Editor: Wolfram da Cunha
Ramos
ESTADO DA PARAÍBA
PODER
JUDICIÁRIO
COMARCA DA CAPITAL
1º
TRIBUNAL DO JÚRI
AÇÃO PENAL
PROCESSO : 20091003331-1
AUTORA : Justiça Pública
RÉU : Otávio Ribeiro Coutinho
Sobrinho
JUIZ : Abraham Lincoln da Cunha Ramos
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IMPRONÚNCIA
– Cadáver de mulher encontrado em estado de decomposição
orgânica em seus aposentos – Exame dos legistas inconclusos sobre
a "causa mortis" – Inexistência de sinais de violência no tegumento
externo, nos órgãos e cavidades internas do defunto – Assertiva
dos peritos de ausência de sinais de luta no local de encontro do
corpo sem vida – Razoável quantidade de blísteres de medicamento
ansiolítico encontrado ao lado do cadáver - Teses de suicídio
e homicídio defensáveis – Acusação de autoria
intelectual de homicídio, sem prova da existência do crime
– Inadmissibilidade.
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- Não se podendo concluir das provas
técnicas produzidas nos autos que o evento morte foi em decorrência
de um suicídio ou homicídio, devido à imprecisão
e inconclusão dos legistas e peritos, inadmissível é
indagar se contra alguém poderão ser inculcados indícios
de o haver praticado ou determinado.
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- Enquanto para a pronúncia
é indispensável a presença simultânea
dos pressupostos - certeza do crime e indícios de autoria - para
a impronúncia basta apenas que um ou outro requisito não
esteja patente.
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- A Lei (CPP, art. 408), para a determinação
da autoria exige apenas INDÍCIOS contra o réu, mas para a
existência do crime reclama a CERTEZA.
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Vistos
etc.
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O "dominus
litis", no uso de suas atribuições legais, denunciou de OTÁVIO
RIBEIRO COUTINHO SOBRINHO, qualificado nos autos, dando-o como violador
das normas previstas no art. 121, § 2º, incisos I, III e IV,
c/c os arts. 29 e art. 61, I, letra "e", todos do Código Penal,
por ter, segundo ele, determinado o assassinato de sua mãe LINA
ROSA DI PACE MAROJA RIBEIRO COUTINHO, cujo cadáver foi encontrado
na manhã de 26 de agosto de 1991, em estado de putrefação,
no apartamento 304 do Edifício San Conrado, Bairro da Torre, nesta
Capital, onde residia desacompanhada, conforme retratam as fotografias
de fls. 198/202 dos autos.
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Historia
a provocativa ministerial que a vítima, advinda de um casamento
desfeito, queixava-se do não cumprimento, pelo seu ex-marido, pai
do denunciado, de obrigações materiais consagradas no desate
matrimonial e, também, dos escárnios e das humilhações
feitas por dois de seus filhos.
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Explana, ainda, a preambular incriminatória
que, enquanto o ex-marido convivia com outra mulher, sem oposição
dos filhos, a Lina Rosa não admitiam eles qualquer relacionamento
amoroso, inobstante a sua nova situação desobrigá-la
da fidelidade conjugal.
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Sustenta o representante do "parquet" na peça
inaugural que, embora a "causa mortis" esteja por ser determinada, diante
do estado de decomposição orgânica do corpo, é
de inafastável dúvida que fora Lina Rosa alvo de assassinato.
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Expõe, por fim, o representante do Ministério
Público, na mesma peça, uma seqüência de datas
e fatos tendenciosos e que, segundo ele, incriminam o réu, culminando
por atribuir a execução do infortúnio a um indivíduo
que Lina Rosa recebera em seu apartamento na noite da sexta-feira e que
conduzia o Fiat no Domingo, a mando do denunciado, que teria empreendido
gestões de potencial logístico e dado apoio técnico
e material.
