O HOMEM E O MITO
Ao contrário do que se pensa, nem todos os
românticos de vida breve regalaram-se em orgias
e vieram a falecer turberculosos. José Veríssimo,
Manuel Bandeira, José Guilherme Merquior, como
muitos outros, equivocaram-se ao atribuir a Álvares
de Azevedo uma tísica de que nunca sofreu. O
poeta morreu, na verdade, aos 20 anos de um tumor na
fossa ilíaca provocado por uma queda de cavalo.
A controvérsia surgida ao redor da vida de Álvares de Azevedo
apresenta fundamentos de peso para ambos os lados: os que acreditam que ele
viveu na pecaminosidade de Byron encontram apoio em tantos poemas e nas prosas
Macário e Noite na Taverna, nas companhias do acadêmico e ainda
nas lendas necropolitanas que escandalizaram a vizinhança na época;
já os que acreditam que o mancebo comportou-se como bom moço
em seus quatro anos de faculdade sustentam o fato de que é incoerente
uma obra tão extensa e de grande valor ser construída em meio
aos freqüentes excessos vividos pelos amigos menos dedicados. Segundo
estudiosos mais sérios, Álvares de Azevedo teria optado pela
vida de sonhos e livros.
Em sua Obra, um fato destacável é a insensibilidade, a indiferença
sexual com que ele trata a mulher nas suas cartas de São Paulo. "Enquanto
aos meus pares, idem, pois resolvi-me a dançar aqui com pares certos,
dos quais não prescindo, e em desdouro meu ou de São Paulo, seja
dito que não são da terra - são Xavieres - Olímpia
- e Milliets que são todas Santistas. Enquanto à gente daqui
só uma vez na vida danço com as Brigadeiras (Pinto) ou com a
filha do Pacheco que vai aos bailes de calças...".
Em parte da Obra, ressalta a feminilidade adquirida na educação
entre saias, como o amor deslumbrante de Álvares de Azevedo pela irmã. É típica
de tudo isso, principalmente, a anedota de 1851, em que ele se vinga dum namorado
de Maria Luísa, ao mesmo tempo em que a espezinha num ato de ciúme. "Nesta época,
o seu gênio alegre começa a sofrer modificações,
apesar de brilhar de vez em quando a veia satírica; tal como em um baile
do Carnaval do ano de 1851, em que apresentou-se fantasiado de mulher, a intrigar
ministro europeu aqui creditado e pretendente à mão de uma das
suas irmãs: Mariana Luísa. Neste baile o ministro apaixona-se
pela mascarada e, crendo-a dama de costumes fáceis, proporciona-lhe
belíssima ceia, a espera de maiores favores. Álvares de Azevedo
continua representando seu papel feminino até que alta madrugada, os
dois a sós... desvenda o mistério." Ao que se poderá juntar
as conversas mais ou menos entendidas do poeta sobre crimes e bordados; as
preocupações com tualetes femininas, principalmente a bonita
descrição do vestido da condessa de Iguassú; e o profundo
desfervor sexual com que, além de confessar "panteísta" na
contemplação da moça bonita, insultou de bestas chucras
as moças piratininganas. Tudo isso está nas cartas reveladas
por Vieira Souto.
Ainda a respeito da irmã, de cujo amor fraternal teve experiência,
tanto nos versos a ela, como nas cartas, o poeta gravou com intensa objetividade,
com admirável violência, o amor fraternal que sentia. E isso contrasta
em prova boa com a falta de objetividade na descrição dos seus
amores sexuais.
Em sua chegada a São Paulo, Álvares de Azevedo trava amizade
com dois poetas estudantes: Aureliano Lessa e o futuro romancista Bernardo
Guimarães. Juntos, planejam publicar um livro de versos, intitulado
As Três Liras.
Nos seus dois últimos anos de vida, duas mortes marcaram profundamente
o poeta. Em setembro de 1850, o quintanista Feliciano Coelho Duarte comete
o suicídio. Em setembro de 1851, morre seu amigo João Batista
da Silva Pereira Júnior. No discurso fúnebre do amigo, Álvares
de Azevedo diria: "Cada ano uma vítima se perde nas ondas, e a
sorte escolhe sorrindo os melhores dentre nós".
A obra de Álvares de Azevedo é toda de divulgação
póstuma. Maneco mal teve tempo de escrevê-la, quanto mais de organizá-la
para publicação. Em 1853, o seu amigo Domingos Jacy Monteiro,
seguindo as intenções do autor, que deixara anotações
para a publicação em alguns cadernos, organiza o primeiro volume
das "Obras de Manuel Antônio Álvares de Azevedo".