Editor: Wolfram da Cunha Ramos
ESTADO DA PARAÍBA
PODER JUDICIÁRIO
JUSTIÇA COMUM DE 1ª
INSTÂNCIA
COMARCA DE CAMPINA GRANDE
3ª VARA CRIMINAL
SENTENÇA
Ação Penal nº 015/96 - Campina
Grande
Juiz: Dr. Wolfram da Cunha Ramos
Réu: Sandoval Batista do Nascimento
Autora: A Justiça Pública
ATENTADO VIOLENTO AO PUDOR - Forma qualificada
- Prática de lesão corporal de natureza grave à ofendida
- Atos de libidinagem, em região erógena, com pendores sádicos
- Agente reconhecido devido a tatuagem no braço - Depoimento da
vítima firme e coerente - Prova testemunhal subsidiária harmônica
com outros elementos - Crime contra os costumes em concurso material com
seqüestro - Condenação decretada.
- Se a confissão do agente, de que estava
entre os agressores no início dos acontecimentos, apenas para interceptar
a vítima, forçado pelos outros meliantes, foi desmentida
pela ofendida e as outras provas coligidas, impõe-se a condenação,
mormente se a versão apresentada ficou isolada, sem nada a apoiar.
AÇÃO PENAL - Atentado
violento ao pudor e lesão corporal grave - Crime complexo - Denúncia
oferecida pelo Ministério Público - Legitimidade reconhecida
- Prevalência do art. 101 sobre o art. 225, ambos do CP.
- "O STF tem reiteradamente,
entendido que, nos crimes complexos (art. 101 do CP), de estupro (art.
213 do CP) e de atentado violento ao pudor (art. 214 do CP), é pública
a ação penal", STF, RT 563/411.
Vistos
etc.
O Ministério Público, por seu representante, neste juízo,
com apoio no inquérito policial, ofereceu denúncia contra
Sandoval Batista do Nascimento e outro, qualificados nos autos,
por terem violado os arts. 129, caput, 148, § 2º, e 214
c/c o art. 226, inc. I, CP. Assegura que a vítima, no bairro de
Bodocongó, nas imediações da Casa das Plantas, estava
dirigindo o seu veículo, quando uma pessoa se jogou na frente do
mesmo, montado em uma bicicleta. Ao parar o carro, os dois denunciados
se aproximaram. Um deles colocou uma faca-peixeira no pescoço da
motorista e ordenou que a mesma esperasse, enquanto eles entravam no automóvel.
Com os réus no veículo, passaram a circular por diversos
locais. Durante o percurso os acusados usando faca-peixeira produziram
ferimentos na vítima, cortando as coxas e a região pélvica,
na vagina, onde levou 45 (quarenta e cinco) pontos, consoante os laudos
de fls. e fls., precisando fazer cirurgia plástica. Além
destas agressões, eles aplicaram murros na cabeça da mesma,
rasgaram suas vestes, quebraram os óculos e a prótese dentária.
Ao final, revelou que o autor do corte na vagina foi o acusado Sandoval,
enquanto o outro indivíduo foi o responsável pela introdução
do cabo de uma faca em seu ânus. Os imputados ainda disseram para
a vítima que não iriam manter relações sexuais
com ela, em razão da mesma não ser o tipo deles.
Inicialmente, é bom dizer, esta sentença refere-se apenas
ao réu acima, uma vez que determinada a separação
de processos, nos termos do art. 80, CPP, como explicado abaixo.
Denúncia, recebida em 20-03-96, pelo despacho de fls. 02. Autos
de reconhecimento, fls. 40 e 41. Decreto de prisão preventiva, fls.
44. Auto de apresentação e apreensão das peças
de roupas rasgadas pertencentes a ofendida, 39. Réus citados para
interrogatório por mandado, fls. 59 v. Interrogatórios, fls.
62/66. Apresentadas defesas prévias, com rol de testemunhas, fls.
70 e 73. Inquirição de 02 (duas) testemunhas e 01 (um) declarante
arrolados na denúncia, fls. 84/90. Ouvidas 02 (duas) testemunhas
da defesa prévia do réu Sandoval, com dispensa de uma, fls.