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Decretação de prisão temporária
de Odilon Maroja Ribeiro Coutinho, irmão do denunciado, por instância
do órgão ministerial, cumprida, prorrogada e depois, exaurida
pelo tempo de previsão legal.
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Despacho de recebimento da denúncia(fls.
02).
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Citação e interrogatório do
réu, onde nega as imputações que lhe foram feitas(fls.
497/498,v).
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Defesa prévia, com rol de testemunhas, oferecida
por advogados constituídos(fls. 501/502).
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No sumário de culpa foram ouvidas 07(sete)
testemunhas e 08(oito) declarantes do rol ministerial e 07(sete) testemunhas
da defesa.
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Em alegações finais, o representante
do Ministério Público propugnou pela procedência da
denúncia, objetivando a pronúncia do réu (fls. 653/654).
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A defesa, a seu turno, em longo arrazoado, pelejou,
com obstinação, pela impronúncia (fls. 656/676).
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Certidão de antecedentes criminais do réu
(fls. 652).
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Relatados.
Decido.
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É
cediço que o procedimento processual a ser adotado pelo juiz processante
da ação penal pública, depende da natureza da infração
penal narrada na denúncia.
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"In
casu", em face de ter ocorrido o evento morte e o "dominus litis" ter concluído
pela existência da figura típica definida nos incisos I, III
e IV do parágrafo 2º do artigo 121 do Código Penal,
foi imprimido o rito previsto para os crimes dolosos contra a vida. Agora,
alcançada a fase do art. 407 do Cód. de Proc. Penal, à
vista do conjunto probatório arregimentado para os autos, acho-me
diante de dois dispositivos antagônicos do Código de Processo
Penal:
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"Art. 408 – Se o Juiz se convencer da existência
do crime e de indícios de que o réu seja o seu autor,
pronunciá-lo-á, dando os motivos de seu convencimento."(
o grifo é meu).
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e
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"Art. 409 – Se não se convencer da
existência do crime ou de indício suficiente de que
seja o réu o seu autor, o juiz julgará improcedente a denúncia
ou a queixa."(o grifo é meu).
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Os dois
dispositivos legais supra, se referem ao convencimento, pelo Juiz, da "existência
ou não do crime". Não obstante, não se encontra no
Código Penal vigente, definição de crime. Não
obstante, o Código Criminal de 1830, em seu art. 2º, §
1º, dispunha: "Julgar-se-á crime ou delito toda ação
ou omissão contrária às leis penais". Da mesma
forma, o Código Penal de 1890, em seu art. 7º, também
definia: "Crime é a violação imputável
e culposa da lei penal".
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O legislador
de 1984, ao reformar a parte geral do Estatuto Repressivo em vigor, deixou
a critério da doutrina o conceito de crime. Os doutrinadores o definem
como "a ação ou omissão típica, antijurídica
e culpável". Isso significa dizer que não há crime
sem que o fato constitua ação ou omissão: sem que
tal ação ou omissão correspondam à descrição
legal(tipo) e sejam contrárias ao direito. E, por fim, sem que a
ação ou omissão típica e antijurídica
constitua comportamento juridicamente reprovável(culpável).
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Entendida
a conceituação de crime, observe-se que o legislador na redação
do art. 408, ao se referir ao binômio - certeza do crime/indícios
de autoria – utilizou a conjunção aditiva "e"(vide
texto grifado acima). Em outras palavras, a lei somente autoriza a prolação
de pronúncia quando se verifica a presença simultânea
dos dois requisitos: convencimento da existência do crime
e de indícios de que o réu seja o seu autor.
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A sua
vez, na redação do art. 409, que trata da impronúncia,
com referência ao mesmo binômio, foi empregada a conjunção
disjuntiva "ou"(vide texto acima).
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Nítida
a distinção estabelecida: enquanto para a pronúncia
é indispensável a presença simultânea
dos pressupostos - certeza do crime e de indícios de autoria, para
a impronúncia basta apenas que um ou outro requisito não
esteja patente.
