujas dezoito velas não se acendem e tudo cheira a bolor e velhice: “São os palácios mortos da cidade morta”. Largado numa praça, encontra-se o antigo teatro, que nos áureos tempos recebeu grandes artistas. Os ricos mudaram-se para o Rio, São Paulo e Europa e os que ficaram amargam uma vida sem horizonte. A única ligação com o mundo se resume no “cordão umbilical do correio”. Tudo contribui para o aspecto de abandono, pois as cidades não têm som que indique vida; só os velhos sons coloniais ainda restam – “o sino, o chilreio das andorinhas na torre da igreja, o rechino dos carros de boi, o cincerro das tropas raras, o taralhar das baitacas que em bando rumoroso cruzam e recruzam o céu”. Tal desolação é maior na área urbana, mas o campo também dá sinais de pouca vitalidade.

2. A VIDA EM OBLIVION
Referência à cidade onde morou, batizada de Oblivion, de onde partiram sues filhos atraídos por novas terras, permanecendo ali “os de vontade anemiada, débeis, faquirianos.” “Mesmeiros”, que todos os dias fazem as mesmas coisas, dormem o mesmo sono, sonham os mesmos sonhos, comem as mesmas comidas, comentam os mesmos assuntos, esperam o mesmo correio, gabam a passada propriedade, lamuriam o presente e pitam – pitam longos cigarrões de palha, matadores do tempo”.
Entre as originalidades de Oblivion, figuram alguns livros e entre eles a obra a ILHA MALDITA de Bernardo Guimarães: “Lê-lo é ir para o mato, para a roça”, mas não uma roça autenticamente brasileira e sim enfeitada de moças refinadas e termos citadinos. “Bernardo falsifica nosso mato... ele mente.” O autor ridiculariza os poucos livros ali existentes e a alienação de seus moradores.

3. PERTUBADORES DO SILÊNCIO
A permanente quietude da cidade é apenas quebrada por alguns “perturbadores”: o sino da igreja, a capina das ruas com seu raspar das enxadas, o coaxar dos sapos. “A algazarra das crianças à saída do grupo escolar e ainda o ranger dos ferros do carrinho da Câmara, coma uma roda só.”

4. A VIDINHA OCIOSA
Em Apólogo ironiza o mal da nossa raça: preguiça de pensar “dizendo que cem fazendeiros em cinco minutos pipocavam os machados nas perobas, mas não seriam capazes de se deter meia hora sobre um papel”.
Em A mesmice mostra os dois motivos que “mantêm a cidade: a botica (fonte de mexerico permanente) e o jogo.
A folhinha – referência ao calendário de parede que distingue os dias da semana do domingo, quando as praças se movimentam e os bares vendem mais pinga.
Touradas – o antigo velódromo foi transformado em circo de touros com apresentações aos populares que se dividem em torcidas.
A enxada e o parafuso – recurso usado no teatrinho da cidade para dar início ao espetáculo; quando um mambembe forasteiro quis substituí-la por três pancadinhas no assoalho dizendo ser moda em Paris, o povo não aceitou, “cada terra com seu uso”.
Rabulices – relata o dia em que os advogados e rábulas se reúnem para a sessão de Júri discorrendo lentamente sobre seus conhecimentos, fazendo daquele um momento de “interminável prosa sobre processos, atos judiciários, movimentos forenses, nomeações, negócios profissionais, pilhérias jurídicas.
Pé no chão – história pitoresca de uma criança e o uso de apenas um pé de sapato, pois a escola não admite aluno descalço, enquanto o outro é guardado, assim o par de botina dura o dobro. Tudo isso em nome da “inconomia”.
Barquinho de papel – costume antigo usado por crianças, após a chuva: barquinhos de papel são colocados na enxurrada, e até os namorados se valem desse costume para mandar mensagens de amor.
O herege – referência às brincadeiras das crianças: ciranda, pegador, a senhora pastora, cantigas de perguntas e respostas.
Juquita – menino travesso, terror dos animais pequenos.
O Jesuíno – outro herói daquela esquecida cidade: o oficial de justiça, cheio de histórias para contar sobre suas atividades e como os intimados o recebem.

5. CAVALINHOS
em tom de saudade, Lauro rememora os tempos em que o pai os levava ao circo de cavalinhos; o palhaço e suas cambalhotas, as músicas, os tabuleiros de doces... “O encanto de tudo aquilo, porém, estava morto, tanto é certo que a beleza das coisas não reside nelas, senão na gente”.

6. A NOITE DE SÃO JOÃO
Ainda persistem algumas tradições e, entre elas, a festa ao redor da fogueira, onde se confraternizam os fandanguistas – “Um dilúvio de pés estanguidos – pés de marmanjões, pés calçados e pés-no-chão, pezinhos de crianças, pés brancos, pés pretos e pés mulatos – das criadinhas e molecotes crias de casa” – Ao som da “sanfona que gemia cadenciada”, mas súbito, “chiou ao longe um buscapé de limalha que, qual raio epilético, enveredou pelo meio do povo aos corcovos, criando o pânico e debandada”. Gengibrada em bules fumegantes e um balão que sobe na noite: “Bonito! Parece o Vesúvio!”

7. O PITO DO REVERENDO
Aguardando importante hóspede em sua casa, o reverendo de Itaoca vê a caseira arrumar tudo, do chão ao teto, preparar o melhor prato e imagina seus tristes dias de abstinência sem o prazer de seu pito. Quando o visitante chega, de ilustre não tinha nada, e o “padre sorveu de um trago o café e refloriu a cara de todos os sorrisos de beatitude; desabotoou a batina, atirou com os pés para acima da mesa, expeliu um suculento arroto de bem-aventurança e berrou para a cozinha: Maria, dá cá o pito”.

8. PEDRO PICHORRA
História de um menino que aos doze anos ganhara sua faca de ponta, sinal de virilidade. Porém, de volta de uma cavalgada até um sítio vizinho, e já quase de noite, sua égua empina a orelha e passarinha; isto era um sinal de saci, E o medo lhe mostrou um “saci de braços espichados, barrigudo, com um olho de fogo que passeava pelo corpo”. Em casa, após o pai ter-lhe tomado a faca e lhe dizer que ele ainda usaria o canivete, explica o ocorrido. “A velha Miquelina havia deitado naquele dia a pichorra d’água a refrescar ao relento à beira do barranco, e um vaga-lume-guaçu pousara nela por acaso, justamente quando o menino ia passando...” Daí em diante passou a se chamar Pedro Pichorra.

9. CABELOS COMPRIDOS
Das Dores é ironicamente retratada: uma moça feia e desengraçada, cujo único atributo são os longos cabelos, inversamente proporcionais às usa idéias; repetia fórmulas prontas e não se dava ao trabalho de pensar e de ter seus conceitos próprios, Assim era vista como “Coitada das Das Dores, tão boazinha...”Apenas isso: boazinha. O cúmulo se deu quando um padre que viera à cidade recomendou ser necessário refletir em cada palavra da oração para que elas tivessem efeito. Foi o que Das Dores fez, passou a soletrar palavra por palavra do Pai Nosso e buscar seus mais variados significados, concluindo pela primeira vez, que aquilo era uma asneira.

10. O RESTO DA ONÇA
O autor se declara avesso aos contos formais que tornam difíceis a leitura e compreensão; assim, para avaliar um bom conto, pede que sua cozinheira, que tem paladar apurado, faça a leitura e dê a opinião a respeito. A história de um caçador da região ilustra o fato – Resto de Onça, é o nome de um corajoso homem, ou o que dele restou em confronto com uma onça. Dessa forma, a narrativa popular, com um devido trato supera as histórias com “a arquimaçadora psicologia do Sr. Alberto de Oliveira”.