105/109. Inquiridas 02 (duas) testemunhas do acusado Sebastião,
faltando uma residente na comarca da Capital. Indeferido pedido de liberdade
provisória, fls. 114 e 121. Requerimento da defesa de Sebastião
Costa Pontes para a separação dos processos, tendo em vista
a dificuldade de localização de sua testemunha, residente
fora desta Comarca, a qual reputa de fundamental importância, assumindo,
também, o ônus da demora na conclusão da instrução
criminal, fls. 156. O pleito foi deferido. Determinei a separação,
prosseguindo nestes autos apenas a ação penal conta o denunciado
Sandoval, fls. 172.
Laudos de Lesão corporal, fls. 17. Exame complementar, fls. 167.
Antecedentes, fls. 124 e 128 v.
Não foram requeridas diligências, fls. 172 v. e 173.
Nas alegações finais o representante do Parquet pleiteia
a condenação nas penas previstas nos arts. 148, caput,
e 129, § 2º, inc. I, ambos do CP. Afirma que restou plenamente
comprovado, nos autos, a autoria na pessoa de Sandoval como um dos meliantes
que praticaram os fatos narrados na denúncia. Discorda, contudo,
do enquadramento que foi dado pelos delitos praticados e narrados na inicial,
protestando por correções na tipificação da
denúncia. Entende que o Ministério Público é
parte ilegítima para promover a ação penal pelo delito
previsto no art. 214 c/c o art. 226, I, ambos do CP (atentado violento
ao pudor). Alega que, ao introduzir o cabo de uma faca no ânus da
vítima não ficou comprovado pericialmente ter havido lesão
de ordem grave, pelo que a propositura de possível ação
penal, para este delito, é de natureza privada, processando-se mediante
queixa, como determina o art. 225, CP. Outrossim, assegura estar presente
o dolo específico no delito de seqüestro, pelo fato da vítima
ter sido transportada, contra sua vontade, para lugar de difícil
acesso, ficando impossibilitada até de pedir ajuda a terceiros.
No entanto, não concordou com a qualificadora prevista no mesmo
diploma legal, pois da ação do acusado não resultou
apenas "sofrimento físico ou moral" em decorrência
de "maus tratos ou da natureza da detenção". Redundou,
em verdade, lesão corporal, como delito autônomo, de natureza
grave, em concurso material com o seqüestro, fls. 174/176.
A defesa concorda com a acusação, quanto a ilegitimidade
do Ministério Público para promover a ação
penal, no tocante ao crime de atentado violento ao pudor. Em relação
as demais acusações, contesta as razões do Ministério
Público. Garante que o imputado não tem qualquer participação
nos delitos descritos na exordial. Esclarece que ele apenas jogou a bicicleta
na frente do carro da ofendida, forçado pelos dois bandidos que
se apoderaram do carro da vítima e praticaram os crimes narrados
na denúncia. Pleiteia a absolvição.
Determinei a baixa dos autos, com vista ao Ministério Público,
nos termos do art. 384, parágrafo único, CP, fls. 181. Realizado
o aditamento da inicial, fls. 183, a defesa arrolou testemunhas, fls. 185.
Colhida a nova prova testemunhal, o agente do Parquet ratificou
as alegações de fls. 174/176. A defesa confirmou as alegações
finais de fls. 178/179 e rebateu o aditamento, não concordando com
a imputação de lesão corporal grave, fls. 196.
Feito o relatório, à decisão.
Após a instrução criminal, restou plenamente demonstrado
a participação do réu Sandoval nos crimes da denúncia
e do aditamento.
O acusado confessou, na fase inquisitorial, a prática dos fatos
narrados na denúncia, em co-autoria com outros dois indivíduos.
Explicou que ficou no banco da frente do carro da ofendida, enquanto o
outro sentou no banco traseiro. O terceiro componente apenas jogou a bicicleta
em cima do veículo, em seguida foi embora.
Em juízo, como costuma acontecer, mudou a versão. Disse que
a confissão foi obtida através de torturas, inclusive teve
o ouvido estourado. Foi advertido de que seria submetido a exame de corpo
de delito. Foi o suficiente para Sandoval dizer que apenas estava ouvindo
pouco e que as marcas das lesões já tinham desaparecido.
