Editor: Wolfram da Cunha Ramos
 

ESTADO DA PARAÍBA
PODER JUDICIÁRIO
JUSTIÇA COMUM DE 1ª INSTÂNCIA
COMARCA DE ALAGOA GRANDE
 

 

SENTENÇA
 
 
CRIME CONTRA A VIDA - Homicídio Duplamente Qualificado - Concurso de Pessoas - Crime Praticado por Encomenda - Autoria Material e Intelectual Identificáveis - Exclusão do Sicário, da Relação Processual - Decretação de Extinção da Punibilidade, por Ocorrência de Prescrição.   Fato Típico, Suficientemente Descrito e Inteligível na Peça Inaugural - Motivo e Modo Facilmente Perceptíveis - Ausência de Surpresa para Defesa, Quanto a Classificação Final da Imputação - Reconhecimento de Qualificadoras.   Materialidade do Crime, devidamente comprovada.   Indícios Suficientes de Autoria.   Pronúncia. Inteligência do teor do art. 408, do Código de Processo Penal.  
 
Vistos, etc.. .
O representante do Ministério Público, promoveu Ação Penal contra os réus BETÂNEO CARNEIRO DOS SANTOS "Betâneo" e JOSÉ BUARQUE DE GUSMÃO NETO "Zito Buarque" já devidamente qualificados nos autos, incursionando, o primeiro nos ditames dos arts. 121, § 2º incisos I, II e IV, c/c 29 e 62, inciso IV, e o segundo nas disposições dos arts 121, parágrafo 2º, Incisos II e IV, c/c 29, todos do código Penal.
ADITAMENTO RECEBIDO COMO DENÚNCIA devidamente instruído com os autos do Inquérito Policial, de fls. 02, 03, 04, 05 e 06.
DECRETO DE PRISÃO PREVENTIVA DOS DENUNCIADOS, de fls. 252 a 261.
HABEAS-CORPUS, de fls. 336 a 367.
INFORMAÇÕES DO HABEAS-CORPUS, fls. 368 a 372.
DECRETAÇÃO DE REVELIA dos denunciados, fls. 422.
DEFESA PRÉVIA DO 2º DENUNCIADO, fls. 428 a 449.
ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DA PARAÍBA no "Habeas - Corpus", fls. 498 a 504, denegando a ordem.
DEFESA PRÉVIA DO 1º DENUNCIADO, fls. 506 a 511.
INTERROGATÓRIO DO SEGUNDO DENUNCIADO, às fls. 518 e V.
OITIVA DAS TESTEMUNHAS, arroladas pelo Ministério Público, de fls. 536 a 545, 921, 922.
OITIVA DE DECLARANTE por deprecata, fls. 661 a 663.
OITIVA DAS TESTEMUNHAS ARROLADAS PELA DEFESA, fls. 620 a 634 , 669, 670, 832 a 844, 969 a 972
REVOGAÇÃO DA PRISÃO PREVENTIVA, fls. 1014 a 1019.
ALVARÁ DE SOLTURA do segundo denunciado, fls. 1020.
ALEGAÇÕES FINAIS DA PROMOTORIA, propugnando pela PRONÚNCIA dos réus, nos termos da peça denunciatória, fls. 1022 e 1023.
ALEGAÇÕES FINAIS DA ASSISTÊNCIA DA ACUSAÇÃO, propugnando pela pronuncia dos denunciados, nos termos da peça denunciatória, de fls. 1026 a 1032 e ainda pedindo o aditamento da denuncia para a inclusão no processo de JOÃO CARLOS DE MELO, "Branco Pereira".
ALEGAÇÕES FINAIS DA DEFESA DO SEGUNDO DENUNCIAD0 , fls. 1053 a 1062, propugnando pela Impronúncia do denunciado, alegando não haver ficado provada na instrução processual a sua participação no crime.
ALEGAÇÕES FINAIS DO PRIMEIRO DENUNCIADO, fls. 1064.
SENTENÇA DE PRONUNCIA de fls. 1074 a 1081.
LIBELO CRIME ACUSATÓRIO de fls. 1092 a 1093.
CONTRARIEDADE DO LIBELO de fls. 1097.
NOVO DECRETO DE PRISÃO PREVENTIVA ao segundo pronunciado, de fls. 1099 a 1110.
HABEAS - CORPUS - PEDIDO DE INFORMAÇÕES, fls. 1132 a 1141.
INFORMAÇÕES, fls. 1143 a 1147.
OFÍCIO DO DESEMBARGADOR RELATOR, fls. 1167, cientificando ao MM. Juiz, a concessão da Ordem.
OFÍCIO DO DESEMBARGADOR RELATOR, fls. 1168, cientificando julgamento pela 5ª Turma, do Superior Tribunal de Justiça, de recurso de Habeas Corpus, tendo como recorrente BETÂNEO CARNEIRO DOS SANTOS, concedendo a Ordem, com a consequente Extinção da Punibilidade do réu - Junto Telex nº 238, fls. 169.
CÓPIA DO ACÓRDÃO, fls. 1171 a 1176, relativo a Ordem concedida, ao segundo réu.