11. POR QUE LOPES SE CASOU
Lopes e Lucas eram dois amigos desde a infância; Lucas está casado, com doze filhos e amarga uma triste vida doméstica: seu lar é uma praça de guerra e a esposa o avesso da noiva, a que ele dedicara tantos versos, sonetos e serenatas, além de enfrentar sua família que era contra o casamento. Depois de ouvir os desabafos de Lucas, Lopes resolveu se casar: “Se tinha de acabar como o Lucas, levasse sobre ele, ao menos a  vantagem de menor cópia de versos à futura cascavel”. Porque lhe pareceu que o maior sofrimento do Lucas havia de ser o remorso da enorme bagagem de versos pré-nupciais. E era”.

12. JÚRI DA ROÇA
Há possibilidade de este conto ser a transposição do único caso em que o advogado Lobato tomou parte, quando era promotor em Areias – um júri é um acontecimento imperdível; todos querem estar presentes; no início  o espaço é disputado, mas com o passar do tempo e a longa exposição do advogado, aproximadamente por seis horas, o recinto vai-se esvaziando e, já alta noite, quando os jurados se reúnem, sem saber como apresentar o resultado e o juiz os convoca à nova reclusão, o final é hilariante: encontraram sobre a mesa dos jurados um bilhete dizendo que o réu fora condenado à pena “maquecimo” (máxima – dedução do Juiz) que se espanta com a janela aberta por onde fugiram os jurados. Na sala principal, o juiz acorda os policiais para procurarem o réu, que também havia fugido. Eram três horas da madrugada!

13. GENS ENNUYEUX
Relato crítico de uma enfadonha sessão científica, prestigiada pelas pessoas cultas da cidade, envergando suas sobrecasacas e aparentando enormes o interesse pelo assunto. Com o decorrer da conferência, todos esboçam bocejo e a platéia perde sua pose inicial.

14. O FÍGADO INDISCRETO
Conto que relata com muito humor os apuros de um jovem quando foi jantar em casa de sua futura noiva, e lhe foi servido bife de fígado, iguaria a que ele detestava. Consegue engoli-lo quase por inteiro e a futura sogra interpreta como se ele apreciasse aquele tipo de bife e coloca outro em seu prato. Não conseguindo repetir o feito, o rapaz o coloca no bolso; ao tirar o lenço; o bife cai no chão, e ele tenta desviar a atenção de todos declamando inúmeras poesias, mas, por fim, todos percebem e ele passa a maior vergonha. Além disso, o noivado se desfaz e o pai da noiva passa a dizer: “é um bom rapaz, mas com um grave defeito: quando gostava de um prato não se contentava de comer e repetir – ainda levava escondido no bolso o que podia” – Inácio, o noivo, teve de mudar de terra.

15. O PLÁGIO
Ernesto era um escrivão com interesses literário. Um dia leu o final de um romance e as palavras colaram em seu cérebro de tal forma que ele resolveu escrever para o jornal um conto com aquele soberbo final. Fez e recebeu dos amigos e conhecidos elogios ao texto e principalmente à beleza das palavras finais. Temendo que alguém encontrasse o livro original e descobrisse o plágio, comprou os volumes que encontrou e os queimou para espanto da esposa. Receoso de que os elogios insistentes eram referência proposital ao que fizera, via perigo e armação em todos; afastou-se do convívio das pessoas, emagreceu, adoeceu. O tempo passou e Ernesto sobreviveu. Já era major, tinha seis filhos e continuava a fazer literatura – clandestinamente, embora. “Moralidade há nas fábulas. Na vida, muito pouca – ou nenhuma.”

16. O ROMANCE DO CHOPIM
Um dia, antes do início de uma sessão de cinema, uns amigos vêem um curioso casal entrando na sala. “Ele bem mais moço, tinha um ar vexado e submisso de coisa humana, em singular contraste com o ar mandão da companheira. O estranho casal residia sobretudo nisso, no ar de cada um, senhoril do lado fraco, servil do lado forte. Inquilino e senhoria, quem manda e quem obedece; quem dá e quem recebe”. Um dos amigos aponta o homem com o beiço e murmura: - “Um chopim. – Chopim? – Quer dizer: marido de professora. O povo alcunha-os desse modo por analogia com o passarinho preto que vive à custa do tico-tico”.

17. O LUZEIRO AGRÍCOLA
Crítica a um funcionário público e por extensão ao Ministério da Agricultura por sua prática de órgão sem objetivos e gastador do dinheiro público. Um jovem poeta torna-se funcionário desse órgão e o seu chefe lhe dá como incumbência fazer um relatório. Sobre o quê, pergunta ele. Isso não importa. Você escolhe o assunto, faz o relatório e manda publicá-lo, há uma verba destinada para tal fim. Após pensar muito a respeito, pesquisar isso e aquilo, Sizenando Capistrano descobre, após a esposa lhe jogar na cara um prato de beldroega, que este era o vegetal que procurava! Gastou dois anos entre estudos, elaboração do relatório e sua publicação. Tudo pronto, vai ao ministro livrar-se da incumbência, quando ouve a seguinte resposta: “Mande a papelada para o forno de incineração da Casa da Moeda”. “Que queria que e fizesse  de cinco mil exemplares de um relatório sobre a beldroega?... o mais prático é passar da tipografia ao forno”. Diante da estupefação do funcionário que pergunta ao Ministro o que faria depois, ouve o seguinte: - Escreva outro relatório . – Para ser queimado novamente? – É claro, homem!”

18. A CRUZ DE OURO
Dois coronéis do café (título recebido por terem atingido 10 mil arrobas de café) se encontram e falam sobre suas doenças e seus familiares. Um deles conta que a filha está de namoro com um rapaz pobre mas de boa família, o outro discorda dizendo que ele é primo de Chiquinho, um rapaz que deu um convite para Cruz de Ouro, uma prostituta, comparecer a um espetáculo no clube da Recreativa. Os dois comentam o absurdo de tal presença num local freqüentado por familiares. Ao sair da casa do amigo, o velho coronel se dirige à casa de Cruz de Ouro e tem dificuldade de marcar um encontro: a agenda dela está cheia, inclusive com o nome do outro coronel amigo.

19. DE COMO QUEBREI A CABEÇA À MULHER DO MELO
Convidado para jantar em casa de amigos, um homem explica que não gosta desse tipo de convite porque tem hábitos próprios: comer quando e o que deseja à hora que quiser – o que não ocorreria em casa alheia, sujeito a horários e a cardápios estranhos. Essa recusa nascera de uma fatídica visita à casa de Melo – a anfitriã, desejosa de ser muito solícita, vai  colocando iguarias no prato do visitante que protesta, mas com grande esforço consegue engolir; em dado momento, Melo corta o leitão e a esposa espeta um pedaço de carne e se dirige ao seu hóspede que não sabe como pegou uma garrafa e acertou-a na cabeça da mulher.

