O artista e o amor
Há muitos anos, o artista renunciara ao mundo.
E, tendo-se isolado nas montanhas, encontrara o seu verdadeiro Eu; e por isso as suas páginas se tornaram mais lindas, e mais profundos os seus conceitos.
Mas eis que uma mulher o procurou. E foram estas as suas palavras:
“- Aceita o meu amor!
E não temas, pois aprendi a amar-te através das tuas obras.
E este é o verdadeiro Amor; pois conheço a tua alma e as belezas que nela existem.”
Sorriu o artista. E respondeu:
“- Como te enganas, mulher!
Pois a beleza que existe na obra do artista não é o fruto da sua alma, que apenas lhe serve de espelho.
Porque o artista apenas alimenta os sonhos dos homens; e não cria a beleza, apenas a reflete.
E as idéias que exprime não são apenas suas, mas de toda a humanidade.
Se me queres amar, segue o teu caminho.
Pois embora te atraia a beleza do mar, nele não conseguirias viver.
E, embora ames a beleza do céu, se nele estivesses nada mais encontrarias que um imenso vazio.
Não busques o sol na poça d’água; ou perderás a ilusão de sua presença, com a descoberta de que ele ali não se encontra.
Vai em paz; e leva contigo os teus sonhos, para que os possas conservar vivos.
E lê as minhas obras, já que te encantam; e nas minhas palavras de amor, encontra motivação para viver o amor.
E sonha com os meus beijos, para que a sua atração não se venha a perder na rotina do teu dia-a-dia.
E imagina-me como quiseres, para que não te desencantes ao descobrires como eu sou.
Pois não é como pessoa, que me amas; mas como o intérprete e a corporificação dos teus sonhos.
E por quanto tempo os sonhos podem vestir um corpo?
Assim como o amanhecer traz o fim dos sonhos de uma noite, não traz o conhecimento o fim dos sonhos de uma vida?
Guarda, pois, a minha imagem no teu coração; para que dele o conhecimento não me venha a expulsar.
Porque é triste a sina do artista; que não vive senão através das suas próprias emoções.
E que não enxerga o mundo senão através dos seus próprios olhos; que, de tanto se fixarem nas belezas que descortinam, perdem os contornos da realidade.
E cujos pés alados não se podem enredar nos grilhões da humanidade, a quem precisa elevar às alturas.
É fácil, amar as obras de um artista.
E difícil viver a seu lado.”