DESAFORAMENTO - ACÓRDÃO 1240 a 1245, concessivo.
DETERMINAÇÃO DE REMESSA DOS AUTOS, à Comarca de João Pessoa, fls. 1246.
ACÓRDÃO DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA, fls. 1266 a 1270, julgando Extinta a Punibilidade do réu BETÂNEO CARNEIRO DOS SANTOS.
DETERMINAÇÃO DE RECOLHIMENTO DE MANDADO DE PRISÃO contra o réu, que teve a Extinção da Punibilidade Decretada, fls. 1275/V.
DESIGNAÇÃO DE JULGAMENTO DO RÉU JOSÉ BUARQUE DE GUSMÃO NETO "Zito Buarque", na Comarca de João Pessoa, fls. 1285 - Não realizado, face aos motivos insertos as fls. 1335.
PEDIDO DE INFORMAÇÕES EM "HABEAS CORPUS", fls. 1353, impetrado em favor de José Buarque de Gusmão Neto "Zito Buarque".
CÓPIA DO PEDIDO DE "HABEAS - CORPUS", fls. 1355 a 1363.
INFORMAÇÕES, prestadas pelo MM. Juiz de João Pessoa Presidente do 1º Tribunal do Júri, Dr. Abraham Lincoln da Cunha Ramos, fls. 1364 a 1366
DETERMINAÇÃO, em despacho de fls. 1386, de remessa do processo à Comarca de origem, para emenda do Libelo, nos termos do art. 418 do CPP.
DETERMINAÇÃO DE VISTAS, na Comarca de origem, ao Ministério Público, para o fim colimado, fls. 1884/V.
COTA MINISTERIAL, requerendo fosse determinado a retificação na numeração das folhas do processo, que encontrava-se errada. Deferido, fls. 1884/V.
COTA MINISTERIAL, fls. 1885, juntando Cópia de Acórdão do Egrégio Tribunal de Justiça de fls. 1886 a 1999, o qual anulou a sentença de pronúncia, solicitando fosse proferida outra.
TRANSFORMAÇÃO EM DILIGÊNCIA, para determinação de juntada aos autos de documento essencial ao julgamento, Auto de Exame Cadavérico.
REVOGAÇÃO DO DESPACHO, fls. 1909.
AUTO DE EXAME CADAVÉRICO, de fls. 249
É O RELATÓRIO
DECIDO.
Cabe-me antes de adentrar ao mérito, tendo em vista determinação de prolação de nova decisão, reexaminar as arguições constantes das Alegações Finais das partes, assegurando-lhes a amplitude da defesa e a apreciação do direito de postular.
Preliminares:
Assistentes do Ministério Público:
1) Pedido de inclusão no processo, em aditamento de denúncia, do indivíduo chamado João Carlos de Melo "Branco Pereira", possivelmente envolvido no crime, ressaltando existir na apuração da Instrução Criminal, conclusão de sua participação.
Na verdade existem nos autos, indícios de que realmente isso possa ter vindo a ocorrer, em vários depoimentos, as referências dão conta de encontro de usineiros, conhecidos como "grupo da várzea", na residência do indigitado, local onde teria sido tramado o assassinato da Líder Sindical e de citações de seu nome como um dos mandantes, fls. 42, 50, 57, 59, 63, 182/V, 191, 921/V...
Não obstante, essa ocorrência, como a sentença, no presente momento, encontra-se sendo lavrada, por ter sido anulada a anterior, seria esse aditamento efetivado, após a decisão de pronúncia, quando não mais caberia esse procedimento, pelo que, determino o envio de cópias das peças das folhas retro-mencionadas, de imediato, ao Ministério Público, para os fins pertinentes. Tudo isso porque, embora o art. 408, § 5º, fale em aditamento, não será ele possível, após a sentença da pronúncia já referida, entretanto, nada impede a apuração de ser efetivada, como aqui determinado.
DEFESA:
1) Arguição de nulidade, por atos realizados sem a presença de um dos advogados, Dr. Vital do Rêgo, por entendimento de que a procuração outorgada, também ao Dr. Walcides Ferreira Muniz, trazia obrigatoriedade sempre de desempenho em conjunto, uma vez, que o ato de exclusão do causídico, pelo Juiz de então, Dr. Ricardo Vital de Almeida seu parente em terceiro grau, por impedimento, eis que adentrara ao processo, quando já presidido por este, cerceara o direito de ter o réu, advogado de sua confiança, notadamente por ter o STJ, deferido o reingresso deste, ao patrocínio da causa.