20. O ESPIÃO ALEMÃO
Conto que traduz com muito humor o espírito anti-germânico predominante no período da Primeira Guerra. Itaoca fora palco de um incidente singular; uma noite, um estranho vulto, de cabelos ruivos, com um saco às costas, provavelmente parte de um disfarce, foi visto na cidade. Forma acionadas as autoridades que após inúmeros esforços conseguem capturar o inimigo. Este não diz uma palavra compreensível, apenas repete “Ai eme inglix” que na tradução do padre local e pessoa mais culta do lugar significava “estou com fome”. Levado com escolta para a capital, após despedidas, choros e discursos dos que temiam um ataque dos cúmplices do espião, a cidade sente-se temerosa, porém participante da insana II Guerra Mundial. Até que alguns dias depois chegou um telegrama ao chefe de polícia com a seguinte mensagem: “Verificamos prisioneiro súdito  inglês. Receios complicação diplomática. Guardem reserva grotesco incidente”. O coronel José Pedro, não dando  braço a torcer, comunicou que recebera um telegrama confidencial “O caso é mais grave do que supus”. Assim, passou a história de Itacoca a certeza de que aquela cidade fora realmente palco de uma ação bélica.

21. CAFÉ CAFÉ
Relato que reproduz o espírito do homem da terra obcecado pela monocultura do café. Acostumado a vender sua safra por trinta e cinco a quarenta mil réis, não aceitava a queda dos preços que chagava a quatro mil réis. Nem tampouco aceitava a sugestão de cultivar outro cereal. “O homem encolorizava-se e rugia: - Não! Só café! Há de subir muito. Sempre foi assim. Só café!” E mantendo-se obstinadamente nessa idéia viu suas terras perderem o valor, os empregados serem dispensados e as contas levarem parte de sua fazenda.

22. TOQUE OUTRA
Sátira de Monteiro Lobato ao vazio constante nas salas da cidadezinha de Itaoca, preenchidos pelas intermináveis fofocas. Assim, o pedido para que uma jovem tocasse piano era um pretexto para as matronas “abafando o tom geral da palestra”, afundarem nas conversas preferidas: - os criados! Por isso, quando a música terminava, gritavam em coro; “Muito bem, sinhazinha, muito bem! Toque outra!...

23. UM HOMEM DE CONSCIÊNCIA
João Teodoro relembra com saudades os bons tempos de Itaoca; “- Isto já foi muito melhor... já teve três médicos bem bons; agora só um e bem ruinzote. Já teve seis advogados e hoje mal dá serviço para um rábula ordinário como Tenório. Nem circo de cavalinho bate mais por aqui. A gente que presta se muda. Fica o restolho...”Homem pacato e modesto. Honesto e leal, com um defeito apenas: não dar o mínimo valor a si próprio. Um dia foi nomeado delegado. “Delegado, ele!... Ser delegado numa cidadezinha daquelas é coisa seriíssima. Não há cargo mais importante”. Diante disso, e para surpresa de todos, foi embora da cidade.

24. ANTA QUE BERRA
O major Pedro Falaverdade era o maior contador de histórias de caçada “...ele não mentia: atrapalhava-se às vezes, confundia uma caça com outra...”Seus cachorros eram adestrados e Mozart, o mestre da matilha, latia anunciando o tipo de animal que levantara: “Um sinal, paca; dois, veado; três, porco; quatro, anta”. Uma vez o cachorro latira quatro vezes e o major engatilhou sua “Lafourché” à espera da anta que, abatida, “desferiu um berro que parecia fim do mundo”. – “Será que anta berra, major?” – “Ora, que diabo! Estou confundindo. Não era propriamente anta o que eu caçava nesse dia, era um veado!”

25. O AVÔ DE CRISPIM
Crispim Paradeda viva contando história de seu avô. Este viera de Portugal disfarçado de jesuíta, meteu-se pelo interior onde juntou um bom dinheiro vendendo “osso de santo e tabuinhas aplainadas por São José”. Jogou fora a batina e se instalou em uma propriedade que comprara aumentando sua riqueza com a venda de gado. Emprestava dinheiro, até que após alguns calotes, resolveu fechar o cofre e muito esperto, passou a adotar o seguinte lema: “Perder o meu dinheiro não me parece pior, porque, graças a Deus tenho-o de sobra. Mas perder um amigo? Isso nunca!”

26.ERA NO PARAÍSO
Uma fábula satirizando a formação do universo e a origem do homem, que surgiu de um macaco. Este, bateu a cabeça numa pedra ao cair de uma árvore e, a partir dessa lesão, começou a ser inteligente, ou seja, tornou-se Adão; a macaca Eva “permanecia muda ao lado embevecida no macho pensante. Não o compreendia – mas admirava-o, imitava-o e obedecia-lhe passivamente”. Juntos encontraram uma toca e ficaram donos.

27. UM HOMEM HONESTO
Aventura e desventura de João Pereira, um homem verdadeiramente honesto; desde jovem tinha o caráter firme, casou-se, teve duas filhas e mantinha a família à custa de muito trabalho e dignidade. Um dia, de volta de uma viagem de primeira classe, paga por um parente que não aceitou seu bilhete de segunda, João admirava as vantagens e comodidades dos bens aquinhoados da vida: os ricos. Ao descer, percebeu que esquecera seu jornal e voltou para pegá-lo quando encontrou no chão do vagão, um pacote; apalpando-o percebeu que era dinheiro – muito dinheiro. Correu ao chefe da estação e, para surpresa dos presentes, entregou a fortuna. O fato foi parar nos jornais,, que elogiaram o seu gesto e a sua incrível honestidade. Em casa, João deparou com a mulher e as filhas, a princípio concordando com sua atitude, sem saber o verdadeiro montante do pacote; a saberem, ficaram totalmente transtornadas pela loucura do pai – honeeesto! Debochavam de sua cabeça e ingenuidade; o mesmo acontecia no escritório, onde os colegas passaram a evitá-lo e a referir-se a ele como um coitado. Faziam piadas e, ainda a família repetia os risos da vizinhança. Não agüentando mais, ao ser chamado de João Trouxa, o último homem honesto matou-se com um tiro em seu quarto.

28. O RAPTO
Um médico oftalmologista conta a história de um cego, que assim ficara por apanhar muito dos três filhos que viviam com ele sem fazer nada para o sustento da família. O pai fora um homem de recursos, mas, aos poucos vendera tudo até conhecer a miséria total e ainda a cegueira. Abandonado pelos filhos, começou a viver da caridade alheia, o que lhe dava um certo bem-estar: comida, roupas e até chapéus. Humildes, os filhos voltaram porque a situação do pai, de agora, era melhor que a de antes. O médico, ao saber dos fatos, comovido coma a situação do pobre cego, ofereceu-lhe tratamento, por meio de uma cirurgia que lhe devolveria a visão. Tudo acertado para o dia seguinte, o médico foi à procura do paciente que não aparecera. E não apareceria mais, pois os filhos, temerosos de perderem a ajuda que o pai cego recebia e que lhes rendia uma vida boa, raptaram-no.

29. A NUVEM DE GAFANHOTOS
Venâncio, funcionário público, era apaixonado por agricultura, lia livros e publicações a respeito e depois deitava seu conhecimento em todos os lugares por que passava. Chegou a se imaginar ministro da agricultura, após elogios de um coronel da terra sobre seus conceitos e sugestões. Fiel à loteria, cuja a sorte um dia lhe daria a oportunidade de Ter uma fazenda modelo para visitação pública, foi contemplado com vinte mil réis, com os quais comprou um sítio de quinze deixando o restante para ser pago depois. Com cinco mil, investiu na compra de matrizes de aves e porcos de raça, implementos agrícolas e sementes para transformar a velha terra cansada na prosperidade de seus sonhos. Um dia recebeu a carta de um parente do Rio, certo de que ele ganhara uns duzentos contos, anunciando sua visita com a família e de sobra, mais três jovens amigas e duas empregadas – ao todo onze pessoas que ao cabo de três meses devoram-lhe o pomar, a horta e se fartaram de toda a criação, inclusive as mais novinhas. Desolado, Venâncio sonha com uma nuvem de gafanhoto que lhe toma todo o sítio. Após a partida do gafanhoto-mor e sua equipe, restou ao sitiante e esposa a única saída: voltara para a cidade e à antiga condição de funcionário público. Sobre o assunto de agricultura nem se interessava mais e se alguém “falava perto dele em pragas da lavoura, geada, ferrugem, curuquê ou que seja, sorria melancolicamente, murmurando de si para si: - Conheço uma muito pior..”