Agora, contou que, na realidade, era apenas o homem que jogou a bicicleta
em cima do automóvel de Maria Benício, ou seja, sequer entrou
no Fusca.
Esta nova estória não merece fé. Os verdugos da ofendida
estavam mascarados. Contudo, Sandoval foi reconhecido por Maria José
Benício, devido a uma tatuagem no braço. Ela contou, disse,
no inquérito e em juízo, que: "houve um vacilo do elemento
que estava na frente e a depoente percebeu uma tatuagem no braço
do elemento que estava na frente; que a tatuagem parecia uma nádega;
(...); que a depoente reconhece a tatuagem que inclui uma nádega
no braço esquerdo do acusado Sandoval, aqui presente, como a mesma
que tinha o elemento que estava sentado no banco dianteiro; (...); que
na delegacia Sandoval confessou a prática do crime", fls. 85.
Destarte, Sandoval era o meliante que estava sentado no banco dianteiro,
durante o percurso, quando a ofendida passou por uma sessão de terror.
Logo, não podia ser a pessoa que jogou a bicicleta em cima do veículo
e foi embora.
A vítima, desde o primeiro depoimento na polícia, revelou
como foi a participação de Sandoval: "durante o percurso
o elemento que ia no banco do passageiro (frente) começou a lhe
cortar com a faca, causando lesões nas suas coxas e na região
pélvica, rasgando as sua roupas, como: calça, sutiã,
blusa", (grifamos), fls. 08 v. No mesmo sentido foi o seu segundo depoimento
perante a autoridade policial, fls. 42. Em juízo, esclareceu: "o
elemento que estava na frente baixou a calça jeans e cortou a
calcinha da depoente; que o elemento que estava atrás segurou
o rosto da depoente, inclusive cobrindo os olhos; que o da frente cortou
os pequenos e grandes lábios da declarante e colocou o cabo da faca,
a peixeira, no ânus da declarante; que a declarante gritou e
também pediu para não ser estuprada; que eles disseram que
não iam manter relações sexuais com a depoente, porque
a declarante não era mulher que dava tesão para os dois",
(o grifo é nosso), fls. 85.
A vítima no início, com medo de escândalo na imprensa
e para resguardar a saúde do pai cardíaco, tentou esconder
os fatos em toda a sua extensão. Mesmo assim, no calor dos acontecimentos,
ela contou para a testemunha José Aroldo: "que os réus
tinham apalpado e puxado a vagina da mesma", fls. 87. A testemunha
Cleide Maria disse que viu a ofendida com a blusa e o sutiã rasgados.
E ouviu, na ocasião, Maria Benício contar que os meliantes
tinham lhe cortado com gilete, bem como que um deles possuía uma
tatuagem, fls. 89.
In casu, as declarações da ofendida são seguras
e coerentes. Encontram ressonância em todos os elementos do processo.
Ao passo que, a versão do réu (de que jogou a bicicleta em
cima do carro da professora) é isolada, sem nenhuma outra prova.
O depoimento da vítima, em se tratando de crime sexual, praticado
sem testemunha presencial, é de fundamental importância. Na
espécie, a dificuldade é ainda maior. Os seus algozes estavam
encapuzados. O reconhecimento só foi possível devido a tatuagem.
Vejamos jurisprudência neste sentido:
"É irrecusável que a palavra
da vítima, nos crimes de violência sexual assume excepcional
relevância, devendo merecer credibilidade e prevalecer sobre a palavra
do acusado, quando apoiada nas demais provas dos autos e goze de boa reputação",
RT 448/339.
Outra:
"Nos delitos de natureza sexual a palavra
da ofendida, dada a clandestinidade da infração, assume preponderante
importância, por ser a principal se não a única prova
de que dispõe a acusação para demonstrar a responsabilidade
do acusado. Assim, se o relato dos fatos por vítima menor é
seguro, coerente e harmônico com o conjunto dos autos, deve, sem
dúvida, prevalecer sobre a teimosa e isolada inadmissão de
responsabilidade do réu", RT 671/305.
Além
deste fator, destaque-se a firmeza das declarações de Maria
Benício, nas vezes em que foi ouvida. De forma que, no caso sub
judice, é de grande relevância o reconhecimento e as declarações
da vítima, que são harmônicas e encontram apoio nos
autos. Por conseguinte, a absolvição perseguida é
inadmissível.
