A razão das minhas palavras
Aproxima-se o fim da jornada.
Pois o sinto em meu próprio cansaço; e nas minhas costas, que se vergam ao peso das desilusões. Porque não existe, para o homem, carga mais pesada que a dos seus sonhos desfeitos.
Não foram apenas os pés, que dilacerei nas pedras do caminho. Mas também a alma, que chora ante as lembranças.
Entretanto, esta mesma alma canta de felicidade; porque ninguém se descobre feliz, sem antes ter sofrido.
É calmo o meu pranto. Como as águas cristalinas da nascente, que perderam o seu ímpeto ao escorrer pelas encostas da montanha.
E nos meus lábios baila um doce sorriso. Pois, se mais lágrimas encontrei do que sorrisos, é certo que um único sorriso recompensa incontáveis lágrimas. E, porque isto aprendi, sou feliz.
Agora, apenas anseio pelo merecido descanso. Vejo, porém, que aguardais as minhas palavras; e se a voz ainda me resta, é que a missão não foi completada. Pois não me deixaria Ele a voz, se palavras não houvesse ainda a ser ditas.
Deixai, pois, que eu vos fale do que me ensinastes. Pois a sabedoria oculta é como o tesouro enterrado, que de nada pode valer; e não é sábio aquele que enterra o seu tesouro, mas o que dele sabe usufruir.
Repartir a sabedoria é uma forma de aumentá-la; e também aprende aquele que ensina. Pois o homem não consegue falar a si mesmo, senão quando finge falar aos outros homens.
Todavia, aquele que exibe o seu saber, como se dele se orgulhasse, é como o mercador que oferece as suas mercadorias, para pelos vossos olhos descobrir o seu valor. Pois, assim como o homem apenas percebe as suas próprias necessidades, apenas aprende através do seu próprio sofrimento.
Muito me tenho calado, para ouvir os vossos pensamentos. E devo, agora, devolver o que me tendes ensinado. Porque tendes consciência das verdades que existem em vós; se necessitais ouví-las, é porque ainda não aprendestes a conviver com o vosso verdadeiro Eu.
Precisais que alguém vos diga o que já sabeis, para descobrirdes o vosso saber. Como é preciso que alguém vos proclame belos, para que possais descobrir a vossa beleza.
Deixai que me assente entre vós, pois o tempo é como um rio, correndo sempre em direção ao futuro. E contra a sua correnteza navega o barco das lembranças, que vos conduz aos portos do passado.
Por isto, preciso estar nas vossas lembranças; para que o que aprendi não se perca nas águas do tempo, mas possa perpetuar-se em vossos corações.
Assentar-me-ei entre vós, como um pai entre os seus filhos; porque sois os filhos do meu coração. E como um irmão entre os seus irmãos; porque sois os irmãos que recebi do Pai. E como um filho entre os seus pais; porque não apenas me ensinastes o que hoje sei, como fostes a razão da minha vinda.
E sois, agora, a razão da minha demora. Como a beleza é a razão da poesia, e o amor a razão da saudade.
Lembrai-vos disto, depois que eu me for, para que não lastimeis a minha partida. Pois não é sábio aquele que se perde em lamentações e sofrimento por uma ausência. Mas sim aquele que recorda as alegrias que desfrutou, durante a presença.
A dúvida é o início do aprendizado. Na raiz de cada resposta, sempre existe uma pergunta; assim como na raiz de cada tristeza está sempre uma alegria.
Pois a lágrima é a véspera do sorriso; assim como o sorriso é a lágrima, antes de nascer.
Tudo aquilo que vos pode parecer um fim é, na verdade, um começo; pois a vida não se detém, como não tem fim a Eternidade.
E a Eternidade existe em vós; como a Luz nos raios do sol,ou o Amor no pranto do adeus!
Irei falar-vos do que sabeis, para que o possais aprender. E para que eu mesmo o aprenda. Pois o homem jamais sabe tudo que existe em si próprio!
Deixai-me falar aos ouvidos dos vossos corações; em voz baixa, pois a razão não necessita gritar, para se fazer ouvir.
E serão inúteis as minhas palavras, se eu não as disser em nome da Razão. E se nelas não houver o espírito da Verdade.
Porque a palavra vã não ultrapassa os limites dos ouvidos, enquanto a boa palavra frutifica nos corações!