30. TRAGÉDIA DE UM CAPÃO DE PINTOS
Neste conto, Monteiro Lobato, dá vida aos animais de um sítio, humanizando-os; conta a história de um galo-capão que criava aves de ninhadas diferentes: tonou-se pai de um peru, de um pito e dum marreco. Viu-os crescer e depois serem pratos na mesa dos humanos. Tentava decifrar as palavras proferidas pela dona-de-casa: “estar no ponto”, “pedindo panela”, e “amanhã temos peru” que lhe revelaram a insana intenção de fazer dos seus filhos comida apetitosa. Depois desses acontecimentos, tornou-se um galo triste e jururu. O negro da fazenda colocou-o para aquecer uma ninhada de dez pintos nascidos na véspera; nas altas horas abandonou-os ao frio da noite, não queira mais exercer a profissão de mãe. “Para quê? – Se têm de morrer na cozinha, morram agora enquanto não lhes tenho amor.” Os pintinhos amanheceram mortos, entanguidos de frio. E o castigo do galo-peva foi a panela, e para espanto e tristeza dos outros animais, no fundo da horta, jaziam seus despojos. Horríveis. “Um urubu pousado ali perto não pensava assim”.

IDÉIA E ESTILO
Cidades Mortas está entre as primeiras obras que correm o país em livro. Seus contos ambientam-se em uma cidadezinha do inteiror paulista do vale do Paraíba, o que justifica o cunho regionalista de sua obra.

No entanto, seus personagens são típicos brasileiros, envolvidos em situações engraçadas, vivendo acontecimentos cômicos que quebram a monotonia da vida de Oblivion e Itaoca, cidades onde o tempo parou.

A intenção do autor ao penetrar nessas vidas é fazer uma crítica, embora elegante e sutil. Mas, às vezes, é saudosista, quando resgata acontecimentos trazidos da sua infância feliz. Alguns contos têm desfecho surpreendente, outras questionam valores de moralidade e o comportamento na sociedade.

Polêmico e criticado por suas idéias políticas e culturais, Lobato mostrou-se um inovador no plano da linguagem, pois acreditava que a imposição das regras contrariava a lei da evolução. “Que é a língua dum país? É a mais bela obra coletiva desse país.” Defendia a idéia de que não “há lei humana que dirija uma língua, porque  língua é fenômeno natural, como a oferta e a procura, como o crescimento da crianças, como a 
senilidade”.

Em Cidades Mortas nota-se a liberdade de vocabulário, e emprego de expressões que caracterizam aquelas cidades como “velha avó entrevada”, que “foi rica um dia e hoje é quieta”. São “história sobre gente medíocre, sonolenta, vivendo um sossego que é como o frio nas regiões árticas: uma permanente.”

  • Em vários contos emprega onomatopéias
“E toca: blem, blem, belelém...”
“- um, dois, três: glug! Rodou, esôfago abaixo...”
“- Dlin, dlin, dlin!... está aberta a sessão”
“Novo psst!”
“- Logo em seguida, porém, toc, toc, toc...”?“
  • Cria palavras e expressões – neologismos – 
“Lucas amou-a em regra e sonetou-a inteira dos cabelos aos pés
“... o promotor fala e refala;”
“... Um manotaço de unha na cara...
“... todo o rodapé dos jornais e albertizou-se durante meia hora.
“...É feia, é desengraçada, é inelegante, é magérrima”
“Diz e rediz.”
  • Emprega gírias e palavras da época, e do interior, hoje em desuso.
“- Mamãe, o carrinho e vem vindo!”
“- Salvam-na a botica (a farmácia) e o jogo”.
“- deitou o sojeito no chão”- “o povo pedia o paiaço...”.
“- os filhos vinheram...”
“- Mas parece que o sujeitinho levou tábuas...” (foi recusado)
“Se ele quiser vinte e três mil-réis...”
“Ela não deseste da porca.”
“É, a tese é catita;”
“Os home! ... não há de ter um descansinho na somana?”
u Faz algumas considerações com provérbios
“Impossível negar as vantagens sociais da música”.
“Ladrão é quem furta um, quem pega mil é barão.”
“O segredo de todas as vitórias está em ser um homem do seu tempo...”
“Cada roca tem seu fuso”.
  • Com humor, compõe alguns nomes de personagens.
“Dona Fafá, dona Fifi, dona Fufu”.
“Três filhas: Bibi, Babá, Bubu”.
“Só Adão, o macaco lesado...”- “Eva, a macaca ilesa,”
“- Parzinho jeitoso, a Miloca e o Lulu, não?”
Com objetividade, clareza, espírito jocoso e pitoresco Monteiro Lobato foi um “criador sempre feliz em observar seus personagens caminhando com suas próprias pernas, segundo suas próprias cabeças. Cidades Mortas é uma fotografia: o real visto pela lente lobatiana”.
Monteiro Lobato - que ironia – um escritor de luz própria, independente, arrojado e por tanto tempo incompreendido e até mesmo boicotado.
“? Isso acontece com aqueles que, como ele, estão muito à frente de sue tempo”.

*Maria Jerusa Rodrigues Marinho, professora de Português de cursos preparatórios de vestibulares em Campo Grande-MS, prepara apostilas de análises de livros das listas de leitura obrigatória da UFMS, UCDB e UNIDERP. Telefone: 989 0984.
 
 
 

 

 
   
 

Estudos e resumos de livros
 


CIDADES MORTAS
Monteiro Lobato

*Profa. Maria Jerusa Rodrigues Marinho

1. O AUTOR – DADOS BIOGRÁFICOS  
José Renato Monteiro Lobato ( o segundo nome, depois, foi substituído por Bento), nasceu em Taubaté, em 1882. Cursa Direito por imposição da família. Participa de grupos e jornais literários e depois de formado é nomeado promotor público. Torna-se fazendeiro ao herdar a fazenda do avô, a qual é vendida para que ele crie a Editora Monteiro Lobato. Embora tenha dinamizado o mercado livreiro, sua editora vai à falência, o que o leva à imprensa do Rio de Janeiro, onde passa a ser colaborador. Mora em Nova York, e na Argentina, que acolhe muito bem suas obras, principalmente as infantis. Participa de inúmeras campanhas públicas e até foi preso por suas idéias revolucionárias. Morre vítima de espasmo pulmonar a 04 de outubro de 1948.

2. OBRAS  
Literatura em Geral – Urupês, Cidades Mortas, Idéias de Jeca Tatu, A Onda Verde, O Choque das Raças ou O Presidente Negro, O Escândalo do Petróleo, entre outras. – Literatura Infantil – Narizinho Arrebitado, O Saci, Fábulas de Narizinho, O Marquês de Rabicó, A Caçada da Onça, Aventuras do Príncipe, História do Mundo, As Caçadas de Pedrinho, Emília no País da Gramática, História das Invenções, Geografia da Dona Benta, Dom Quixote das Crianças, entre dezenas de outras obras.