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Examino,
agora, os dois pressupostos genéricos para, ao final, concluir se
é caso para pronúncia ou impronúncia.
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(IN)EXISTÊNCCIA DO CRIME
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Para
se poder bem aquilatar o que o legislador quis exprimir quando impôs
ao Juiz a obrigação de dar os motivos de seu convencimento
quanto à existência do crime basta ter em vista o que dispõe
o art. 386 do Código de Processo Penal ao determinar categoricamente:
"O Juiz absolverá o réu desde que reconheça
não haver prova da existência do fato".
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Por
outras palavras, e por analogia, sem que os motivos de convencimento do
Juiz demonstrem a existência de crime, não pode o réu
ser pronunciado.
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É,
portanto, condição primeira para a edição de
pronúncia que exista o crime e que o Juiz se convença de
sua existência, dando os motivos de seu convencimento.
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A prova da existência do crime, exigida pela
Lei, não é o simples evento morte, evidenciado pela presença
de um cadáver. Não basta dizer que haja um MORTO para estar
provado um HOMICÍDIO. O cadáver, por si só, prova
apenas que alguém morreu. Mas não prova de forma alguma a
existência de crime. É necessário e imprescindível
que se prove que a morte teve um responsável, foi praticado por
alguém, por outra pessoa.
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Impende lembrar que a Lei, como se infere do art.
408 do CPP, para a determinação da autoria exige apenas INDÍCIOS
contra o réu, mas para a existência do crime reclama a CERTEZA.
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O "dominus litis" ao irrogar ao denunciado a pecha
de autoria intelectual de crime de homicídio, obviamente assim procedeu
porque tinha em mente que a morte tinha origem criminosa, ou seja, fora
causada intencionalmente por outrem, e não de causa natural.
Ocasionar a morte de um homem é o fato
constitutivo do delito de homicídio. E tanto isso é certo,
que o nosso Código Penal, no artigo 121, usa um verbo que é
de ação: MATAR. "Matar alguém".
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"In hypothesis", colhe-se do articulado ministerial
inaugural e do cabedal probatório que o corpo da vítima foi
encontrado sobre o seu leito, em adiantado estado de putrefação(fotografia
de fl. 202).
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A Lei exige, como norma geral, que sendo a morte
suspeita ou violenta, a sua causa seja identificada, para que se possa
afirmar ou excluir a origem criminosa. É o que se lê no parágrafo
único do art. 162 do Cód. de Proc. Penal: " Nos casos
de morte violenta bastará o simples exame externo do cadáver,
quando não houver infração penal que apurar, ou quando
as lesões externas permitirem precisar a causa da morte...".
Obviamente, quando a perinecroscopia, ou seja, o exame externo do cadáver,
não permitir precisar a causa da morte, indispensável é
a necropsia ou autópsia médico legal, como é denominado
o exame interno do cadáver. Não basta dizer apenas que o
sujeito morreu porque se constatou fenômenos abióticos(morte
de fato), há necessidade, juridicamente, de se afirmar, a existência
de morte(morte de direito).
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De transcendental importância para a apuração
da "causa mortis" pois, quando se é encontrado um cadáver
em estado de decomposição orgânica, a necropsia. É
através dela que se pode concluir pela existência de morte
mecânica ou natural.
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Do auto de exame cadavérico de fls. 247/250,
referente a Lina Rosa Di Pace Maroja Ribeiro Coutinho, vê-se que
os legistas constataram que o couro cabeludo, o segmento buco-máxilo-facial,
os órgãos do pescoço, o tórax, o abdômen,
o dorso, a cavidade craniana, as cavidades torácicas e abdominal,
a região cervical ou qualquer outra parte externa ou interna do
cadáver não apresentavam sinais de violência. Afirmaram,
ao final, os médicos que houve morte, mas não concluíram
a sua causa, qual o instrumento ou meio que a produziu. Laconicamente,
afirmaram: "a determinar". É a chamada necropsia branca ou negativa.
