O CIVISMO UTÓPICO      
DURVAL PÚBLIO DE CASTRO
ENSAIO.
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Por André Koehne
Durval Públio de Castro
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Academia Caetiteense de Letras
Cadeira 23
INTRÓITO
  Em janeiro de 2006, na sala de estar da casa de Vovô Durval, conversava com sua filha, a quem, por uma afinidade havida pelo casamento de minha tia Maria Eugênia com o saudoso Percival Castro, seu irmão, chamava desde sempre de Tia Digo - a Profª. Agnalda - falávamos de o quanto conseguíamos relembrar em nossas memórias.
  Felizmente para mim, lembro de coisas muito remotas na minha infância. Lembro-me da figura de Vovô Durval, sim. E não tinha nem 5 anos quando ele morreu. Era um pedaço de uma Caetité que não veríamos mais... e a impressão daquele velhinho simpático, tal como na fotografia que dele guardo, sorrindo, era sintomático de que algo mais teria de colher daquele homem cuja história tentaremos resumidamente retratar aqui. Não por um favor, mas pelo merecimento.
  Se naqueles tempos que a minha memória gravou era algo de muito solene visitar a casa de Seu Durval, digo aos leitores que esta gravidade seguirá no meu pequeno ensaio sobre ele.
  Quase todos os dias escrevo seu nome. Moro na rua Durval Castro, antiga General Argolo, que por um projeto de lei da então Vereadora Tereza Borges de Cerqueira, minha saudosa professora de História no IEAT, sancionada pelo amigo já falecido e ex-Prefeito Nivaldo Oliveira, em 1977, mudou seu nome para homenagear não mais o militar que combatera os federalistas catarinenses - para vir honrar um Caetiteense, com C maiúsculo.
  Trazendo esta lembrança agora, não será uma biografia - pois que Durval Castro teve uma vida por demais intensa e frutuosa - faremos um ensaio sobre ele, e sobre a Caetité por quem lutou, incansável.
VIDA FAMILIAR
  Nasceu DURVAL PÚBLIO DE CASTRO em Caetité, aos 25 de janeiro de 1886, filho de Lauro Dantas de Castro e D. Emília Soares Públio de Castro. Uma família de longa linhagem, na cidade.
  Estudou no colégio do seu tio e depois sogro, Prof. Antonino Soares Públio, morador numa bela e grande chácara na rua hoje chamada Helena Lima, onde ministrava o ensino primário para meninos.
  Casou-se com a prima, D. Lia Públio de Castro, formada na primeira e única turma da Escola Normal de Caetité - a primeira, criada em 1996 pelo Dr. Joaquim Manoel Rodrigues Lima e fechada criminosamente por Severino Vieira. O casal teve nada menos que dezessete filhos.
  Foram eles: Esmelita (primeira mulher caetiteense com curso universitário), Olga, Osmany, Aracy, Almir, Irany (Professora vetusta de português, escritora), Itamar, Agnalda (benemérita de nossa cultura e história), Delsuc, que morreu nova sendo então nominada outra filha com este nome (e que veio a ser a pioneira professora no município de Lauro de Freitas, que a tornou cidadã honorária), Percival (fundador do Aero Club), Abigail, Juracy, Vanda, Amaury (funcionário da nossa primeira agência do Banco do Brasil), Dagmar e Neide - todos tendo ocupado importante papel na vida social de Caetité.
  Sua Loja Caprichosa foi inovadora no comércio sertanejo naquele início do Século XX. Primeiro na Praça do Mercado (atual Praça Rodrigues Lima), onde teve ao seu lado aprendizes que mais tarde vieram a ganhar projeção, como Avelino Alves e o ex-Intendente, Antonio Vieira. Depois a loja instalou-se ao lado de sua residência, na rua que hoje leva seu nome, uma construção antiga junto à moderna edificação que fizera erguer de um projeto do Engenheiro alemão, e grande amigo, Affonso Mayer Hoffmann - ainda hoje encantando os que a vêem.
  Durval não era religioso, pelo contrário: confessava-se ateu, mas o era por uma convicção positivista, por antagonismo ao papel alienante que as religiões então desempenhavam. E nunca se opôs a que os filhos ou a esposa cultuassem o catolicismo - embora nenhum tenha se convertido ao espiritismo, mantinha cordialmente suas relações com a família Gumes, não hesitando em prestar-lhe solidariedade quando do embate do João Gumes com nosso primeiro bispo, indo visitar o amigo junto com uma filha, que levava flores.
  Sua casa era local dos amigos reunirem-se, e ali sempre oferecia a luz dos debates edificantes: o crescimento, o progresso, o desenvolvimento ordenado de nossa indústria, do comércio, da educação e da vida social.