3. CARACTERÍSTICAS GERAIS
ü Escritor combativo e arrojado.
ü Autor de contos, ensaio e crítica polêmica.
ü Primeiro escritor a elaborar um projeto editorial para crianças.
ü Defensor de uma língua sem a “gramatiquice” – o velório da língua.
ü Defensor ardoso das riquezas brasileiras; famoso é o seu grito de guerra: O Petróleo é Nosso!
ü Um aristocrata (menino de tempo do império) republicano.

ESPAÇO
Itaoca é uma cidadezinha qualquer do interior paulista onde o escritor ambienta suas histórias; nela, aparecem casas de tapera, ruas mal iluminadas, políticos corruptos, patriotas, ignorância, miséria. Representa todas as cidadezinhas que Lobato viu se afundarem no vale do Paraíba.

ESTRUTURA DA OBRA
Cidades Mortas, A vida em Oblivion, Os Perturbadores do Silêncio, Vidinha Ociosa, Cavalinhos, Noite de São João, O Pito do Reverendo, Pedro Pichorra, Cabelos Compridos, O Resto de Onça, Por Que Lopes se casou, Júri na Roça, Gens Ennyyeux, o Fígado Indiscreto, O Plágio, O Romance do Chopin, O Luzeiro Agrícola, A Cruz de Ouro, De Como Quebrei a Cabeça à Mulher do Melo, O Espião Alemão, Café Café, Toque Outra, Um Homem de Consciência, Anta que Berra, O Avô de Crispim, Era no Paraíso, Um Homem Honesto, O Rapto, A Nuvem de Gafanhotos, Tragédia de um Capão de Pintos.

ENREDOS
1. CIDADES MORTAS
Primeiro conto e nome da coletânea faz um retrato das cidades do Norte de São Paulo, no vale do Paraíba, nos áureos tempos do café: “Umas tantas cidades moribundas arrastam um viver decrépito, gasto em chorar na mesquinhez de hoje as saudosas grandezas dantes”. Nos soberbos casarões, vivem plantas, umedecidas pelas goteiras; os móveis empoeirados ainda guardam o esplendor da época com seus candelabros azinhavrados, cujas dezoito velas não se acendem e tudo cheira a bolor e velhice: “São os palácios mortos da cidade morta”. Largado numa praça, encontra-se o antigo teatro, que nos áureos tempos recebeu grandes artistas. Os ricos mudaram-se para o Rio, São Paulo e Europa e os que ficaram amargam uma vida sem horizonte. A única ligação com o mundo se resume no “cordão umbilical do correio”. Tudo contribui para o aspecto de abandono, pois as cidades não têm som que indique vida; só os velhos sons coloniais ainda restam – “o sino, o chilreio das andorinhas na torre da igreja, o rechino dos carros de boi, o cincerro das tropas raras, o taralhar das baitacas que em bando rumoroso cruzam e recruzam o céu”. Tal desolação é maior na área urbana, mas o campo também dá sinais de pouca vitalidade.

2. A VIDA EM OBLIVION
Referência à cidade onde morou, batizada de Oblivion, de onde partiram sues filhos atraídos por novas terras, permanecendo ali “os de vontade anemiada, débeis, faquirianos.” “Mesmeiros”, que todos os dias fazem as mesmas coisas, dormem o mesmo sono, sonham os mesmos sonhos, comem as mesmas comidas, comentam os mesmos assuntos, esperam o mesmo correio, gabam a passada propriedade, lamuriam o presente e pitam – pitam longos cigarrões de palha, matadores do tempo”.
Entre as originalidades de Oblivion, figuram alguns livros e entre eles a obra a ILHA MALDITA de Bernardo Guimarães: “Lê-lo é ir para o mato, para a roça”, mas não uma roça autenticamente brasileira e sim enfeitada de moças refinadas e termos citadinos. “Bernardo falsifica nosso mato... ele mente.” O autor ridiculariza os poucos livros ali existentes e a alienação de seus moradores.

3. PERTUBADORES DO SILÊNCIO
A permanente quietude da cidade é apenas quebrada por alguns “perturbadores”: o sino da igreja, a capina das ruas com seu raspar das enxadas, o coaxar dos sapos. “A algazarra das crianças à saída do grupo escolar e ainda o ranger dos ferros do carrinho da Câmara, coma uma roda só.”

4. A VIDINHA OCIOSA
Em Apólogo ironiza o mal da nossa raça: preguiça de pensar “dizendo que cem fazendeiros em cinco minutos pipocavam os machados nas perobas, mas não seriam capazes de se deter meia hora sobre um papel”.
Em A mesmice mostra os dois motivos que “mantêm a cidade: a botica (fonte de mexerico permanente) e o jogo.
A folhinha – referência ao calendário de parede que distingue os dias da semana do domingo, quando as praças se movimentam e os bares vendem mais pinga.
Touradas – o antigo velódromo foi transformado em circo de touros com apresentações aos populares que se dividem em torcidas.
A enxada e o parafuso – recurso usado no teatrinho da cidade para dar início ao espetáculo; quando um mambembe forasteiro quis substituí-la por três pancadinhas no assoalho dizendo ser moda em Paris, o povo não aceitou, “cada terra com seu uso”.
Rabulices – relata o dia em que os advogados e rábulas se reúnem para a sessão de Júri discorrendo lentamente sobre seus conhecimentos, fazendo daquele um momento de “interminável prosa sobre processos, atos judiciários, movimentos forenses, nomeações, negócios profissionais, pilhérias jurídicas.
Pé no chão – história pitoresca de uma criança e o uso de apenas um pé de sapato, pois a escola não admite aluno descalço, enquanto o outro é guardado, assim o par de botina dura o dobro. Tudo isso em nome da “inconomia”.
Barquinho de papel – costume antigo usado por crianças, após a chuva: barquinhos de papel são colocados na enxurrada, e até os namorados se valem desse costume para mandar mensagens de amor.
O herege – referência às brincadeiras das crianças: ciranda, pegador, a senhora pastora, cantigas de perguntas e respostas.
Juquita – menino travesso, terror dos animais pequenos.
O Jesuíno – outro herói daquela esquecida cidade: o oficial de justiça, cheio de histórias para contar sobre suas atividades e como os intimados o recebem.

5. CAVALINHOS
em tom de saudade, Lauro rememora os tempos em que o pai os levava ao circo de cavalinhos; o palhaço e suas cambalhotas, as músicas, os tabuleiros de doces... “O encanto de tudo aquilo, porém, estava morto, tanto é certo que a beleza das coisas não reside nelas, senão na gente”.

6. A NOITE DE SÃO JOÃO
Ainda persistem algumas tradições e, entre elas, a festa ao redor da fogueira, onde se confraternizam os fandanguistas – “Um dilúvio de pés estanguidos – pés de marmanjões, pés calçados e pés-no-chão, pezinhos de crianças, pés brancos, pés pretos e pés mulatos – das criadinhas e molecotes crias de casa” – Ao som da “sanfona que gemia cadenciada”, mas súbito, “chiou ao longe um buscapé de limalha que, qual raio epilético, enveredou pelo meio do povo aos corcovos, criando o pânico e debandada”. Gengibrada em bules fumegantes e um balão que sobe na noite: “Bonito! Parece o Vesúvio!”

7. O PITO DO REVERENDO
Aguardando importante hóspede em sua casa, o reverendo de Itaoca vê a caseira arrumar tudo, do chão ao teto, preparar o melhor prato e imagina seus tristes dias de abstinência sem o prazer de seu pito. Quando o visitante chega, de ilustre não tinha nada, e o “padre sorveu de um trago o café e refloriu a cara de todos os sorrisos de beatitude; desabotoou a batina, atirou com os pés para acima da mesa, expeliu um suculento arroto de bem-aventurança e berrou para a cozinha: Maria, dá cá o pito”.

