ACADELA
DICIONÁRIO DO PALAVRÃO
Coluna Língua Portuguesa - 30 de abril de 2000 Putz! Por Paulo Tortello* Gramática Problema sério é decidir sobre falar, escrever,
ou não, palavrões. Estudos há especialmente
dedicados aos "nomes feios".
Em Português, o "Dicionário do Palavrão
e Termos Afins", de Mário Souto Maior e prefaciado
pelo "pai" da Sociologia brasileira, Gilberto Freire,
traz informações curiosas.
Eis umas: "O homem, o jovem e o pobre falam mais palavrão
do que a mulher, o velho e o rico"; "A criança
de hoje ganha da de ontem quanto ao uso do palavrão";
"O palavrão foi considerado, na maioria das vezes,
necessário, até mesmo para evitar o enfarte
do miocárdio e descarregar o homem de tensões
emocionais, funcionando como uma válvula de escape,
um desabafo"; "Quase todos falam palavrão;
quando não falam, pensam"; "Mãe, por
ser a pessoa mais querida de todos nós, é a
pessoa mais xingada, o mesmo acontecendo com marido enganado"
("sic"; o dicionarista não explica a equiparação);
"O nu erótico não pode ser considerado
um palavrão plástico"; "Diversos nomes
próprios são eufemismos dos órgãos
sexuais"; "Um palavrão no Nordeste é
uma palavra educada no Sul e vice-versa"; "O palavrão
de ontem se acomodou ao vocabulário atual como qualquer
outra palavra".
O estudioso conclui seu rol lamentando: "A Língua
Portuguesa, tão rica como é, perdeu para a alemã
(9.000) e a francesa (9.000) em quantidade de palavrões,
pois só consegui verbetear pouco mais de três
mil palavrões e termos afins".
Ora bolas, pois trabalhou pacas! HORA E LUGAR - Como ocorre com qualquer palavra (mesmo não
chula ou nem sequer maliciosa), ao escolhermos vocabulário,
especialmente se pejorativo, devemos atentar ao fator tempo/espaço
e ter presentes as coordenadas einsteinianas de hora e lugar,
ao decidirmos usar palavra que possa ofender nosso interlocutor
ou interlocutores.
Palavras existem de que se diz terem o sentido enobrecido,
pois, possuindo origem vulgar, ganham dignidade, ou, ao menos,
uso social que nos faz esquecer o seu significado de origem;
é o caso, para não ir mais longe, dos citados
"bolas" e "pacas". O primeiro já
foi considerada impronunciável menção
direta aos órgãos sexuais masculinos e, hoje,
ninguém lhe dá bola; já o segundo constitui
redução eufêmica de conhecida expressão
idiomática fartamente aplicada no Brasil.
A palavra "biscate" significa, no vernáculo,
tão-somente "trabalho de pouca monta"; mas
o vulgo a utiliza, na gíria, como sinônimo de
meretriz.
Meretriz não é baixo calão. Tem origem
no Latim "meretrice", onde já significava
"mulher que pratica o ato sexual por dinheiro".
Conhecido sinônimo é "prostituta",
de curiosa etimologia: "prosto - ere" é "pôr
em exposição; expor à venda"; a
explicação é que, para melhor mercadejar
o corpo, dispunham-se as meretrizes em altas cadeiras ou mesas
à entrada dos lupanares (lupanar = do Latim, "lupanare";
o vocábulo é composto por "lupa",
que significa prostituta).
Engana-se quem julgue que prostituta deu origem a uma "forma
reduzida" que seria "puta". Esta palavra, hoje
chula, é independente: em Latim, "putta"
significava, simplesmente, "menina", "moça";
tinha, ademais, o sentido de "pureza" e "simplicidade"!
Por quais caminhos passou a palavra, a ponto de significar,
hoje, o antônimo de si mesma? Não é caso
único: "abrigo", que hoje significa "refúgio,
cobertura", já foi "lugar aberto, exposto"
(vem de "abrir"...).
O importante é sabermos escolher que vocabulário
utilizar quando nos dispomos a um processo de comunicação.
Sem preconceitos; mas com preceitos.
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Estilística & Leitura
O dicionário é seu amiguinho
Costumo perguntar a meus alunos se dispõem em seus
lares de verdadeiros dicionários, que possam consultar:
"E não me refiro àqueles pequenininhos
que as crianças carregam na lancheira" - provoco.
Poucos sabem o quanto de informações se pode
retirar da leitura de um simples verbete no dicionário.
