Editor: Wolfram da Cunha
Ramos
ESTADO
DA PARAÍBA
PODER JUDICIÁRIO
JUSTIÇA
COMUM DE 1ª INSTÂNCIA
COMARCA
DE BELÉM
SENTENÇA
CRIMES CONTRA O PATRIMÔNIO
e FÉ PÚBLICA - EXTORSÃO - FALSA IDENTIDADE SUA ABSORÇÃO
- CONSUNÇÃO.
Emprego de Fraude - Afirmação
de Perigo Imediato que Corre Terceira Pessoa, Ente Querido da Vítima
- Meio Idôneo, Eficiente para Incutir Temor no "homo medius".
Delito Formal - Plurissubsistente
- Não Aderência da Vítima, ao Fim Colimado -
Tentativa.
Ameaça velada - Fundamentação
de mal próprio, à vítima e familiares.
Comportamento do agente,
totalmente voltado para obtenção de Vantagem Ilícita
- Cuidadoso preparo
do "iter criminis", dirigido para criar um Estado Psicológico, hábil
a incutir pavor e a premente
necessidade por parte da vítima de praticar o comportamento pretendido
- Conduta do meliante, eivada de Sub-Repção - Dolo
Intenso. Comprovação
em Juízo da autoria e da ocorrência do fato delituoso não
consumado, por circunstâncias
alheias a vontade do agente. Aplicabilidade
do estatuído no art. 383 do Código de Processo Penal - Emendatio
Libelli. Condenação
em sua forma Tentada. Procedência
em Parte da Denúncia.
Vistos, etc...
O representante
do Ministério Público, promoveu ação penal
contra o réu FRANCISCO DE ASSIS
FÉLIX DA SILVA, já devidamente qualificado nos autos, incursionando-o
nas disposições do
art. 158, c/c art. 307, todos Código Penal.
DENÚNCIA, instruída
com os autos do Inquérito Policial, às fls. 02, e 03.
AUTO DE PRISÃO
EM FLAGRANTE, fls. 07, 08 e 09.
AUTO DE APRESENTAÇÃO
E APREENSÃO, de uma Carteira de Polícia e outros objetos,
fls. 14.
INTERROGATÓRIO
DO RÉU, às fls. 27, 28 e 29.
DEFESA PRÉVIA,
sem Rol de Testemunhas, às fls. 35.
PEDIDOS DE LIBERDADE
PROVISÓRIA, fls. 2, 3 e 4 ( apenso ) e 39, 40 e 41 - Negados, fls.
26 e 27 ( apenso
) e 46.
OITIVA DAS TESTEMUNHAS
ARROLADAS, pelo Ministério Público, de fls. 49 a 52/V.
EM DILIGÊNCIAS
AS PARTES, nada requereram, fls. 53/V.
ANTECEDENTES CRIMINAIS
DOS RÉUS, às fls. 61., cientificando, prática de crimes
tipificados nos
arts. 157, § 2º, inciso I e 155, todos do Código Penal.
ALEGAÇÕES
FINAIS, do Ministério Público. às fls. 54., ratificando
os termos da denúncia.
ALEGAÇÕES
FINAIS, da defesa de fls. 55 a 59, confessando a prática por parte
do réu no delito constante
do art. 307 do Código Penal e propugnando pelo não reconhecimento
da Extorsão.
É O RELATÓRIO.
PASSO A DECIDIR.
Trata-se o presente
processo de Ação Pública Incondicionada, iniciada
por DENÚNCIA devidamente
instruída com os autos do Inquérito Policial, imputando ao
acusado a prática de Extorsão
e Falsa Identidade, incursionando-o nas disposições do art.
do art. 158, c/c art. 307, todos
Código Penal.
DA EXTORSÃO:
Compreende-se na ação
do agente ativo, em constranger alguém, mediante violência
ou grave ameaça,
que pode ser real ou moral, a fazer, tolerar que se faça ou deixar
de fazer alguma coisa, com
o fim de obter para si ou para outrem indevida vantagem econômica.