Esta luta, veremos agora.
UM HOMEM QUE AMA SUA CIDADE
  HOJE não mais podemos admirar o Teatro Centenário, com sua bela fachada ornando a Praça da Catedral. Derrubado em 1970, como símbolo de tempos onde o desrespeito ao passado e à arte era valorizado - e não mera ignorância - resta entretanto o registro de que o Teatro foi um marco da vida de Durval Castro.
  O já quase esquecido poeta Plínio de Lima, colega e amigo de outro Castro, o Alves, legara em subvenção verbas para se erguer um teatro, ainda no século XIX. Mas a cidade, que encantava pela cultura, não mais tinha um lugar onde pudessem ser encenadas as peças que os amadores realizavam.
  Durval então, tomando à frente um ideal, fez concretizar aquele sonho antigo. Deveria estar pronto em 1922 - o ano em que o Brasil comemorava o Primeiro Centenário de sua Independência Política.
  Presidindo a Comissão, foi mobilizando cada morador da necessidade de a obra fazer-se pronta: houve momento em que, até, pediu de cada habitante a doação de um ladrilho cada ? e assim fez o pavimento!
  A solene inauguração ensejou louvores por toda a Bahia, e o nome de Durval figurava como seu grande realizador. O discurso ali proferido pelo Dr. Abílio Bensabath, por exemplo, ilustrou edição comemorativa dos cem anos do 2 de Julho, em Salvador.
  Mas o Teatro não foi o único melhoramento - palavra reincidente nas lutas de Durval ? para Caetité.
  Nossa cidade necessitava adentrar o século XX com energia elétrica. Durval capitaneou uma campanha que iria se constituir numa sociedade anônima, a Companhia Força e Luz de Caiteté. Primeiro aliou-se ao então Promotor de Justiça, dr. Emílio Castellar de Castro, fazendo ver em artigos no jornal A Pena, que era possível fazer-se uma barragem para dali obter-se energia. Depois, junto ao Dr. Antonio Ladeia, o Prefeito de então, conseguiu o apoio oficial.
  Imensos percalços ocorreriam, desde o naufrágio da caldeira no rio São Francisco, até os empecilhos políticos criados para viabilizar, por meu avô Otto Koehne, o resgate daquele mecanismo. Durval combateu a resistência do Mário Teixeira, e a caldeira um dia aportou num tamarindeiro, esperando que fosse efetivamente instalada. E junto ao amigo Otto, instalou na sua loja um pequeno gerador com lâmpadas que, todos os dias, ligava, para mostrar ao povo o quanto aquele melhoramento era capaz de realizar.
  Quando finalmente a Companhia se habilitou a encetar os primeiros trabalhos, Durval estava em sua direção. E, conhecedor daqueles que buscam os privilégios apenas para si, fez com que as primeiras redes atendessem às ruas mais pobres. Primeiro eles, depois os ricos... estes, nunca ficariam de fora.
  E, quando da propriedade coletiva as forças políticas transferiram a Companhia para mãos particulares, lutou bravamente em defesa do patrimônio.
  Quando ainda erguendo o Teatro, lutou mais uma vez contra o atavismo dos Teixeira fazendo, junto ao Otto e Meyer, descer por gravidade a água de um poço aberto ao final da Rua Barão. Estava provado que uma rede d?água era viável, e tivemos nele, junto aos dois alemães, as primeiras instalações de encanamentos nas casas de Caetité, feitas pessoalmente pelo Intendente, Dr. Ladeia, que era engenheiro - algo que sofreu alguns anos de atraso, com a prematura morte deste último.
  Seu espírito empreendedor fez com que fossem realizadas nada menos que 3 Feiras Livres - com exposição agroindustrial: as primeiras do Estado da Bahia, em 1917, 1919 e 1922.
Aliado aos irmãos Costa - Godson, Olinto, Zé Vicente e Fenelon - fundou a Companhia de Melhoramentos Sertanejos. Foi nossa primeira indústria, beneficiando algodão e lutando para fazê-lo transportar por uma estrada que começaram a construir, ligando Caetité à Bom Jesus da Lapa, então inexistente. Mais uma vez encontrou oposição do Oscar Teixeira, que após embargar os trabalhos, veio depois a ser o seu empreiteiro, contratado pelo governo ao preço de 1 a 2 milhões de Réis cada quilômetro - ao que Durval protestou, dizendo que estava sendo feita por eles a 333 mil Réis, apenas...
  Tendo Severino Vieira mandado fechar a Escola Normal, uma lei de 1913 a ressuscitou... E Durval protestava pelo seu cumprimento, pois tal norma não poderia permanecer apenas no papel.