Outrossim, entendo que, na hipótese dos autos, o Ministério
Público é parte legítima para propor a ação
penal, por ter ocorrido violência real contra a ofendida, como explicado
mais abaixo.
Os peritos constataram lesões nas pernas e no abdome da ofendida.
Assim como foi verificado "cicatriz sinuosa de bordas regulares com
a extensão de aproximadamente dois centímetros situada uma
ao nível do grande lábio à direita e outra ao nível
da região crural direita", fls.17 e 167. De igual forma, durante
o processo, a vítima revelou, e as testemunhas confirmaram, que
os dois homens rasgaram a sua calcinha. fls. e fls.
A localização, a região atingida (coxas e os grandes
lábios) e a forma como foram praticadas as lesões indicam
que a ação de Sandoval foi com o intuito de libidinagem.
Trata-se de prazer erótico no sadismo, que completou-se com a subsequente
introdução do cabo de uma faca no ânus da vítima.
O iter criminis demonstra a prática de atos de concupiscência.
De qualquer modo:
"O prazer erótico no sadismo é
obtido com o sofrimento alheio, seja imposto por processos de natureza
física, por flagelação, mutilação, ou
simples golpes e mordidas, seja por processos morais, isto é, por
via de humilhação ou de injúrias ... Impossível
afastar a configuração do crime, mesmo que a lei reclamasse
e não reclama o fim especial de satisfação da lasciva",
RT 702/332.
Por
conseguinte, resta caracterizado o delito de atentado violento ao pudor,
com violência real, consoante o laudo pericial. Possui, então,
o Ministério Público legitimidade para oferecer a denúncia.
A posição do Pretório Excelso é pacífica.
Neste sentido:
"Estupro com violência real. A jurisprudência
desta Corte já se firmou no sentido de que o estupro com violência
real é crime de ação pública incondicionada,
uma vez que o art. 103 do CP (atual art. 101) afasta a incidência
do art. 225 do mesmo diploma legal. Ineficácia da retratação
da vítima para impedir o prosseguimento da ação penal
promovida pelo Ministério Público", RT 572/417.
Ainda:
"Atentado Violento ao Pudor - Consumação
após lesões corporais leves infligidas à vítima
- Crime complexo - Ação penal de natureza pública
- Prevalência do art. 101 sobre o art. 225, ambos do CP - Recurso
extraordinário provido.
O STF tem reiteradamente, entendido que,
nos crimes complexos (art. 101 do CP), de estupro (art. 213 do CP) e de
atentado violento ao pudor (art. 214 do CP), é pública a
ação penal", STF, RT 563/411.
Outra:
"Habeas Corpus - Legitimidade do Ministério
Público - Exame de corpo de delito indireto - Citação
editalícia - Prescrição.
1. A ação penal é exercitável
incondicionalmente pelo Ministério Público, no crime de atentado
violento ao pudor, quando ocorrente violência real, ainda que apenas
consistentes em lesões corporais (art. 103 do CP).
2. O exame de corpo de delito é suprível
pela prova testemunhal (art. 67 do CPP) não havendo nulidade se
a falta do laudo não impede a prova do fato pelo outro meio de prova",
HC 59184-PR, Rel. Min. Raphael Mayer, Data da decisão 15/12/1981,
1ª Turma, DJU 12/04/82, pág. 03210, EMENT 1299/37.
Mais:
"Tendo havido lesão corporal ainda que
leve, continua em vigor a Sumula 608 desta Corte. Habeas corpus
indeferido". HC 72088-GO, Rel. Min. Moreira Alves, data da decisão
14/03/1995, 1ª Turma, DJU 06/10/95, pág. 33130, EMENT 1803/424.
Neste sentido: RTJ 96/405, RTJ 81/714, RTJ
89/627, RTJ 95/565 e RTJ 92/1109.
O art.
88 da Lei 9.009/95 estabelece que a ação penal pública
dependerá de representação da vítima, se da
violência resultar lesões corporais leves. Se, no caso dos
autos, as lesões fossem leves, ainda assim o Ministério Público
continuaria parte legítima para propor a ação penal.