Não deram as causas, os motivos, as razões que lhes impediram
de chegar à uma conclusão sobre a "causa mortis". Teriam
sido fatores impedientes as manifestações produzidas pelos
fenômenos putrefativos ? Teriam sido limitações de
ordem pessoal e/ou material durante a perícia ? Ou outros ? Quais
?
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Diante da conclusão dos legistas de que
no tegumento externo do cadáver e em seus órgãos ou
cavidades internas não havia sinais de violência, por quê
a autoridade policial, que tinha tanta certeza que se tratava de uma morte
violenta, não solicitou a realização de uma nova necropsia,
por novos legistas ?
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Ante o auto necroscópico inconclusivo sobre
a "causa mortis", por que a autoridade policial também não
determinou a realização de outros exames, como o histopatológico,
o anatomopatológico, só ordenando o toxicológico,
aliás, também, de resultado negativo ?
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A propósito, o laudo de exame toxicológico
de fls. 251/252, elaborado por peritos oficiais de Belo Horizonte(MG),
em nada colaborou para a pesquisa da "causa mortis". Mesmo porque somente
foram examinados o estômago e fragmentos do fígado do cadáver,
apesar de terem sido enviados fragmentos de rim e também de baço,
não analisados(consta do laudo). Fato surpreendente é que
esse laudo relata que os ofícios que encaminharam o material para
exame, assinados pelo Dr. Alex Maia Duarte, solicitam exame toxicológico
também em coração e pedaço de pulmão
e estes órgãos não foram enviados(consta do laudo).
Por quê ?
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Aliás, dito exame, como prova, está
comprometido, porque, se na necropsia não foram detectados sinais
de violência no tegumento externo do cadáver, nem em seus
órgãos ou cavidades internas, de vital e de crucial importância
era o exame toxicológico completo de órgãos e vísceras,
para verificar a ocorrência, ou não, de envenenamento. E,
em caso positivo, a polícia judiciária investigaria se teria
ocorrido um auto-envenenamento ou homicídio por envenenamento. Mesmo
porque foram encontrados sobre o leito, ao lado do cadáver 02(dois)
blisteres do medicamento "ansilive" e 01(um) de "desobesi-m". De alta significância
o fato comprovado no laudo de exame de encontro de cadáver que os
dois invólucros de "ansilive" continham espaço para 40(quarenta)
drágeas, mas 23(vinte e três) estavam vazios e o invólucro
de "desobesi-m" continha espaço para 10(dez) drágeas, mas
02(duas) estavam vazias.
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Todavia, como se viu somente foram objetos de exame
toxicológico o estômago e um fragmento do fígado. E
por quê não foram objetos desse exame um rim, o baço,
etc. Porque também não foi realizado o exame espectroscópico
e toxicológico de amostras do sangue, da urina, do intestino grosso,
do intestino delgado do cadáver, de vital importância para
hipóteses de envenenamento ? A ausência do exame toxicológico
desses órgãos tornam o laudo de fls. 251/252 incompleto e
portanto, imprestável, como prova, porquanto não afasta a
hipótese de auto-envenenamento.
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Ora, no próprio laudo de exame em local
de encontro de cadáver de fls. 192/197 consta que o "ansilivre"
é um medicamento ansiolítico e miorelaxante, contendo a substância
diazepan, droga benzodiazepínica. Nada se falou sobre a ação
do medicamento "desobesi-m" e sua atuação no corpo humano
quando consumido em conjunto com o "ansilivre". E esta hipótese
não poderia ter sido descartada. Pasme-se, foram os peritos que
subscreveram o laudo de exame em local de encontro de cadáver e
não os que elaboraram o laudo de exame cadavérico ou o toxicológico
que afirmaram que superdosagem com benzodiazepínicos são
freqüentes, porém algumas mortes somente se verificaram com
doses superiores a 700 mg de diazepan. Esqueceram-se os peritos, não
especializados em toxicologia, que não somente a quantidade de droga
é fundamental para ocasionar a morte, mas também, o hábito,
a dose e as condições pessoais(peso, estado de nutrição,
etc) de cada um determinam reações ou efeitos diversos; e
que, por isso, não se pode fixar uma dose medicamentosa como parâmetro
para ocasionar a morte de quem a ingere.