8. PEDRO PICHORRA
História de um menino que aos doze anos ganhara sua faca de ponta, sinal de virilidade. Porém, de volta de uma cavalgada até um sítio vizinho, e já quase de noite, sua égua empina a orelha e passarinha; isto era um sinal de saci, E o medo lhe mostrou um “saci de braços espichados, barrigudo, com um olho de fogo que passeava pelo corpo”. Em casa, após o pai ter-lhe tomado a faca e lhe dizer que ele ainda usaria o canivete, explica o ocorrido. “A velha Miquelina havia deitado naquele dia a pichorra d’água a refrescar ao relento à beira do barranco, e um vaga-lume-guaçu pousara nela por acaso, justamente quando o menino ia passando...” Daí em diante passou a se chamar Pedro Pichorra.

9. CABELOS COMPRIDOS
Das Dores é ironicamente retratada: uma moça feia e desengraçada, cujo único atributo são os longos cabelos, inversamente proporcionais às usa idéias; repetia fórmulas prontas e não se dava ao trabalho de pensar e de ter seus conceitos próprios, Assim era vista como “Coitada das Das Dores, tão boazinha...”Apenas isso: boazinha. O cúmulo se deu quando um padre que viera à cidade recomendou ser necessário refletir em cada palavra da oração para que elas tivessem efeito. Foi o que Das Dores fez, passou a soletrar palavra por palavra do Pai Nosso e buscar seus mais variados significados, concluindo pela primeira vez, que aquilo era uma asneira.

10. O RESTO DA ONÇA
O autor se declara avesso aos contos formais que tornam difíceis a leitura e compreensão; assim, para avaliar um bom conto, pede que sua cozinheira, que tem paladar apurado, faça a leitura e dê a opinião a respeito. A história de um caçador da região ilustra o fato – Resto de Onça, é o nome de um corajoso homem, ou o que dele restou em confronto com uma onça. Dessa forma, a narrativa popular, com um devido trato supera as histórias com “a arquimaçadora psicologia do Sr. Alberto de Oliveira”.

11. POR QUE LOPES SE CASOU
Lopes e Lucas eram dois amigos desde a infância; Lucas está casado, com doze filhos e amarga uma triste vida doméstica: seu lar é uma praça de guerra e a esposa o avesso da noiva, a que ele dedicara tantos versos, sonetos e serenatas, além de enfrentar sua família que era contra o casamento. Depois de ouvir os desabafos de Lucas, Lopes resolveu se casar: “Se tinha de acabar como o Lucas, levasse sobre ele, ao menos a  vantagem de menor cópia de versos à futura cascavel”. Porque lhe pareceu que o maior sofrimento do Lucas havia de ser o remorso da enorme bagagem de versos pré-nupciais. E era”.

12. JÚRI DA ROÇA
Há possibilidade de este conto ser a transposição do único caso em que o advogado Lobato tomou parte, quando era promotor em Areias – um júri é um acontecimento imperdível; todos querem estar presentes; no início  o espaço é disputado, mas com o passar do tempo e a longa exposição do advogado, aproximadamente por seis horas, o recinto vai-se esvaziando e, já alta noite, quando os jurados se reúnem, sem saber como apresentar o resultado e o juiz os convoca à nova reclusão, o final é hilariante: encontraram sobre a mesa dos jurados um bilhete dizendo que o réu fora condenado à pena “maquecimo” (máxima – dedução do Juiz) que se espanta com a janela aberta por onde fugiram os jurados. Na sala principal, o juiz acorda os policiais para procurarem o réu, que também havia fugido. Eram três horas da madrugada!

13. GENS ENNUYEUX
Relato crítico de uma enfadonha sessão científica, prestigiada pelas pessoas cultas da cidade, envergando suas sobrecasacas e aparentando enormes o interesse pelo assunto. Com o decorrer da conferência, todos esboçam bocejo e a platéia perde sua pose inicial.

14. O FÍGADO INDISCRETO
Conto que relata com muito humor os apuros de um jovem quando foi jantar em casa de sua futura noiva, e lhe foi servido bife de fígado, iguaria a que ele detestava. Consegue engoli-lo quase por inteiro e a futura sogra interpreta como se ele apreciasse aquele tipo de bife e coloca outro em seu prato. Não conseguindo repetir o feito, o rapaz o coloca no bolso; ao tirar o lenço; o bife cai no chão, e ele tenta desviar a atenção de todos declamando inúmeras poesias, mas, por fim, todos percebem e ele passa a maior vergonha. Além disso, o noivado se desfaz e o pai da noiva passa a dizer: “é um bom rapaz, mas com um grave defeito: quando gostava de um prato não se contentava de comer e repetir – ainda levava escondido no bolso o que podia” – Inácio, o noivo, teve de mudar de terra.

15. O PLÁGIO
Ernesto era um escrivão com interesses literário. Um dia leu o final de um romance e as palavras colaram em seu cérebro de tal forma que ele resolveu escrever para o jornal um conto com aquele soberbo final. Fez e recebeu dos amigos e conhecidos elogios ao texto e principalmente à beleza das palavras finais. Temendo que alguém encontrasse o livro original e descobrisse o plágio, comprou os volumes que encontrou e os queimou para espanto da esposa. Receoso de que os elogios insistentes eram referência proposital ao que fizera, via perigo e armação em todos; afastou-se do convívio das pessoas, emagreceu, adoeceu. O tempo passou e Ernesto sobreviveu. Já era major, tinha seis filhos e continuava a fazer literatura – clandestinamente, embora. “Moralidade há nas fábulas. Na vida, muito pouca – ou nenhuma.”

16. O ROMANCE DO CHOPIM
Um dia, antes do início de uma sessão de cinema, uns amigos vêem um curioso casal entrando na sala. “Ele bem mais moço, tinha um ar vexado e submisso de coisa humana, em singular contraste com o ar mandão da companheira. O estranho casal residia sobretudo nisso, no ar de cada um, senhoril do lado fraco, servil do lado forte. Inquilino e senhoria, quem manda e quem obedece; quem dá e quem recebe”. Um dos amigos aponta o homem com o beiço e murmura: - “Um chopim. – Chopim? – Quer dizer: marido de professora. O povo alcunha-os desse modo por analogia com o passarinho preto que vive à custa do tico-tico”.

17. O LUZEIRO AGRÍCOLA
Crítica a um funcionário público e por extensão ao Ministério da Agricultura por sua prática de órgão sem objetivos e gastador do dinheiro público. Um jovem poeta torna-se funcionário desse órgão e o seu chefe lhe dá como incumbência fazer um relatório. Sobre o quê, pergunta ele. Isso não importa. Você escolhe o assunto, faz o relatório e manda publicá-lo, há uma verba destinada para tal fim. Após pensar muito a respeito, pesquisar isso e aquilo, Sizenando Capistrano descobre, após a esposa lhe jogar na cara um prato de beldroega, que este era o vegetal que procurava! Gastou dois anos entre estudos, elaboração do relatório e sua publicação. Tudo pronto, vai ao ministro livrar-se da incumbência, quando ouve a seguinte resposta: “Mande a papelada para o forno de incineração da Casa da Moeda”. “Que queria que e fizesse  de cinco mil exemplares de um relatório sobre a beldroega?... o mais prático é passar da tipografia ao forno”. Diante da estupefação do funcionário que pergunta ao Ministro o que faria depois, ouve o seguinte: - Escreva outro relatório . – Para ser queimado novamente? – É claro, homem!”