É que, para o oferecimento da representação não
se exige maiores formalidades. Não existe fórmula sacramental.
O simples comparecimento da ofendida, na polícia ou em juízo,
demonstrando o desejo de que o acusado seja processado é o suficiente,
eqüivale a representação. In casu, ela compareceu
para depor por duas vezes no inquérito policial e, também,
se fez presente em juízo, apesar da humilhação e constrangimento
por que passou.
O art. 88 da Lei 9.009/95 estabelece que a ação penal pública
dependerá de representação da vítima, se da
violência resultar lesões corporais leves. Se, no caso dos
autos, as lesões fossem leves, ainda assim o Ministério Público
continuaria parte legítima para propor a ação penal.
É que, para o oferecimento da representação não
se exige maiores formalidades. Não existe fórmula sacramental.
O simples comparecimento da ofendida, na polícia ou em juízo,
demonstrando o desejo de que o acusado seja processado é o suficiente,
eqüivale a representação. In casu, ela compareceu
para depor por duas vezes no inquérito policial e, também,
se fez presente em juízo, apesar da humilhação e constrangimento
por que passou.
Da mesma forma, é a representação nos casos de crimes
de natureza sexual. Só para argumentar, é ofuscante a representação
da vítima e desnecessária no caso sub judice, lembro
a lição de Julio Mirabete: "deve-se entender que, se a
representação é instituída em benefício
da vítima e independe de formalidades, vale ela contra todos os
autores do ilícito, ainda que não constem seus nomes da peça,
salvo se houver restrição do ofendido"
O STF também já se pronunciou:
"Ação pública condicionada
legitimada pela manifestação inequívoca da vontade
da vítima. Tendo esta comparecido perante a autoridade policial
para registro da ocorrência do crime e também pessoalmente
ratificado a representação, é irrelevante a circunstância
de ter sido esta apresentada por advogado constituído sem poderes
especiais", RT 643/393.
Outra:
"Habeas Corpus - Estupro e atentado violento
ao pudor - Aspecto Formal da representação.
Nos crimes contra a liberdade sexual, a
representação não depende de rigores formalísticos,
bastando a inequívoca manifestação de vontade, perante
a autoridade, de ser apurada a responsabilidade penal do acusado",
RTJ 139/211.
Neste sentido: RTJ 129/743, RTJ 120/344, RTJ-121/926,
RTJ 122/1057.
Ademais,
está presente o constrangimento ilegal que dá suporte a ação
penal:
"No plano dos crimes sexuais, o procedimento
do agente, que surpreende a vítima e impede sua defesa, configura
violência real. E, pela presença desta, sem dúvida,
de ação penal pública incondicionada o caso, conforme
a Súmula 608 do STF, subsidiariamente aplicável, em nome
de analogia, por envolver matéria de natureza processual", RT
662/263.
Mais:
"..., o crime de constrangimento ilegal,
que é de ação pública, compõe, como
fato constitutivo, o crime complexo de estupro, fazendo prevalecer sobre
a regra excepcional do caput do art. 225 do CP a regra geral do
art. 101, que determina ser sempre pública a ação
penal quando entre na composição de um crime complexo fato
que, isoladamente, constitua crime de ação pública",
RT 657/271.
Neste
passo, pela prova testemunhal coligida ficou demonstrado que as lesões
sofridas por Maria Benício foram graves. Ela esclareceu que passou
aproximadamente 60 (sessenta) dias sem trabalhar, fls. 85. A testemunha
de fls. 89 afirmou que ela ficou mais de mês sem poder trabalhar.
Tal fato é complementado pelo atestado de fls. 35, onde alguns dias
após os fatos narrados na inicial, a ofendida ainda passou 30 (trinta)
dias afastada de seu serviço. O impedimento para ocupações
habituais, por mais de 30 (trinta) dias, ficou plenamente demonstrado pelas
testemunhas arroladas. Já se decidiu que:
"É possível o reconhecimento
da ocorrência de lesão corporal grave (incapacidade para as
ocupações habituais por mais de trinta dias), embora a vítima
tenha sido submetida a exame complementar no vigésimo nono dia,
se a prova testemunhal atesta que ela ficou mais de trinta dias sem poder
trabalhar", JUTACRIM 48/396.