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Vem a calhar a seguinte indagação:
era a Lina Rosa viciada ? Tinha indicação médica para
usar tais medicamentos ? Teria ela tomado um coquetel de medicamentos ?
Em caso positivo, foi ingerido contra a sua vontade ou não ? A Polícia
judiciária não dirigiu suas investigações por
tal vereda. Por quê ?
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Ora, o fato de uma pessoa ingerir calmante indica
que ela não está com o seu psiquismo perfeitamente normal
ou, pelo menos, que há distúrbios de sono.
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É sabido que a privação da
própria vida é um fenômeno comum não somente
a enfermos, mas também a sãos. O desejo de morrer pode vir
de repente, inopinadamente, provocado por algum fato inesperado, brutal,
chocante, muitas vezes conhecido tão somente pelo agente.
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Muito difícil é saber se alguém
tem ou não tendência suicida. Personalidades que em nenhuma
oportunidade mostraram tendências suicidas e ninguém considerou
doentes mentais, e, no entanto, praticaram a autoquiria: PITÁGORAS,
DEMÓSTENES e ROBESPIERRE. Também são autocidas, NAPOLEÃO
BONAPARTE e BRUTUS.
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Seria SANTOS DUMONT, gênio-glória
do Brasil, o pai da aviação, um alienado mental ?
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Era Getúlio Vargas um louco ?
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E por que tentaram o suicídio BRIGITE BARDOT,
JUDY GARLAND e AVA GARDNER ?
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Há casos em que o suicídio, mesmo
sendo um ato de desespero, não vem precedido de manifestações
de anormalidades e pode não ter sido previsto, nem entrevisto ou
sequer suspeitado pelos que vivem na maior intimidade do agente.
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A falta de um aparente motivo determinante não
pode levar-nos a excluir o suicídio. Quem poderia imaginar que ERNEST
HEMINGWAY, com fortuna e glória, Prêmio Nobel de Literatura,
praticasse o autocídio sem explicação ?
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É, por conseguinte, extremamente difícil
poder, com segurança, excluir que um homem seja, por temperamento,
incapaz de se matar.
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A autoquiria sem motivos é raro, sendo mais
comum na literatura médico-legal aqueles com causas ou fatores.
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Entre causas ou fatores que se supõem determinantes
do SUICÍDIO: desgostos familiares, dissabores amorosos, desintegração
do lar, frustração profissional eram características
pessoais da Lina Rosa. Alem do mais, sofria repressão e patrulhamento
cerrado dos filhos pela sua vida independente, após a separação
de fato do pai do denunciado.
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Mas, se auto não se envenenou a Lina Rosa,
estaria descartado um homicídio por envenenamento ? Penso que não.
Pena que não se possa concluir por uma hipótese ou outra,
devido à imprestabilidade do exame toxicológico.
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Por seu turno, detalhe da mais alta importância
criminalística se afere pela constatação de que não
houve luta no local(laudo de exame de encontro de cadáver). Se tivesse
havido luta, mesmo que não se tratasse de luta de vida e morte,
haveria sempre equimoses, escoriações, arranhaduras de unhas,
as chamadas "lesões de defesa ", que não foram encontradas
no cadáver(auto de exame cadavérico), móveis virados,
roupas rasgadas, etc. Tais evidências não autorizam ninguém
a formular a hipótese de homicídio. Como conciliar as verificações
objetivas com a hipótese da intervenção de outra pessoa
como agressora ?