Protege a lei o patrimônio,
porém sendo crime complexo, igualmente protege a liberdade e a
incolumidade da pessoa.
Ação
física, é representada pelo verbo constranger, integrando
o tipo, a vantagem indevida, que é
elemento normativo, sob o aspecto econômico. A percepção
dessa vantagem, entretanto, traduz-se
em exaurimento.
Na doutrina e jurisprudência,
prevalece o entendimento de ser o crime em referência Formal e a
sua consumação
advém com o ato de constranger a vítima a fazer, tolerar
que se faça, ou deixar de
fazer alguma coisa.
Mesmo sendo Formal,
a vítima, embora constrangida, pode não se comportar positiva
ou negativamente,
como desejado pelo agente, o que torna possível a tentativa.
"O crime de extorsão
é, efetivamente, formal ou de consumação antecipada,
integrando-se com a ação,
tolerância ou omissão imposta coativamente à vítima.
Não se exige, pois, que o agente tenha
conseguido o proveito que pretendia. Basta a intenção de
obter a indevida vantagem econômica"
( STF - RT 612/437 );
"A extorsão atinge
a consumação com a conduta típica imediatamente anterior
à produção do resultado
visado pelo sujeito; consuma-se com o comportamento positivo ou negativo
da vítima, no instante em que ela faz, deixa de fazer ou tolerar
que se faça alguma coisa" ( JUTACRIM - SP 85/539
).
"A figura da tentativa ocorre
quando o sujeito passivo, não obstante constrangimento pelo autor
por intermédio da
violência física ou moral, não pratica a conduta positiva
ou negativa pretendida"
( JUTACRIM - SP 85/539 );
"O enquadramento da extorsão
entre os crimes formais não impede que se reconheça
a possibilidade
da tentativa. A extorsão é delito plurissubsistente, isto
é, que se preenche com a realização
de vários atos. Destarte, a atividade criminosa é perfeitamente
cindível; tem um "iter criminis"
e portanto, pode sofrer interrupção" ( JUTACRIM - SP
- RT 429/460 ).
Não obstante,
todo o até aqui exposto, há divergência na doutrina
e jurisprudência pátria, no que
concerne a ser formal ou material o crime de extorsão, porém
"in casu", essa discussão não traz
qualquer sentido prático, pois ambas classificações,
são convergentes no sentido de que, material ou formal, admitem
a sua forma tentada ( Delmanto - 3ª Edição - Fls. 281
).
Tentativa:
Quando por circunstâncias
alheias a vontade do agente, iniciada a execução não
se consuma o crime.
APLICABILIDADE DA PENA:
Deve-se levar em conta
as circunstâncias da própria tentativa, se obstada a prática
do crime no início,
a redução deve ser a maior permitida, se percorrido longo
caminho na tentativa, a menor.
Modo de Ocorrência:
A extorsão pode
ainda apresentar-se com o uso de fraude, conjugação de coação
e o engano (falsa afirmação de perigo ), com o fim de obtenção
de indevida vantagem.
"Quando se conjugam, na ação
do infrator da lei penal, a coação e o engano para obtenção
de vantagem,
o crime a reconhecer é o de extorsão. Impõe-se a solução,
por isso que, no caso, o constrangimento
exercido sobre a vítima constitui preponderante da atividade criminosa,
´máxime quando
se transforma na causa eficiente do resultado obtido’ " ( JUTACRIM - 27/129
).
FALSA IDENTIDADE:
O comportamento incriminado
é a atribuição a si mesmo ou a terceira pessoa, de
falsa identidade.
Podendo o comportamento punível penalmente, verificar-se verbalmente
ou por escrito.
A ação do sujeito ativo, deve ter em vista, a obtenção
de vantagem, em próprio proveito ou
alheio, ou resultado compreendido em causar dano a outrem ( dolo específico
).
Consuma-se quando da
realização do núcleo do tipo, independente de obtenção
do fim pretendido.
É crime formal,
unissubsistente, sendo portanto, inadmissível a tentativa.
É crime de caráter
subsidiário, só subsistindo o delito, se o fato não
constituir elemento de crime mais
grave.