Celso Delmanto cita jurisprudência:
"se, em razão do crime sexual que
sofreu, a vítima ficou incapacitada para exercer suas atividades
habituais por mais de 30 dias, aplica-se o art. 223, caput, CP (TJSP,
RJTJSP 84/435)", Código Penal Comentado, 3ª edição,
pág. 363, editora Renovar.
De forma
que, desnecessária a autorização da vítima
para legitimar o oferecimento da denúncia pelo Ministério
Público, posto que se trata de crime contra os costumes, praticado
com violência real.
De outra parte, a lesão corporal não é delito autônomo,
ou seja, não será considerado isoladamente, mas como componente
do crime complexo, acima comentado.
Neste tom, o delito de seqüestro também restou plenamente caracterizado.
No caso em tela, o Ministério Público não denunciou
pelo crime de roubo do veículo Fusca. É que a ação
de Sandoval, e do companheiro, foi no sentido da privação
e restrição à liberdade da ofendida. Maria José
ficou bastante tempo em poder dos seus captores. Inclusive, circulou por
vários locais da Cidade, antes de ser liberada. Afasto, entretanto,
o § 2º, do art. 148, CP. Posto que, já foi considerada
no delito de atentado violento ao pudor. E, ainda, por não ter sido
a violência detectada na perícia como decorrente da natureza
da detenção e nem de maus tratos. Os doutrinadores
consideram os maus tratos como a ação suscetível de
causar dano à moral, ao corpo ou à saúde de outrem,
sem constituir, entretanto, lesão corporal, que dará lugar
a concurso de delitos. Neste sentido:
"Raptando criança, para com ela manter
atentado violento ao pudor, comete o agente os delitos dos art. 148 e 214,
agravados pelas circunstâncias previstas no art. 44, "a" e "i", todos
do CP (atual art. 61, "a" e "h")", RT 501/285.
De forma
que, presente a necessária autonomia, restou demonstrado o crime
de seqüestro, uma vez que a vontade de Sandoval se direcionou, também,
a restrição da liberdade e não a subtração
violenta do veículo.
Como
se lê, a responsabilidade do acusado é exposta por todos os
elementos trazidos aos autos. Além das provas circunstanciais, de
valor concreto, existe prova direta conclusiva
Pelo colhido nos autos, há certeza plena de que o acusado agiu,
em concurso, com dolo intenso, com um terceiro. É bom que se diga,
não estou afirmando que o outro meliante é o primeiro denunciado.
Apenas, afirmo que ele agiu em dupla.
Diante do quadro fático, JULGO PROCEDENTE, em parte, a pretensão
punitiva do Estado para CONDENAR SANDOVAL BATISTA DO NASCIMENTO,
antes qualificado, por haver infringido as normas do art. 148, caput,
em concurso material com o art. 214 c/c os arts. 223, caput, e 226,
inc. I, e ainda em harmonia com o art. 101, todos do CP.
Nos termos dos arts. 59 e 68, ambos do CP, passo a dosar-lhe a pena.
1. Em relação ao crime de seqüestro (art. 148, "caput"
,CP):
A culpabilidade ressoa grave. Agiu, durante o iter criminis, com
dolo intenso. Não estava com interesse no veículo, apenas
na pessoa da vítima. Os antecedentes são normais, fls. 128v.
A conduta social não é boa. Demonstra inaptidão ao
convívio em sociedade. Os motivos do delito foram injustificáveis.
A personalidade revela-se negativa e deformada. Revela má índole
e tendência para a prática de ilícitos. As circunstâncias
foram desfavoráveis, a vítima vinha de seu trabalho, normalmente.
As conseqüências deste tipo de crime são nefastas, traz
constrangimento e humilhação para o seqüestrado. O comportamento
da ofendida foi o normal, em nada contribuiu para a prática do ilícito.
Estribado nas circunstâncias judiciais acima, estabeleço a
pena-base em 01 (um) ano e 09 (nove) meses de reclusão. À
míngua de outras circunstâncias a considerar, fica a pena
em 01 (UM) ANO E 09 (NOVE) MESES DE RECLUSÃO, para o crime
de seqüestro.