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É cediço que para se imputar a alguém
a autoria de homicídio é indispensável a prova do
corpo de delito, substrato físico da infração, que
não se confunde com o com o corpo da vítima.
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CARNELUTTI ensina que são dois os elementos
que constituem a estrutura física do crime: o dano e uma causa exterior
que o produz.
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A ocorrência desses dois elementos – o dano
e a causa exterior que o produziu – formando a estrutura física
do crime, constitui o corpo de delito.
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Não se deve confundir PROVA DA EXISTÊNCIA
DO CRIME com PROVA DA EXISTÊNCIA DA MATERIALIDADE DO EVENTO MORTE.
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Em linguagem labiríntica, pretendendo ser
científica, os LAUDOS DOS LEGISTAS e DOS PERITOS CRIMINAIS DA POLÍCIA
CIENTÍFICA restaram sibilinos, enigmáticos, incertos, reticentes
e INCONCLUSIVOS, imperfeições essas que não levaram
a prova o exame de corpo de delito, portanto, a me convencer pela existência
de crime.
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Transformar a negligência ou imperícia
dos legistas ou dos peritos criminais e a falta de perspicácia do
dirigente do inquérito policial em indício incriminatório
de homicídio, é pretender substituir o sofisma pela Lei,
a burla pela Ciência.
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(IN)EXISTÊNCIA DE INDÍCIOS DE AUTORIA
INTELECTUAL
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Se o
art. 408 do CPP, para o crime, reclama a existência, enquanto para
a autoria contenta-se com apenas a suficiência de indícios,
é porque o crime não pode ser havido por existente mediante
a simples especificação de indícios. Assim, pois,
se não estiver provado o crime não se terá de indagar
se contra alguém poderão ser inculcados indícios de
o haver praticado ou determinado.
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Outrossim,
não se pode admitir a ocorrência de crime, sem corpo de delito,
erigindo-se presunções, ilações, suposições
e conjecturas imaginárias e fantasistas à categoria de indícios
válidos, para depois ir-se à procura de alguém que,
presumivelmente, pudesse ser o seu autor intelectual, como procedeu a autoridade
policial.
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Se a indefinição e inconclusão dos laudos dos legistas
e peritos erigem as teses de – SUICÍDIO e HOMICÍDIO – como
defensáveis, e encontram nos autos elementos para, razoavelmente,
promover-se a sustentação de qualquer delas, e são
elas conflitantes, significa que, NÃO HÁ NOS AUTOS PROVA
DA CERTEZA DE EXISTÊNCIA DE CRIME.
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E se não há prova da existência
do crime, nenhuma pesquisa sobre o que seja indício de autoria e
sobre a avaliação do indício pesquisado pode ser feita
enquanto não estiver certificada a consumação do crime.
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"Ex positis", não havendo prova da existência
do crime, julgo improcedente a denúncia de fls. e fls. e, em conseqüência,
"ex vi" do art. 409 do Cód. de Proc. Penal IMPRONUNCIO OTÁVIO
RIBEIRO COUTINHO SOBRINHO, já qualificado, da imputação
que nela lhe foi feita.
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Impende assinalar que a decisão de impronúncia
não impede a renovação da ação penal,
enquanto não extinta pela prescrição. Se houver novas
provas comprovando a existência do crime, o processo poderá
ser instaurado(reinstaurado) a qualquer tempo( CPP, art. 409, § único).
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Após o trânsito em julgado desta sentença,
dê-se baixa na distribuição, preencha-se, destaque-se
e remeta-se o B.I. à Secretaria de Segurança Pública.
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Custas "ex lege".
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P.R.I.
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João Pessoa, 19 de setembro
de 1997.
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ABRAHAM LINCOLN
DA CUNHA RAMOS
Juiz de Direito do 1º Tribunal do Júri
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Volta
para as sentenças
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[email protected]