Consunção
- Princípio dirimente de conflito aparente de normas.
Traduz-se na norma incriminadora
de fato que é meio necessário de preparação
ou execução ou conduta
anterior ou posterior de outro crime, ficando excluída pela norma
deste.
Correção
da peça denunciatória:
Possibilidade constante
do estatuído nos ditames do art. 383 do Código de Processo
Penal, que faculta
ao magistrado dar ao fato, nova definição jurídica,
sem que isso, implique em surpresa ou cerceamento
de defesa, embora tenha que aplicar mesmo, pena mais grave. Para
tanto, é necessário apenas, que as elementares estejam contidas,
explícita ou implicitamente no relato da denúncia,
como ocorrido.
"O réu se defende
da imputação do fato contido na denúncia, não
da classificação do crime feita pelo
Promotor de Justiça" ( STF, HC 56.874 ).
DA PRÁTICA DELITUOSA
E DA AUTORIA:
Dessome-se dos autos
de forma clara e precisa, através das provas dele constantes, que
o agente ativo,
o Sr. Francisco de Assis Félix da Silva, "habitué" das sendas
criminosas, implicado em vários outros
delitos, tomou conhecimento no Estado do Rio grande do Norte - RN, de que
o esposo da vítima,
lá encontrava-se preso, por crime de homicídio.
Certo de aproveitar-se
daquela situação, vendo que poderia ganhar dinheiro fácil,
maquinou com
um tal de LULA ( fls. 52 e V. ), o plano, posto em prática, para
extorquir a pobre vítima, agora
desamparada, sem o companheiro que a protegesse, certamente.
Deslocou-se até
essa Comarca e de imediato procurou a vítima e após identificar-se
falsamente, como
policial, apresentando inclusive uma carteira, que foi apreendida ( fls.14
), começou a expor
a sua cruzada psicológica, como meio idôneo para impor terror,
advindo inicialmente, na afirmação
que o marido desta, corria sério risco de vida e que se não
fosse retirado de lá até o final
do ano, poderia morrer, para em seguida, preparado o caminho, afirmar que
ele juntamente com o referido LULA, poderiam transferi-lo para a Paraíba,
elemento este, que posteriormente chegou
a telefonar procurando dar veracidade a trama ( fls. 15, 49 52 e V. ),.
Não satisfeito
o indivíduo com aquela única imposição de terror
psicológico, ainda afirmou, encontrar-se
acompanhado e que a qualquer momento, seus comparsas poderiam cercar a
casa e que
a vítima a também em qualquer momento, poderia ter uma arma
apontada para ela ( fls. 49 e
52/V. ).
Ocorre porém,
que mesmo constrangida, resolveu a vítima procurar a polícia,
que prendeu o meliante.
"Em tema de extorsão,
diz-se idôneo a priori o meio executivo do delito quando seja capaz
de intimidar
o homo medius, o homem comum" ( JUTACRIM 50/231 ).
"A ameaça tendente
a criar no espírito da vítima fundado receio de iminente
e grave mal, físico ou
moral, injusto ou não a sua pessoa ou a pessoa que lhe seja cara
( grifo meu ), configura o crime
previsto no art. 158 do CP. A virtual eficácia da ameaça
deve ser aferida tendo-se em conta a
psicologia média dos indivíduos da mesma condição
do sujeito passivo, não importando que no caso
particular a vítima tenha levado o caso ao conhecimento da polícia,
ensejando a prisão dos criminosos"
( JUTACRIM 16/58 ).
Fora de qualquer dúvida,
que o intuito do agente, era a percepção de uma quantia,
que almejava receber
da vítima, através do estado criado por ele, onde certamente,
esta, temerosa e constrangida,
veria-se na premente necessidade de transferir o seu marido, que corria
sério risco de
vida e entregar-lhe-ia o dinheiro necessário.
O intuito do réu
de obter vantagem econômica indevida, extrai-se ainda, do depoimento
de fls. 15,
onde a testemunha afirma, que ele dizia depender do interesse da família,
a facilitação da transferência
e que durante essa conversa, inclusive referenciada, nas razões
finais, fls. 57, este pedia
vantagens.