2. Quanto ao delito de Atentado Violento ao Pudor (art. 214 c/c o arts.
223, "caput" e 226, inc. I, todos do CP).
Na espécie, foi pacificada a jurisprudência, no sentido de
que com a inclusão do crime de atentado violento ao pudor na relação
dos crimes considerados hediondos (art. 1º, inc. VI, Lei nº 8.072/90)
a pena mínima e a máxima foram elevadas em se tratando da
figura simples [passaram a ser de 06 (seis) a 10 (dez) anos de reclusão].
Relativamente a forma qualificada, a pena varia de 08 (oito) a 12 (doze)
anos de reclusão (art. 223, CP).
Dispõe,
ainda, a legislação em vigor que a pena imposta será
cumprida integralmente em regime fechado (art. 2º, § 1º,
Lei 8.072/90). O rol dos delitos desta Lei são insuscetíveis
de graça, anistia e indulto, iberdade provisória, fiança
e sursis (art. 2º, inc. I, II, LCH). E ainda, de acordo com
o art. 2º, § 2º, da Lei 8.072/90, o Juiz poderá permitir
que o sentenciado recorra em liberdade, desde que fundamente a decisão.
Finalmente, que se a vítima encontrar-se nas hipóteses do
art. 224, CP: (a) não é maior de 14 (catorze) anos; b) é
alienada ou débil mental, com conhecimento do agente e c) não
pode, por qualquer outra causa, oferecer resistência), o acréscimo
de metade da pena, prevista no art. 9º, da mencionada Lei, somente
incide nas hipóteses de demonstrada a ocorrência de lesão
corporal grave ou de morte (art. 223, CP). Nossos Tribunais, aliás,
como foi dito, já foram instados a apreciar a questão.
"Tratando-se de vítima que se
enquadre na regra do art. 224, do CP, se o delito de estupro não
resulta lesão corporal de natureza grave ou morte, inadmissível
é a elevação da pena pelo reconhecimento da circunstância
agravante estabelecida pela Lei 8.072/90",
(grifei), Diário da Justiça-PB, 16-12-94, pág. 06,
Rel. Des. Raphael Carneiro Arnaud.
Na espécie,
a ofendida não se enquadra em nenhuma das hipótese do art.
224, CP. Pelo que, apesar da vítima ter sofrido lesão corporal
grave não aplicarei o aumento previsto no art. 9º, Lei nº
8.079/90.
Com estas considerações, nos termos do art. 59 e 68, CP,
inicio a aplicação da pena pelo delito de atentado violento
ao pudor com violência real (lesão corporal grave).
A culpabilidade foi intensa. Estava com o rosto encoberto. Atacou a vítima
de forma deliberada e covarde. Os antecedentes são normais. A sua
conduta social não é boa. Demostra inaptidão ao convívio
em sociedade. A personalidade revela-se insensível e mórbida,
com forte propensão a prática de delitos, inclusive sexuais.
Os motivos do crime foram injustificáveis. As circunstâncias
não lhes são favoráveis. As conseqüências
foram muito sérias. A ofendida precisou fazer cirurgia plástica,
além de tratamento psicológico. Carregará para sempre
esse trauma. O comportamento de Maria José Benício não
influenciou o âmago criminoso do réu.
Feita a análise retro, aplico a Sandoval Batista do Nascimento
a pena-base de 09 (nove) anos de reclusão, pelo delito de atentado
violento ao pudor. Aumento a pena em 1/4 (um quarto), ou seja, em 02 (dois)
anos e 03 (três) meses, por reconhecer a causa especial de aumento
prevista no art. 226, inc. I, CP (crime cometido em concurso de duas pessoas).
De forma que, à míngua de outras minorantes ou majorantes,
deixo a pena em 11 (onze) anos e 03 (três) meses de reclusão.
Desponta, na hipótese dos autos, o concurso material de delito.
Pelo que, somando a pena de 01 (um) ano e 09 (nove) meses de reclusão
aplicada no delito de seqüestro com a do crime de atentado violento
ao pudor [11 (onze) anos e 03 (três) meses], resta uma pena DEFINITIVA
de 13 (treze) anos de reclusão.