  Nada era empecilho para este homem. A seca, flagelo que todos os anos expulsa nossos agricultores, foi tenazmente combatida por Durval, não com as palavras vazias dos políticos que com ela sempre lucram, na falsa caridade eleitoreira - punha mãos às obras e, organizando mutirões, erguia açudes em nosso combalido sertão.
  Numa Caetité que se orgulhava da cultura, Durval foi o espírito empreendedor. Nas páginas de seu jornal A Evolução, trazia no verbo aquilo que seus atos concretizavam. E na música trouxe para nos enriquecer a Filarmônica Iracema. Estava muito à frente de seu tempo, e foi por isto combatido...
O HOMEM DE OPOSIÇÃO
"Durval Públio de Castro sempre foi em Caetité um homem de oposição."
Luiz Cotrim
  Até a revolução de 1930 acabar com as oligarquias seculares que se sucediam no poder, e em Caetité acontecer a morte do Dr. Deocleciano Pires Teixeira - Durval Castro foi o maior nome a contrapor-se a este velho coronel que aqui representava as forças retrógradas. Aliado ao Coronel Cazuzinha, com a morte deste, Durval assumiu um destaque que o colocou sempre na dianteira dos fatos políticos que marcaram nossa vida pelo século XX afora.
  Quando, no começo dos anos 20, ocorreu o lamentável episódio do cerco da Rua Barão por jagunços dos Teixeira - Durval preparou a família para o pior, entrincheirando-se na sua casa com os filhos ainda pequenos.
  E, passados os acirrados embates, fazia publicar na capital panfletos que denunciavam os desmandos - como o arrombamento do Paço Municipal, a intervenção na agência dos Correios, e outras.
  Como bem assinalou o cronista Luiz Cotrim, quando estava no poder Durval não se fazia vingativo nem perseguidor - mas não se quedava ante as perseguições que ele e seus aliados sofriam.
  Daquele valoroso grupo faziam parte Avelino Alves e sua esposa, a poetisa Nicodema Alves, Antonio Vieira, os Batista Neves, Neném Coqueiro, Waldemar Cardoso, Dr. Affonso Meyer, dentre outros. A este último reputa-se o apelido, merecido no quanto diz respeito ao progresso em Caetité, de Desgraciano Teixeira, ao médico que se lhes opunha...
  Enfrentou a sanha dos Padres Palmeira, que incitava seus alunos ao apedrejamento de sua casa, e do Monsenhor Bastos - sem contudo perder a lucidez e o comprometimento com as causas abraçadas.
  Sucedendo Deocleciano, Ovídio Teixeira experimentou a pena sagaz de Durval, tratando-o de "O boticário", sendo-lhe ferrenho oposicionista - até onde os interesses da cidade assim orientavam a consciência. Sim, pois um dia tornou-se um aliado quando Caetité o exigiu.
  Gostava das coisas sempre feitas às claras, e lutava para que todos viessem a se beneficiar das conquistas. Sob esta orientação fundou, em 1934, o Partido Liberal, uma das primeiras pessoas jurídicas registradas em nossa Cidade.
  Nunca pleiteou para si ou para os seus cargos ou vantagens - algo que ainda hoje não é compreendido por muitos. Mas jamais deixou de pleitear e lutar por Caetité. A cidade que amou e que o recebeu para morada eterna, no triste dia 19 de maio de 1971.
CONCLUSÃO
  Honra a Academia Caetiteense de Letras ter como seu Patrono da Cadeira Número Sete o nome Imortal de Durval Públio de Castro. Por sua vida tão profícua, Caetité orgulha-se de ser sua terra natal. Homens como ele, únicos, merecem mais que ser lembrados, mas verdadeiramente cultuados na perpetuidade da memória.
  Aprendi, Vovô Durval, muito, apesar de ser-lhe um admirador póstumo. E posso fazer coro, hoje, ao quanto de ti cunhou a pena iluminada de nosso também Patrono Luiz Cotrim:
"foi em Caetité uma grande vida. Um homem comunitário. Conheci Durval e o admirei sempre. Uma vida simples numa existência complexa. Sua predestinação, sua vocação maior: amar sua Cidade, querê-la com toda a grandeza de seu amor."
"Como caetiteense é que sua vida cresce e seu nome se fixa definitivamente na história, nos anais de Caetité seu nome é escrito com o ouro da gratidão e da saudade."
Caetité, 30 de janeiro de 2006
Jornal "Commercio", de 1925
APÓLICE DA COMPANHIA FORÇA E LUZ DE CAETITÉ
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