DA ADEQUAÇÃO
DA TIPOLOGIA DO DELITO A SER APLICADA:
A não adesão
da vítima, a prática do comportamento querido pelo extorsionário,
consubstanciado em fazer
alguma coisa, "in casu", entregar-lhe vantagem econômica ( dinheiro
), traduz-se
em inequívoca tentativa de extorsão, por ser esse delito,
formal, de cunho plurissubsistente,
cindível e de consumação quando da ocorrência
do procedimento querido, fazer,
tolerar que se faça, ou deixar de fazer alguma coisa, não
prevalecendo ainda, a afirmação de
que o fato da referida vítima ter procurado a polícia, não
encontrava-se intimidada.
"O fato de a vítima
de extorsão ter se socorrido da polícia para a prisão
do réu não significa que não
se tenha sentido intimidada com as sua ameaças, de modo a afastar
a tentativa do delito em apreço"
( RT 486/300 ).
Quanto a Falsa Identidade,
foi empregada no contexto, como elemento no "iter criminis",
restando absorvida, por ser
crime subsidiário, só tendo autonomia, quando não
usado como meio de
prática de delito de mais grave.
DA APENAÇÃO:
O réu é
tecnicamente primário, entretanto de péssimos antecedentes,
respondendo a um outro processo
por delito tipificado no art. 157, § 2º, inciso I e a Inquérito
Policial, por furto, fls. 61 e 25
dos autos em apenso, de personalidade periculosa e vida desregrada, agindo
como agiu na prática
do crime com intenso dolo, pelo que deve a pena ser aplicada acima do mínimo
legal, para assegurar a reprovabilidade, repreensão e reprovação
do crime perpetrado.
"Ex Positis", julgo
procedente em parte a denúncia de fls., 02, 03, para condenar o
réu FRANCISCO
DE ASSIS FÉLIX DA SILVA, já devidamente qualificado nos autos,
nas disposições do art.
158, c/c art. 14, todos do Código Penal.
Tendo em vista, as
diretrizes constantes dos arts., 59 e 68, do C.P., passo a dosar-lhe a
pena :
Atendendo a culpabilidade
intensa do réu, aos seus péssimos antecedentes, à
sua conduta social desregrada,
à personalidade periculosa, aos motivos, às circunstâncias
e conseqüências do crime, FIXO
a PENA-BASE, em 05 ( cinco ) anos de RECLUSÃO, devido
ao contido no teor do art. 14, CP, reduzo-a no máximo de 2/3 ( dois
terços ), diante da ausência de circunstâncias
legais ou de outras
de aumento ou diminuição da pena, torno-a definitiva
em 01 ( um ) ano e 08 ( oito ) meses
de RECLUSÃO. Condeno-o ainda, ao pagamento de 40 dias-multa, fixados
unitariamente no
mínimo legal.
Para a fixação
do número de dias-multa, foram analisadas as Circunstâncias
Judiciais do art. 59, já
discriminadas acima e o valor do dia-multa, a situação econômica
do réu, a teor do explicitado no
art. 60, todos do Código Penal.
O Seu Regime de Cumprimento
Inicial da PENA, será o SEMI-ABERTO, que se apresenta como o
mais adequado, levando-se
em consideração a propensão criminosa do agente, seu
"modus vivendi"
e a sua personalidade.
A pena aplicada, é
inferior a dois anos, deixo entretanto, de conceder ao réu a Suspensão
Condicional da Execução
da Pena, por não preenchimento por parte deste, do constante no
art. 77, incisos
I e II, do Código de Penal.
Lance-se-lhe o nome no Rol
dos Culpados, após o trânsito em julgado da sentença.
Custas pelo condenado.
Publique-se. Registre-se.
Intime-se.
Recomende-se na prisão
onde se encontra.
Belém, 30 de abril
96.
João
Jorge de Medeiros Tejo
Juiz
de Direito
Volta
para as sentenças
[email protected]