Apresenta-se em primeiro lugar o ato de exclusão, plenamente legal, a teor do art. 252, I, c/c art. 267, do Código de Processo Penal, determinada a prevalência do primeiro atuante nos autos.
Dos autos verifica-se, que diante da exclusão, o patrocínio da causa, passou ao filho do excluído, o qual acompanhou todos os demais atos processuais, daí, vê-se claramente a ausência de qualquer prejuízo e assim sendo, teve o réu sua defesa assegurada pelos dois patronos, sempre diligentes e vigilantes.
Art. 566 do Código de Processo Penal, retrata bem a situação de que sem prejuízo, não se decreta nulidade, aliás, questão superada, quanto a essa preliminar, no próprio Acórdão.
Indefiro-a de pronto.
2) Versa sobre a juntada de documentos pelos Assistentes do Ministério Público, na fase das Alegações, ou melhor com elas, violando o contido nos ditames do art. 406, § 2º do Código de Processo Penal.
Plena razão, assiste ao impugnante do ato, a questão é objetiva, taxativa, e, não deixa dúvidas quanto essa impossibilidade de juntada.
Acolho-a, para determinar retirada dos autos da documentação em epígrafe, uma vez, que ainda permanece no processo, não obstante decisão anterior no mesmo sentido.
Renumere-se as folhas.
MÉRITO:
Trata-se o presente processo de Ação Pública Incondicionada, iniciada por denúncia devidamente instruída com os autos do Inquérito Policial, imputando aos réus Betâneo Carneiro dos Santos "Betâneo" e José Buarque Gusmão Neto, a autoria de homicídio qualificado, praticado contra a vítima, líder sindical, Margarida Maria Alves, o primeiro como executor material e o segundo como mandante do crime, incursionando-os respectivamente, nas disposições dos arts. 121, § 2º, incisos, I, II e IV c/c 29 e 62, inciso IV e 121, § 2º, incisos, II e IV, c/c 29, todos do Código Penal.
A materialidade da infração penal encontra-se bem delineada e comprovada pelo Auto de Exame Cadavérico, de fls. 249, que retrata a "causa mortis", prognosticada por ferimento penetrante com destruição total do crânio e face do lado direito.
No que concerne a AUTORIA, existe nos autos, fortes e veementes indícios de que os denunciados, realmente praticaram o crime que lhes é imputado.
As testemunhas ouvidas, fls. 18, 22, 28, 40, 42, 49, 53, 54, 56, 57, 182/V., 191, 192, 197, 198, 538/V., 540, 542/V., 543 e 921/V., indigitam-nos em concurso, executor e mandante, como as pessoas responsáveis pela pratica da Infração Penal, fato este, corroborado por todas as demais provas constantes dos autos, fls. 44, 46, 47, 49, 50, 52, 63, 843, que traçam um liame, de conjunto, proximidade, executoriedade, cumplicidade e conluio.
Do Crime:
Homicídio:
É a destruição da vida humana - Carmignani.
Qualificação:
Inserta nas disposições do § 2º do art. 121 do Código Penal, consubstanciando-se na inserção de motivos, meios e modos.
Motivos:
Basicamente são dois, constituindo elementos subjetivos do tipo:
Torpe:
Ofensivo em grande monta da moralidade média da sociedade ou de princípios éticos dominantes.
Fútil:
Apresenta-se como elemento antecedente psicológico, desproporcionado, com a gravidade da reação homicida desencadeada, demonstradora de insensibilidade social e moral do agente em relação a vida de seu semelhante.
