QUE NEGÓCIO É ESTE DE MINISTÉRIO DE MÚSICA?

Texto básico: Efésios 5.17-21; Colossenses 3.16; 1 Coríntios 14.26, 40

Antonio Carlos Gonçalves Mataruna

Nós, os batistas, somos participantes de uma igreja neo-testamentária e como tal, logicamente, nos orientamos pelos ensinos que emanam do Novo Testamento. Nele, abaixo do Senhor Jesus, e não desconsiderando a importância dos demais autores, encontramos a palavra do apóstolo falando de maneira enfática aos nossos corações. O apóstolo Paulo deixou um vasto legado pedagógico sobre a igreja do Senhor Jesus Cristo, seu governo, sua edificação, seu desenvolvimento e tantos outros aspectos relativos á sua existência. Tão grande foi a importância de Paulo que o cânone do Novo Testamento reuniu um número expressivo de suas epístolas. E é nestas epístolas paulinas que encontramos valiosas instruções sobre o culto e a comunhão dos crentes. Diante disso, queremos destacar a orientação que Paulo dirigiu às igrejas de Éfeso e de Colossos acerca do papel da música como instrumento de edificação da igreja, e a recomendação que fez aos membros da igreja de Corinto acerca da ordem no culto.

Por que Paulo recomendou aos efésios para se encherem do Espírito, falando entre eles em salmos, e hinos, e cânticos espirituais, cantando e salmodiando ao Senhor em seus corações? Primeiro porque, como judeu, ex-fariseu legalista, Paulo conhecia muitíssimo bem o conteúdo das Sagradas Escrituras acerca do uso da música na adoração. Paulo estava plenamente ciente dos relatos do Antigo Testamento acerca do culto no meio do povo de Israel, mormente a partir da ocasião quando a arca do concerto foi introduzida no tabernáculo, e das providências tomadas por Davi, o ungido do Senhor, para separar uma parte da tribo dos levitas para proceder todo o louvor durante a viagem de retorno da arca, de Quiriate-Jearim, onde ficou por vinte anos, até Jerusalém (1 Samuel 7.2), e todas as demais atividades litúrgicas desenvolvidas por eles durante aquele evento (2 Samuel 6). O texto de 1 Crônicas 15.16-29 descreve a constituição, por Davi, da equipe de louvor para aquela viagem. Um outro texto, em 1 Crônicas 6.31-48, descreve a constituição, por Davi, do serviço de canto da casa do Senhor, depois que a arca teve seu repouso no tabernáculo. Especialmente em 1 Crônicas 16.4-43, encontramos o relato sobre como Davi designa alguns dos levitas para ministrarem o louvor perante a arca do Senhor. Foi nesse dia, diz a Bíblia, que se instituiu o ministério de adoração na casa de Deus (v. 7). Esses são, amados irmãos, os textos bíblicos que servem de base para começarmos a entender o significado desse negócio de Ministério de Música.

Mas alguém poderia argumentar dizendo que no Novo Testamento não existe, além dos textos aos efésios e aos colossenses, qualquer especificação sobre a organização detalhada do culto, como encontramos no Antigo Testamento. Embora não haja um texto com essa definição explícita, devemos nos lembrar que a igreja primitiva nasceu no meio do judaísmo e que esse judaísmo teve origem entre os descendentes do povo hebreu, os quais provavelmente ainda mantinham costumes de adoração semelhantes ou até mesmo iguais aos que eram praticados no tabernáculo e, a seguir, no templo de Jerusalém. Mesmo que os dois reinos, o do norte e o do sul, tenham caído e o povo de Deus tenha sido levado em cativeiro e sido disperso, os ensinos recebidos desde os tempos mais antigos permaneceram na sua mente e no seu coração, pois eram passados de pai para filho através da tradição oral e das escrituras que foram preservadas. Mesmo no período interbíblico, a manutenção desses ensinos foi mantida e Jesus, ao vir ao mundo, viveu num ambiente rico desses ensinos, tendo ele mesmo evocado alguns deles em seus sermões, e tendo ele mesmo e seus apóstolos cantado um hino após terem comemorado a Páscoa no cenáculo (Mt. 26.30; Mc 14.26). Podemos até deduzir que o próprio apóstolo Pedro, o apóstolo aos judeus, tenha liderado muitas reuniões em que a música tenha sido usada como veículo de ensino e edificação da igreja primitiva. O que está explicitado no textos epistolares de Paulo, judeu e apóstolo aos gentios, é a sua recomendação do uso da música nos cultos e no viver diário (Efésios 5.17-20; Colossenses 3.16).

E hoje? Como fazemos em nossas igrejas? Também cantamos em nossos cultos, tanto salmos musicalizados, quanto hinos e cânticos espirituais e mais uma variedade imensa de composições eruditas e populares, solísticas e coletivas. Podemos dizer que herdamos essa prática da igreja primitiva, depois de havermos passando pelas restrições impostas pelo clero da igreja medieval e pela restauração da adoração coletiva propiciada pela Reforma. Após termos ultrapassando os tempos da música sacra barroca e romântica, vimos a evolução da hinódia pós-Reforma, a qual teve seu maior progresso nos séculos XIX e XX, e agora, prestes a entrar num novo século, nos vemos envolvidos por muitas novidades na música usada na adoração.