Ademais, há dicionários de todo tipo: de rimas,
de sinônimos, etimológicos (que mostram as origens
das palavras), de idéias afins (!) e muitos outros.
Viva em paz e harmonia consultando um dicionário todo
dia.
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Curiosidades
Como chamá-las?
Certas palavras ganham número especialmente expressivo
de sinônimos na linguagem popular. Souto Maior registra: mulher de vida alegre, da vida fácil,
à-toa, decaída, horizontal, madalena, rameira,
marafona, gado, coco, marmita, caçarola, tambor de
guerra, couro de tambor, comida, catraia, ratuína.
No Aurélio: loureira, messalina, fêmea, cortesã,
andorinha, bagageira, bagaxa, barca, biraia, bisca, biscaia,
bofe, boi, bruaca, bucho, cação, cadela, caterina,
catraia, china, cocote, cóia, cuia, culatrão,
dadeira, dama, égua, ervoeira, fadista, findinga, frega,
frete, frincha, fuampa, fubana, fusa, gança, jereba,
loba, madama, marafaia, mariposa, michê, michela, miraia,
moça, moça-dama, moça do fado, mulher
da comédia, mulher-dama, mulher da rótula, da
rua, da zona, de amor, de má nota, de ponta de rua,
do fandango, do mundo, do pala aberto, errada, perdida, pública,
solteira, vadia, mundana, murixaba, muruxaba, paloma, pécora,
perua, piranha, piturisca, quenga, rapariga, rascoa, reboque,
rongó, tolerada, transviada, tronga, vaqueta, ventena,
vigarista, zabaneira, zoina.
E, afora um erudito "vulgívaga", há
ainda o diminutivo irregular de meretriz: "meretrícula"!
* Paulo Tortello é professor particular
de Língua Portuguesa e responsável pelo boletim
diário "A Língua ao Pé da Letra"
na Rádio Jovem Pan/Sorocaba |
Pesquisador pernambucano Mário Souto Maior completa 3.500
palavras do maldizer do brasileiro e português
"Dicionário do Palavrão" ganha 500 verbetes
DA REPORTAGEM LOCAL
O pesquisador Mário Souto Maior é hoje o Aurélio ou o Houaiss, para evitar confusão na guerra dos lexicógrafos, da língua "errada" do povo, mania que também marcou a vida e obra do erudito Câmara Cascudo.
O cabra é doido por juntar vocábulos e sentidos. Engordou recentemente o seu "Dicionário do Palavrão e Termos Afins" (7ª edição pela Record), que já mantinha 3.000 verbetes, com mais 500 novos impropérios, do português do Brasil e do português de Portugal.
Aguarda, o sucessor de Cascudo, o despertar da editora para unir a nova pesquisa ao mundo dos palavrões e safadezas afins. "A cada dia, junto mais saudáveis safadezas", alerta Souto Maior. Tal ajuntamento de maldizeres nasceu de proposta de Gilberto Freyre nos anos 70: "Os alemães fizeram uma reunião de coisas mais ou menos imorais, por que não fazes a versão portuguesa?".
"Do palavrão, pode um pesquisador valer-se como
um dos elementos que o auxiliem a concluir que, no comportamento sexual de uma sociedade,
é ecológico e culturalmente condicionado", justificou o mesmo Freyre.
Surgia então, véspera dos 80, o "folclorerotismo", lição de safadezas
populares, tema frequente nos livros de Souto Maior. "O velho Giba (Freyre) ficou
entusiasmado, como sempre, e caí na vida para colher as palavras", relembra o autor.
Freyre, que havia carregado o seu "Casa-Grande & Senzala" de expressões
como "jurar pelos pentelhos da virgem", celebrou a chegada do "Dicionário
do Palavrão" com fogos.
"Curioso encontrarem-se palavras de uso ou abuso obsceno no Brasil, como boceta, que em Portugal têm apenas o sentido de descrição de objeto nada ligado a sexo. O inverso acontece com a palavra tomates: em português de Portugal, na sua conotação sexual, é o mesmo que testículos", registrou o sociólogo.
O amontoado de safadezas levantou o moral de muita gente. "Posso publicar que o "Dicionário do Palavrão" está retido na censura desde 1974", indagava, em telegrama de 3 de abril de 1976 -enviado para o amigo Souto Maior-, o poeta Carlos Drummond de Andrade, dando conta da proibição, imposta pelo regime militar à obra. (XICO SÁ) (Folha de S. Paulo)
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