Denego o direito do réu de apelar em liberdade, por subsistirem
os motivos que determinaram a decretação da prisão
preventiva. Trata-se de indivíduo que respondeu toda a instrução
criminal preso. Seria um contra-senso a sua soltura após a sobrevinda
de sentença condenatória, por crime inafiançável.
Neste sentido decidiu o STF in RTJ 96/1053, 77/125, 122/101 e 88/69, tudo
nos termos do art. 2º, § 2º, Lei nº 8.072/90.
Ademais, em se tratando de crime hediondo a reprovabilidade ao agente é
acentuada, gerando indignação e repulsa. De outro lado, o
Pretório Excelso já decidiu no Processo n.º HC 71401,
em que foi Relator o Ministro Maurício Correia, Pacientes Geraldo
Soares Nunes e Gilberto Greff Paiva, impetrante Olga Brandão e coator
o Tribunal de Justiça do Estado de Matogrosso do Sul:
"1. O art. 2º, § 2º, da Lei
8.072/90, por exigir o recolhimento a prisão como pressuposto de
admissibilidade do recurso de apelação, não afronta
o disposto no art. 5º, LVII, da Constituição Federal,
a luz do qual as restrições a liberdade individual só
se admitem em caráter excepcional, sob motivação do
juiz em sua sentença.
2. A presunção de não
culpabilidade não se opõe aos arts. 393, I, e 594 do CPP
e ao art. 2º, § 2º da Lei 8.072/90, que estabelecem a prisão
posterior a sentença condenatória.
3. Nos crimes hediondos "a regra - que é
a proibição de apelar solto - só é afastada
(o que é exceção) por decisão fundamentada
do juiz em sentido contrário" (HC no 69.667-RJ, Rel. Min. Moreira
Alves, DJU 26.02.93, pág. 2.357). No mesmo sentido: HC no 70.634-PE
(DJU 24.06.94, pág. 16.649); HC no 69.901-GO (DJU 26.03.93, pág.
5.005); HC no 70.634-PE (DJU 24.06.94, pág. 16.649), todos relatados
pelo Ministro Francisco Resek.
4. Incensurável o acórdão
do Tribunal a quo ao decidir, de forma fundamentada, pelo não
conhecimento da apelação criminal interposta por réus
foragidos, com prisões preventivas decretadas, cuja sentença
condenatória, como incursos nas penas de crimes hediondos, não
lhes permitiu recorrerem em liberdade.
5. Habeas corpus indeferido".
Finalmente,
cito outra decisão do Supremo Tribunal Federal, desta vez da lavra
do Ministro Sydney Sanches, publicada no DJU 23-09-94, pág. 25329:
"Direito Penal e Processual Penal. Crime
hediondo: atentado violento ao pudor. Regime de cumprimento de pena. Apelação
em liberdade. Lei n.º 8.072, de 25.07.1990: artigos 1º e 2º,
parágrafo 1º.
1. A Lei n.º 8.072, de 25.07.1990,
no art. 1º, considera hediondo, dentre outros, o crime de atentado
violento ao pudor (art. 214 do C. Penal).
2. O parágrafo 2º do art. 2º
desse diploma impõe ao juiz, em caso de sentença condenatória,
que decida, fundamentadamente, se o réu poderá apelar em
liberdade.
3. Havendo o magistrado, na hipótese,
ordenado a prisão, sem aludir ao benefício de apelação
em liberdade, muito menos fundamentadamente, é de se entender denegado,
por ele, o benefício.
4. Sendo assim, não podia ter recebido
a apelação do réu, ainda solto, menos ainda sem fundamentar
o benefício da liberdade".
A pena
deverá ser cumprida integralmente em regime fechado, art. 2º,
§ 1º, da Lei 8.072/90 (Lei dos Crimes Hediondos), no Presídio
Regional de Campina Grande (Serrotão), ou em outro a ser designado
pelo juízo das execuções criminais.
Transitado em julgado, remeta-se boletim individual à SSP-PB (art.
809, CPP), anote-se no rol dos culpados. Expeça-se guia de recolhimento
em triplicata, com cópias desta decisão, do trânsito
em julgado e da denúncia para o juízo das execuções
locais.
Custas de lei.
P.R.I.
Campina Grande-PB, 15 de agosto de 1996.
WOLFRAM
DA CUNHA RAMOS
Juiz de Direito
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