18. A CRUZ DE OURO
Dois coronéis do café (título recebido por terem atingido 10 mil arrobas de café) se encontram e falam sobre suas doenças e seus familiares. Um deles conta que a filha está de namoro com um rapaz pobre mas de boa família, o outro discorda dizendo que ele é primo de Chiquinho, um rapaz que deu um convite para Cruz de Ouro, uma prostituta, comparecer a um espetáculo no clube da Recreativa. Os dois comentam o absurdo de tal presença num local freqüentado por familiares. Ao sair da casa do amigo, o velho coronel se dirige à casa de Cruz de Ouro e tem dificuldade de marcar um encontro: a agenda dela está cheia, inclusive com o nome do outro coronel amigo.

19. DE COMO QUEBREI A CABEÇA À MULHER DO MELO
Convidado para jantar em casa de amigos, um homem explica que não gosta desse tipo de convite porque tem hábitos próprios: comer quando e o que deseja à hora que quiser – o que não ocorreria em casa alheia, sujeito a horários e a cardápios estranhos. Essa recusa nascera de uma fatídica visita à casa de Melo – a anfitriã, desejosa de ser muito solícita, vai  colocando iguarias no prato do visitante que protesta, mas com grande esforço consegue engolir; em dado momento, Melo corta o leitão e a esposa espeta um pedaço de carne e se dirige ao seu hóspede que não sabe como pegou uma garrafa e acertou-a na cabeça da mulher.

20. O ESPIÃO ALEMÃO
Conto que traduz com muito humor o espírito anti-germânico predominante no período da Primeira Guerra. Itaoca fora palco de um incidente singular; uma noite, um estranho vulto, de cabelos ruivos, com um saco às costas, provavelmente parte de um disfarce, foi visto na cidade. Forma acionadas as autoridades que após inúmeros esforços conseguem capturar o inimigo. Este não diz uma palavra compreensível, apenas repete “Ai eme inglix” que na tradução do padre local e pessoa mais culta do lugar significava “estou com fome”. Levado com escolta para a capital, após despedidas, choros e discursos dos que temiam um ataque dos cúmplices do espião, a cidade sente-se temerosa, porém participante da insana II Guerra Mundial. Até que alguns dias depois chegou um telegrama ao chefe de polícia com a seguinte mensagem: “Verificamos prisioneiro súdito  inglês. Receios complicação diplomática. Guardem reserva grotesco incidente”. O coronel José Pedro, não dando  braço a torcer, comunicou que recebera um telegrama confidencial “O caso é mais grave do que supus”. Assim, passou a história de Itacoca a certeza de que aquela cidade fora realmente palco de uma ação bélica.

21. CAFÉ CAFÉ
Relato que reproduz o espírito do homem da terra obcecado pela monocultura do café. Acostumado a vender sua safra por trinta e cinco a quarenta mil réis, não aceitava a queda dos preços que chagava a quatro mil réis. Nem tampouco aceitava a sugestão de cultivar outro cereal. “O homem encolorizava-se e rugia: - Não! Só café! Há de subir muito. Sempre foi assim. Só café!” E mantendo-se obstinadamente nessa idéia viu suas terras perderem o valor, os empregados serem dispensados e as contas levarem parte de sua fazenda.

22. TOQUE OUTRA
Sátira de Monteiro Lobato ao vazio constante nas salas da cidadezinha de Itaoca, preenchidos pelas intermináveis fofocas. Assim, o pedido para que uma jovem tocasse piano era um pretexto para as matronas “abafando o tom geral da palestra”, afundarem nas conversas preferidas: - os criados! Por isso, quando a música terminava, gritavam em coro; “Muito bem, sinhazinha, muito bem! Toque outra!...

23. UM HOMEM DE CONSCIÊNCIA
João Teodoro relembra com saudades os bons tempos de Itaoca; “- Isto já foi muito melhor... já teve três médicos bem bons; agora só um e bem ruinzote. Já teve seis advogados e hoje mal dá serviço para um rábula ordinário como Tenório. Nem circo de cavalinho bate mais por aqui. A gente que presta se muda. Fica o restolho...”Homem pacato e modesto. Honesto e leal, com um defeito apenas: não dar o mínimo valor a si próprio. Um dia foi nomeado delegado. “Delegado, ele!... Ser delegado numa cidadezinha daquelas é coisa seriíssima. Não há cargo mais importante”. Diante disso, e para surpresa de todos, foi embora da cidade.

24. ANTA QUE BERRA
O major Pedro Falaverdade era o maior contador de histórias de caçada “...ele não mentia: atrapalhava-se às vezes, confundia uma caça com outra...”Seus cachorros eram adestrados e Mozart, o mestre da matilha, latia anunciando o tipo de animal que levantara: “Um sinal, paca; dois, veado; três, porco; quatro, anta”. Uma vez o cachorro latira quatro vezes e o major engatilhou sua “Lafourché” à espera da anta que, abatida, “desferiu um berro que parecia fim do mundo”. – “Será que anta berra, major?” – “Ora, que diabo! Estou confundindo. Não era propriamente anta o que eu caçava nesse dia, era um veado!”

25. O AVÔ DE CRISPIM
Crispim Paradeda viva contando história de seu avô. Este viera de Portugal disfarçado de jesuíta, meteu-se pelo interior onde juntou um bom dinheiro vendendo “osso de santo e tabuinhas aplainadas por São José”. Jogou fora a batina e se instalou em uma propriedade que comprara aumentando sua riqueza com a venda de gado. Emprestava dinheiro, até que após alguns calotes, resolveu fechar o cofre e muito esperto, passou a adotar o seguinte lema: “Perder o meu dinheiro não me parece pior, porque, graças a Deus tenho-o de sobra. Mas perder um amigo? Isso nunca!”

26.ERA NO PARAÍSO
Uma fábula satirizando a formação do universo e a origem do homem, que surgiu de um macaco. Este, bateu a cabeça numa pedra ao cair de uma árvore e, a partir dessa lesão, começou a ser inteligente, ou seja, tornou-se Adão; a macaca Eva “permanecia muda ao lado embevecida no macho pensante. Não o compreendia – mas admirava-o, imitava-o e obedecia-lhe passivamente”. Juntos encontraram uma toca e ficaram donos.

27. UM HOMEM HONESTO
Aventura e desventura de João Pereira, um homem verdadeiramente honesto; desde jovem tinha o caráter firme, casou-se, teve duas filhas e mantinha a família à custa de muito trabalho e dignidade. Um dia, de volta de uma viagem de primeira classe, paga por um parente que não aceitou seu bilhete de segunda, João admirava as vantagens e comodidades dos bens aquinhoados da vida: os ricos. Ao descer, percebeu que esquecera seu jornal e voltou para pegá-lo quando encontrou no chão do vagão, um pacote; apalpando-o percebeu que era dinheiro – muito dinheiro. Correu ao chefe da estação e, para surpresa dos presentes, entregou a fortuna. O fato foi parar nos jornais,, que elogiaram o seu gesto e a sua incrível honestidade. Em casa, João deparou com a mulher e as filhas, a princípio concordando com sua atitude, sem saber o verdadeiro montante do pacote; a saberem, ficaram totalmente transtornadas pela loucura do pai – honeeesto! Debochavam de sua cabeça e ingenuidade; o mesmo acontecia no escritório, onde os colegas passaram a evitá-lo e a referir-se a ele como um coitado. Faziam piadas e, ainda a família repetia os risos da vizinhança. Não agüentando mais, ao ser chamado de João Trouxa, o último homem honesto matou-se com um tiro em seu quarto.