Mas quem, na igreja, canta e toca, e como se escolhe o que se canta e toca, e baseado em que? Surge então o momento de atuação de alguém, vocacionado por Deus, especialmente preparado e designado para cuidar da ordem no culto, seleção e condução da música nele usada (1 Cor 14.40). Mas alguém pode sugerir: Ah! Mas isso pode ser feito pelo pastor. Se alguém assim pensa, deve se lembrar do relato bíblico que fala de um momento da vida da igreja primitiva quando foi necessário que se atendesse uma necessidade interna da igreja. Diante daquela situação, os apóstolos se dirigiram à igreja dizendo: Mas, irmãos, escolhei dentre vós sete homens de boa reputação, cheios do Espírito e de sabedoria, aos quais encarreguemos deste serviço; e, quanto a nós, nos consagraremos à oração e ao ministério da palavra" (Atos 6.3,4). A função do pastor, amados, é cuidar das ovelhas do seu aprisco, pregando, orientando, aconselhando, visitando, consolando, alimentando com a palavra do Senhor na forma falada, estando sempre, para tanto, estudando e se preparando. A rigor, até o exercício da presidência administrativa de uma igreja prejudica a atuação do pastor como ministro da Palavra. O que acontece é que nem todas as igrejas possuem em sua membresia pessoas que possam assumir em tempo integral, a presidência administrativa e, diante dessa circunstância, o pastor acaba acumulando essa função junto com o pastorado. Nos nossos dias, algumas igrejas já podem aliviar os seus pastores dessa grande carga que é a presidência administrativa das mesmas, permitindo que eles se preparem e se dediquem exclusivamente ao ministério pastoral, como sugerido pelo relato de Lucas. Várias igrejas, atualmente, já atuam sob a forma de ministério colegiado que traz extremo conforto para os pastores, permitindo-lhes exclusivamente pastorear. Por isso, amados, é que Davi, no seu tempo, designou um grupo de levitas para ministrarem o culto, e os levitas modernos, irmãos vocacionados e preparados pelos nossos seminários em música sacra e outras especialidades, já existem em número suficiente para atender às necessidades das igrejas nos diversos ministérios.

Mas qualquer igreja pode ter um ministério de música organizado? É claro que sim, desde que a igreja tenha a visão dos benefícios da existência desse ministério, enxergue espiritual e materialmente o seu alcance e assuma o compromisso de sustentar um obreiro para exercê-lo. O apóstolo Paulo, ao se dirigir epistolarmente aos coríntios, em sua primeira carta, recomenda àqueles irmãos a necessidade de ordem no culto (1 Coríntios 14.40). O ministro de música é preparado para isso: organizar o culto selecionando os textos, escalando os musicistas, ordenando as participações, de tal forma que tudo fique harmoniosamente combinado com a exposição da Palavra que será feita pelo pastor ou por quem ele designar. Não queremos dizer que os pastores não possam fazer esse trabalho. Mas se ele puder ter ao seu lado um(a) obreiro(a) preparado(a) especificamente para esse serviço, será muito melhor para que ele possa fazer aquilo para o que ele foi especialmente preparado: pastorear.

Mas quem é que pode exercer o ministério de música de uma igreja? Quais são os pré-requisitos para se ser ordenado como ministro, ou ministra de música? A resposta é simples e clara. Ser um crente, ser vocacionado, chamado pelo Senhor para se dedicar a esse ministério, preparado em um seminário no qual tenha se submetido ao currículo específico de música sacra, e que seja ordenado, ou consagrado como alguns preferem designar, para esse ministério.

Mas alguém poderia ainda argumentar: Ah! Mas para fazer esse serviço não é necessário que a pessoa seja um bacharel em música sacra, basta que seja alguém que tenha algum conhecimento musical, quando muito seja formado por um conservatório secular. Engana-se redondamente quem assim pensa pois está completamente equivocado sobre o caráter do ministério de música de uma igreja. Não basta que o ministro de música tenha somente conhecimentos técnicos musicais. Ele precisa conhecer a Bíblia e o modus operandis de uma igreja neo-testamentária moderna. É necessário que o ministro de música tenha embasamento teológico, eclesiástico e pedagógico, para que ele possa fazer tudo em harmonia com o ensino neo-testamentário e o ministério pastoral da igreja à qual serve. Por esta razão é que o ministro precisa fazer um curso de música sacra em um seminário ou faculdade teológica, onde ele estudará matérias tais como Introdução Bíblica, Antigo Testamento, Novo Testamento, História do Cristianismo, Homilética, Teologia Sistemática, Culto Cristão, Ministério de Música, Didática, e outras de caráter teológico, comportamental, e ainda outras ligadas à vida do homem e de uma igreja. Vocês sabiam disso? Dispondo de toda essa bagagem, e mais humildade, altruísmo, consagração e oração, o ministro de música pode e deve ser cúmplice do pastor na edificação da igreja e na conquista de almas e porisso ele dever ser uma pessoa preparada para o exercício desse ministério.