Dessome-se dos autos, fls. 29, 30, 42, 47, 53, 54, 55, 59, 191, 542/V., 543 e 921/V., que o motivo da prática do homicídio foi fútil, o qual adveio, de simples querelas de ordem trabalhista, de intervenção sindical, de reclamos da vítima, que ousou reivindicar atingindo os senhores da região, gerando com isso, a reação fatídica, consumada, completamente desproporcional ao seu comportamento.
"O motivo envolve e impulsiona a vontade, constitui precedente psíquico da ação: e é fútil o motivo insignificante, mesquinho, manifestamente desproporcional em relação ao resultado e que, ao mesmo tempo, demonstra insensibilidade moral do agente" (STF - Rel. Antonio Neder - RT 467/450).
Meios:
Asfixia, fogo, veneno, tortura, explosivo, etc...
Modos:
Traição, emboscada, mediante dissimulação ou outro recurso que dificulta ou torna impossível a defesa da vítima.
Dos depoimentos, infere-se, que a vítima, foi morta, mediante ataque súbito e sorrateiro, usando o agente agressor procedimento dissimulado, o que tornou impossível a desconfiança do ataque, estando dessa forma configurada a qualificadora de Traição:
Depoimentos:
Fls. 46: "...Que tem conhecimento que Margarida no momento do crime se encontrava comendo uma espiga de milho verde na porta de sua residência, quando um elemento chegou perguntou se era ali que morava Dona Margarida e atirou..."
Fls. 187: "...procurou saber como tinha ocorrido, sendo informado de que o carro, um opala vermelho passou vagarosamente em frente a residência da vítima parando logo depois como se esperasse alguém; Que aproximou-se um elemento com um saco de supermercado no ombro e ao se aproximar da vítima que se encontrava na porta de sua residência comendo uma espiga de milho verde, atirou sem nada dizer..."
Fls. 921: "...Margarida se encontrava na janela de casa, quando se aproximou um carro vermelho com três homens dentro, dois ficaram dentro do veículo e um foi pela calçada conduzindo um saco e quando chegou próximo a Margarida atirou na mesma atingindo-lhe a cabeça..."
Apesar de pequenas divergências, se pode verificar, de forma bastante lúcida, as assertivas de Dissimulação, parada do carro como se esperasse alguém, arma escondida no saco. De Surpresa do ataque e a Falta de desconfiança de que pudesse ocorrer a agressão, por parte da vítima.
"A traição é caracterizada pela perfídia e pela deslealdade ( RF 159/385;165/334 )".
"É o procedimento insidioso, com disfarce da intenção hostil, de tal modo que a vítima, iludida, não tem motivo para desconfiar do ataque, e é colhida de surpresa ( RF 106/128; 159/385 )".
"Há traição quando o agente realiza o ataque súbito e sorrateiro, atingindo a vítima descuidada e confiante ( RF 172/468; 209/339 ).
Por fim, diante de exclusão do processo do réu Betâneo Carneiro dos santos, que teve extinta a sua punibilidade pela prescrição, passo a pronunciar tão somente o outro réu, José Buarque de Gusmão Neto "Zito Buarque", como de fato o pronuncio, diante da existência de sérios indícios no processo de que fora ele mandante do crime que ceifou a vida da vítima Margarida Maria Alves, tudo com substrato jurídico, no teor do art. 408 e seus parágrafos, do Código de Processo Penal, tendo-o assim, como incurso nas disposições do art. 121, § 2º, incisos, II e IV, c/c art. 29, todos Código Penal, a fim de que o mesmo seja julgado, pelo Júri Popular.
Intime-se-lhe pessoalmente da sentença, bem como a seu defensor.
Inexistindo recurso, decorrido o prazo legal, vistas ao Ministério Público, para oferecimento de Libelo-Crime Acusatório.
Publique-se. Registre-se. Intimem-se.
 
Alagoa Grande, 26 de setembro de 1997.
 
 
João Jorge de Medeiros Tejo
Juiz de Direito

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