28. O RAPTO
Um médico oftalmologista conta a história de um cego, que assim ficara por apanhar muito dos três filhos que viviam com ele sem fazer nada para o sustento da família. O pai fora um homem de recursos, mas, aos poucos vendera tudo até conhecer a miséria total e ainda a cegueira. Abandonado pelos filhos, começou a viver da caridade alheia, o que lhe dava um certo bem-estar: comida, roupas e até chapéus. Humildes, os filhos voltaram porque a situação do pai, de agora, era melhor que a de antes. O médico, ao saber dos fatos, comovido coma a situação do pobre cego, ofereceu-lhe tratamento, por meio de uma cirurgia que lhe devolveria a visão. Tudo acertado para o dia seguinte, o médico foi à procura do paciente que não aparecera. E não apareceria mais, pois os filhos, temerosos de perderem a ajuda que o pai cego recebia e que lhes rendia uma vida boa, raptaram-no.

29. A NUVEM DE GAFANHOTOS
Venâncio, funcionário público, era apaixonado por agricultura, lia livros e publicações a respeito e depois deitava seu conhecimento em todos os lugares por que passava. Chegou a se imaginar ministro da agricultura, após elogios de um coronel da terra sobre seus conceitos e sugestões. Fiel à loteria, cuja a sorte um dia lhe daria a oportunidade de Ter uma fazenda modelo para visitação pública, foi contemplado com vinte mil réis, com os quais comprou um sítio de quinze deixando o restante para ser pago depois. Com cinco mil, investiu na compra de matrizes de aves e porcos de raça, implementos agrícolas e sementes para transformar a velha terra cansada na prosperidade de seus sonhos. Um dia recebeu a carta de um parente do Rio, certo de que ele ganhara uns duzentos contos, anunciando sua visita com a família e de sobra, mais três jovens amigas e duas empregadas – ao todo onze pessoas que ao cabo de três meses devoram-lhe o pomar, a horta e se fartaram de toda a criação, inclusive as mais novinhas. Desolado, Venâncio sonha com uma nuvem de gafanhoto que lhe toma todo o sítio. Após a partida do gafanhoto-mor e sua equipe, restou ao sitiante e esposa a única saída: voltara para a cidade e à antiga condição de funcionário público. Sobre o assunto de agricultura nem se interessava mais e se alguém “falava perto dele em pragas da lavoura, geada, ferrugem, curuquê ou que seja, sorria melancolicamente, murmurando de si para si: - Conheço uma muito pior..”

30. TRAGÉDIA DE UM CAPÃO DE PINTOS
Neste conto, Monteiro Lobato, dá vida aos animais de um sítio, humanizando-os; conta a história de um galo-capão que criava aves de ninhadas diferentes: tonou-se pai de um peru, de um pito e dum marreco. Viu-os crescer e depois serem pratos na mesa dos humanos. Tentava decifrar as palavras proferidas pela dona-de-casa: “estar no ponto”, “pedindo panela”, e “amanhã temos peru” que lhe revelaram a insana intenção de fazer dos seus filhos comida apetitosa. Depois desses acontecimentos, tornou-se um galo triste e jururu. O negro da fazenda colocou-o para aquecer uma ninhada de dez pintos nascidos na véspera; nas altas horas abandonou-os ao frio da noite, não queira mais exercer a profissão de mãe. “Para quê? – Se têm de morrer na cozinha, morram agora enquanto não lhes tenho amor.” Os pintinhos amanheceram mortos, entanguidos de frio. E o castigo do galo-peva foi a panela, e para espanto e tristeza dos outros animais, no fundo da horta, jaziam seus despojos. Horríveis. “Um urubu pousado ali perto não pensava assim”.

IDÉIA E ESTILO
Cidades Mortas está entre as primeiras obras que correm o país em livro. Seus contos ambientam-se em uma cidadezinha do inteiror paulista do vale do Paraíba, o que justifica o cunho regionalista de sua obra.

No entanto, seus personagens são típicos brasileiros, envolvidos em situações engraçadas, vivendo acontecimentos cômicos que quebram a monotonia da vida de Oblivion e Itaoca, cidades onde o tempo parou.

A intenção do autor ao penetrar nessas vidas é fazer uma crítica, embora elegante e sutil. Mas, às vezes, é saudosista, quando resgata acontecimentos trazidos da sua infância feliz. Alguns contos têm desfecho surpreendente, outras questionam valores de moralidade e o comportamento na sociedade.

Polêmico e criticado por suas idéias políticas e culturais, Lobato mostrou-se um inovador no plano da linguagem, pois acreditava que a imposição das regras contrariava a lei da evolução. “Que é a língua dum país? É a mais bela obra coletiva desse país.” Defendia a idéia de que não “há lei humana que dirija uma língua, porque  língua é fenômeno natural, como a oferta e a procura, como o crescimento da crianças, como a 
senilidade”.

Em Cidades Mortas nota-se a liberdade de vocabulário, e emprego de expressões que caracterizam aquelas cidades como “velha avó entrevada”, que “foi rica um dia e hoje é quieta”. São “história sobre gente medíocre, sonolenta, vivendo um sossego que é como o frio nas regiões árticas: uma permanente.”

  • Em vários contos emprega onomatopéias
“E toca: blem, blem, belelém...”
“- um, dois, três: glug! Rodou, esôfago abaixo...”
“- Dlin, dlin, dlin!... está aberta a sessão”
“Novo psst!”
“- Logo em seguida, porém, toc, toc, toc...”?“
  • Cria palavras e expressões – neologismos – 
“Lucas amou-a em regra e sonetou-a inteira dos cabelos aos pés
“... o promotor fala e refala;”
“... Um manotaço de unha na cara...
“... todo o rodapé dos jornais e albertizou-se durante meia hora.
“...É feia, é desengraçada, é inelegante, é magérrima”
“Diz e rediz.”
  • Emprega gírias e palavras da época, e do interior, hoje em desuso.
“- Mamãe, o carrinho e vem vindo!”
“- Salvam-na a botica (a farmácia) e o jogo”.
“- deitou o sojeito no chão”- “o povo pedia o paiaço...”.
“- os filhos vinheram...”
“- Mas parece que o sujeitinho levou tábuas...” (foi recusado)
“Se ele quiser vinte e três mil-réis...”
“Ela não deseste da porca.”
“É, a tese é catita;”
“Os home! ... não há de ter um descansinho na somana?”
u Faz algumas considerações com provérbios
“Impossível negar as vantagens sociais da música”.
“Ladrão é quem furta um, quem pega mil é barão.”
“O segredo de todas as vitórias está em ser um homem do seu tempo...”
“Cada roca tem seu fuso”.
  • Com humor, compõe alguns nomes de personagens.
“Dona Fafá, dona Fifi, dona Fufu”.
“Três filhas: Bibi, Babá, Bubu”.
“Só Adão, o macaco lesado...”- “Eva, a macaca ilesa,”
“- Parzinho jeitoso, a Miloca e o Lulu, não?”
Com objetividade, clareza, espírito jocoso e pitoresco Monteiro Lobato foi um “criador sempre feliz em observar seus personagens caminhando com suas próprias pernas, segundo suas próprias cabeças. Cidades Mortas é uma fotografia: o real visto pela lente lobatiana”.
Monteiro Lobato - que ironia – um escritor de luz própria, independente, arrojado e por tanto tempo incompreendido e até mesmo boicotado.
“? Isso acontece com aqueles que, como ele, estão muito à frente de sue tempo”.
   
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