Ministro serve de graça? Quem responde é a Bíblia. No livro de Números, cap. 18, aprendemos que os levitas, que foram separados para o ministério da casa de Deus, não foram agraciados com herança imobiliária mas tiveram garantida a sua subsistência através dos dízimos trazidos pelo povo (vv. 21, 24). No Novo Testamento, o próprio Jesus, ao designar os setenta discípulos e ao enviá-los para ministrarem o evangelho, se expressou sobre o seu sustento ao dizer que "digno é o obreiro do seu salário" (Lucas 10.7). O apóstolo Paulo também se manifestou sobre o sustento do obreiro ao argüir os coríntios sobre se os apóstolos não tinham também o direito de comer e beber, enfatizando que os que anunciam o evangelho, e os ministros de música estão neste time, devem viver do evangelho, e mencionou as próprias palavras de Jesus encontradas em Lucas 10.7 e em Mateus 10.10 (1 Coríntios 9.4-14). Também, ao orientar o jovem ministro da Palavra Timóteo, Paulo repete que "digno é o trabalhador do seu salário" (1 Tm 5.18).

Falamos que o ministro de música deve ser cúmplice do pastor na missão de edificar e desenvolver a igreja. Essa cumplicidade deve ser desenvolvida com muita franqueza e honestidade, muita humildade e desprendimento, muita oração e ação. Não pode haver desconfianças pois cada um desses ministérios, apesar de possuírem objetivos específicos algumas vezes distintos, concorrem para um objetivo comum maior que é o de promover o crescimento do Reino de Deus. Quando pastor e ministro de música concordam, a igreja se beneficia, cresce, e é abençoada. Quando pastor e ministro de música discordam, a igreja é prejudicada, se atrofia e é, até, amaldiçoada porque o diabo, inimigo de Deus, aproveita a discórdia entre os ministros para destruir a igreja do Senhor. Não pode haver nessa relação, interesses particulares e egoístas, mas sim interesses coletivos e altruístas. O próprio Senhor Jesus, em sua oração, pediu ao Pai que, assim como ele e o Pai eram um, que ele os seus discípulos fossem um (João 17.21), e isso deve ser exemplificado na relação entre pastor e ministro de música.

O que se espera de um ministro de música? Primeiramente prudência e simplicidade, conforme orientação do próprio Senhor Jesus (Mt 10.16), porque os ministros de música são enviados como ovelhas no meio de lobos, assim como os pastores o são. A igreja espera que seu ministro de música seja um estudioso da Palavra, na forma como Paulo disse a Timóteo: "...que maneja bem a palavra da verdade" (2 Timóteo 2.15). Espera que ele seja um ensinador da arte da música, em todas as suas nuanças. Espera também dele permanente fidelidade aos mistérios de Deus (1 Coríntios 4.2), espírito de cooperação (1 Coríntios 3.9), abnegação (1 Coríntios 9.27), e tantas outras atitudes e disposições requeridas dos ministros, explicitadas ao longo de todo o texto bíblico.

O que o ministro de música espera da igreja à qual serve? Amor! Somente amor. "A ninguém devais coisa alguma, senão o amor" (Romanos 13.8), porque junto com o amor vem o apoio, a confiança, o reconhecimento pelo serviço prestado, a receptividade ao trabalho pedagógico apresentado pelo ministro, a oração, o cuidado, a atenção, o sustento espiritual e material, a simpatia, o ombro amigo, o abraço fraterno, o afago na hora certa, o cordão de três dobras, etc, etc, etc...

As igrejas que, atualmente, estão criando seus ministérios de música e empossando seus ministros de música, estão dando um importante passo em direção ao seu desenvolvimento litúrgico. Quando isso acontece, o pastor passa a ter um importante cúmplice nessa missão gloriosa de promover o seu crescimento da igreja local e, concomitantemente, o crescimento do Reino de Deus. É a inauguração de uma nova fase na adoração da igreja. Mas a evolução esperada não acontecerá bruscamente. Ela irá sendo construída de forma paulatina, progressivamente, semelhantemente à santificação, porque esse processo respeita a característica do ser humano, a de não conseguir se modificar bruscamente. E lentamente, calmamente, passo a passo, novos horizontes irão sendo descortinados em direção ao Mestre, fazendo com que a compreensão do culto continue a ser aperfeiçoada dia após dia, estabelecendo um constante crescimento espiritual.

Que esse negócio de Ministério de Música possa ser um instrumento que venha carrear grandes e incontáveis bênçãos para todas as igrejas, para a glória somente, mas somente mesmo de Jesus, o autor e consumador da nossa fé. Amém!

(Adaptação de mensagem proferida em 9/5/98 na IB da Liberdade, Rio de Janeiro, RJ, por ocasião da consagração e posse da Ministra de Música Sandra Regina Affonso da Silva. O autor é ministro de música, membro da Igreja Batista de Barão da Taquara, Rio de Janeiro, RJ)

 

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